Balneário da Angústia

Davi está sozinho na noite. Seus amigos dormem ao som da sinfonia do vento e o quebrar das ondas.

– Me sinto agoniado. Sou torturado pela melancolia de minhas angústias e acariciado pela melodia das ondas.

Enquanto para eles é o embalo suave do sono, para Davi, é a motivação que o leva a perdê-lo...

A rua está deserta, mas há pouco passou uma viatura.

- Ouço apitos vindos do mar, ou será apenas minha mente cansada de pensar? Aflição corre em minhas veias, deve ser minha alma pulsando, lembrando-me que ela existe. Existe e está faminta! Estou vivo! Agora mergulho em meu âmago, embriagado pela insônia.

"Suspiro, a visão é turva, há uma forte neblina. Aperto os olhos. O clima é pesado, sufocante. O pouco que enxergo me remete à dor. Estou imerso na angústia latejante que se alimenta das minhas próprias reflexões. Sei que há florestas verdes banhadas por rios fartos, bosques onde impera a calmaria e campos em que florescem o prazer e o amor, mas neste momento tudo é cinza ..."

"Parece um pântano! Piso na areia movediça!"

"Quanto mais me debato, mais afundo. Pouco a pouco vou afundando dentro de mim mesmo. Minhas últimas lembranças são tristes, é o pesar de uma vida falha, uma vida desperdiçada em desprazeres. A areia da agonia vai alcançando meu peito."

Imagens continuavam a atormentá-lo, neste resquício de tempo que lhe restava. Amores fracassados, sonhos renunciados, choros engolidos em seco e noites mal escritas.

"Últimas lágrimas assolam meu rosto e vão deslizando ao encontro de meu algoz."

A areia silencia sua boca, mas não seus pensamentos, que gritam em desespero! por esperança! Por liberdade! Por uma segunda chance de viver aquilo que não fora vivido! É tarde...

Assim como o tempo, a areia não retrocede.

"Avança implacável por meus apelos de misericórdia. Cala minhas dores e exaure minha alma. Como o matador que, mecanicamente e sem piedade, desertifica uma vida..."

-Estou molhado?! sinto pingos golpeando em harmonia a minha face. Estou sentado de frente para o mar. Estou vivo!

"De repente, já me esqueço da chuva e do meu exaurir. Sou hipnotizado pelo mar, pelo som das ondas morrendo, pelas trevas inalcançáveis que se avolumam diante de meus olhos."

- Toda essa plenitude salgada, líquida, espumante e enraivecida. É fascinante... O mar está revolto. Tenta puxar a terra, mas não é páreo. Entretanto ele é incansável, persistente, grão por grão de areia ele arrasta para dentro de seu corpo negro e gélido.

"Fico estarrecido... No calar da noite o mar é soberano, é o aconchego predileto do medo dos mortais, o mar é um demônio..."

“ Morri em minha alma, e agora o mar me convida a morrer em vida...”

Ass: Davi Oliveira de Spolleto

A carta foi achada na areia da praia, próxima a um rastro ainda intacto de pegadas, que levavam até próximo do mar. Os amigos de Davi ficaram inconformados. Nunca notaram nenhum sinal que levasse a crer que isto fosse plausível de acontecer.

A perícia apontou que do escrever a carta até a morte consumada, o lapso temporal foi de aproximadamente duas horas. Os vigias do condomínio disseram que viram apenas um jovem, sentado num dos bancos, escrevendo compulsivamente.

Adalberto Romã, delegado de polícia responsável pelo caso, letrado e sensível às artes, não descartou a hipótese de homicídio. Afinal, Davi não fora alvo de seus desejos e inquietações, mas sim, mais uma vez, o Diabo negro seduziu sua vítima...

ProjetoProsa
Enviado por ProjetoProsa em 23/12/2013
Reeditado em 10/01/2018
Código do texto: T4623185
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