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O sol radiava com todo esplendor. Era uma tarde ensolarada, sem nenhuma nuvem no céu; este tomado pelo azul característico. Contudo, no horizonte, invisível aos olhos dos homens ao chão, uma nuvem escura aparecia, e se deslocava rapidamente.

À frente da pequena casa de William, havia um carro estacionado, com portas abertas, lotado de malas. No seu interior, Maria Clara arrumava o espaço, para que o quarteto coubesse junto das malas.

Tão logo saiu do carro, gritou, para quem estava dentro da casa:

- Vamos embora, pessoal! Senão vamos chegar tarde!

- Já vamos indo, amor! – gritou Yuri, de dentro da casa

Yuri estava junto de William, de pé, ao lado do sofá da sala da casa. O rapaz era descendente de japonês e tinha o cabelo levemente arrepiado, enquanto William era levemente moreno, com curvas corpóreas mais duras. Era levemente forte, enquanto Yuri era franzino.

- Vamos aproveitar essa viagem, Will! – disse Yuri, no pé do seu ouvido. Seu braço direito passava por trás do pescoço do amigo, repousando em seu ombro – Essa festa em Athros é a mais badalada da região, e você terá a chance de comer a Aninha!

- Não delira, Yuri! – disse William, levemente enrubescido. O rapaz era corajoso, entretanto, se o assunto era mulheres, enrubescia fácil.

- Não perca essa oportunidade, William! – fez uma rápida pausa – A Aninha é muito gostosa, e é muito afim de você!

- Não enxergue situações onde não existe, Yuri! – William se desvencilha de seu amigo, antes de se distanciar do mesmo, caminhando em direção à saída de sua casa – Ana é minha amiga, e nada além disso. E vamos embora, que estamos atrasados!

Ana era uma bela garota. Tinha seus quase vinte anos, um corpo angelical, com curvas perfeitas, seios e nádegas redondos, cabelo longo e alourado, olhos azuis e sempre vestia roupas que deixavam discreto seu corpo. Era ligeiramente tímida, o que atraía ainda mais os homens.

Maria Clara também era uma garota bela, mas não chegava nem um pouco perto da beleza escultural de sua melhor amiga. Namorava Yuri a pouco mais de três anos, e o amava acima de tudo nessa vida.

Ambas as garotas estavam encostadas no carro. Ana havia saído de casa antes de Yuri e William e Maria Clara estava ficando irritada com a demora dos rapazes.

- Esses garotos... – disse, irritada

Ana riu suavemente.

- Acalme-se, Clarinha. Eles devem estar só conversando! - disse

Clarinha aproximou seu corpo perto o suficiente para cochichar no ouvido de sua amiga.

- Cá entre nós, amiga! Aproveita essa viagem para dar em cima do Will!

A frase de Clara sobressaltou o coração de Aninha. O rosto da garota enrubesceu-se, ficando parecida com um tomate.

Gaguejando, respondeu à amiga:

- C...Como a...assim?

- Você não me engana, Aninha. Conhecemo-nos há muitos anos e sei perfeitamente que você é doidinha no seu querido amigo de infância. Aprovei-te essa festa, chegue nele. É seu desejo, não é?

Ana sentia seu coração de tão forma, que parecia que o mesmo saltaria para fora do corpo pela boca. Sentia suas bochechas queimarem, tamanha a vermelhidão.

- E...Eu n...não... – tentou argumentar, contudo, seu nervosismo foi superior, e não conseguiu balbuciar nenhuma frase. Ficou cabisbaixa, sentia-se envergonhada diante a situação.

Clarinha repousou sua mão direita no ombro da amiga, e disse:

- Não se preocupe. Yuri está plantando uma sementinha no peito de Will e, na festa, tanto eu quanto ele lhes ajudaremos. Vai dar tudo certo. Pode apostar!

Ana sentia que ia chorar. Não conseguia encarar esse desejo ardente que sentia no peito, e só conseguia fugir.

A porta da casa de William abriu, saindo o dono da casa e Yuri. William descia as escadas que davam à calçada, enquanto Yuri, parado em frente à porta, se espreguiçava.

- Prontos para a maior festa de suas vidas, a festa onde transaremos até morrermos de cansaço?

Ana enrubesceu-se só de ouvir a palavra “transa”. Percebendo a amiga ficar envergonhada, Clara repreendeu:

- Yuri!

- Mas, amor, não é verdade? Essa festa vai ser “A festa das transas”, onde poderemos transar com quem, onde e quando quisermos! – disse o rapaz, enquanto caminhava em direção ao carro

- Então, você quer ir à festa para transar com outras garotas? – perguntou Clarinha, frente a frente com seu namorado.

- Eu vou transar só contigo, meu amor! Pode ficar tranquila! – disse Yuri, passando a mão por trás da cintura de sua namorada, apertando-lhe no local. Os dois começaram a se beijar.

Ana preferiu entrar no banco traseiro do carro a ver a cena. Will abriu a porta do motorista, mas não entrou. Chamou a dupla de amigos.

- Ei, Yuri, Clarinha... vamos? Se não, não conseguiremos chegar hoje em Athros!

Percebendo que o casal de namorados não lhe deram atenção, William respirou fundo, meneou negativamente a cabeça e adentrou no carro. Começou a arrumar o veículo para dirigi-lo. Vendo Aninha no banco do carona, disse:

- Esses dois não têm jeito mesmo!

Ana assentiu com a cabeça. Estava em devaneio, imaginando-se na mesma situação, com William.

- Animada pra festa? – perguntou Will.

Ana foi pega de surpresa pela pergunta de Will. Enrubesceu-se. Percebendo a reação de sua amiga, William ficou nervoso e, gaguejando, tentou consertar sua frase.

- E...Eu não quis dizer... que é...

Ana ficou cabisbaixa. Yuri entrou no lado do carona, enquanto Clarinha adentrava no veículo pela porta traseira.

- Vamos? – perguntou Yuri.

Will virou o foco do olhar para frente, enquanto Aninha visualizava a rua. O casal de namorados não percebeu, mas tanto Will quanto Aninha estavam constrangidos.

William ligou o carro e partiu.

Uma gigantesca nuvem cinza tomou conta do céu naquele final do dia. Estava tão nublado que não se conseguia ver o sol se pôr.

A chuva se tornava iminente, trovões rugiam pelos céus da estrada. Athros estava longe, atrás das montanhas ao fundo. A festa seria apenas na tarde do dia seguinte, mas o quarteto queria chegar à cidade o mais cedo possível. Estavam esperando problemas como o que viriam.

William dirigia em uma estrada de curvas acentuadas e se encontrava completamente vazia. Até o horizonte só se viam planícies, antes do rochedo montanhoso que se formava no local.

- E...Essa chuva só nos vai atrapalhar! – disse Ana

- De fato! – respondeu William – Principal-mente para quem está dirigindo!

- Se quiser depois trocar... – disse Clarinha

- Não se preocupe. Não terá necessidade, pelo menos, não agora. Se depois eu estiver cansado, trocaremos! Pode ser?

Clarinha assentiu com a cabeça.

Yuri estava concentrado na máquina fotográfica que portava. Podia não parecer, mas o rapaz era um geek .

- Tudo bem contigo, Yuri? – perguntou seu amigo, ao percebê-lo compenetrado

Clarinha, preocupada, debruçou-se no assento de seu namorado e perguntou:

- Aconteceu alguma coisa, Yuri?

- Estou apenas vendo as fotos que tiramos pelo caminho! – respondeu o rapaz

- Tem algo de errado com elas? – perguntou William, antes de voltar o foco do olhar para a estrada e girar o volante, para que o carro adentrasse em uma curva

- Não! – respondeu o amigo – Só não tem nada para fazer!

- Se quiser, troca de lugar com a Aninha e eu te dou um passatempo divertido! – disse Clara, com uma voz provocante

- Opa! Vambora! – brincou Yuri

Will olhou Clarinha pelo retrovisor interno.

- Já está assim, antes mesmo de chegarmos a At...?! – o rapaz continuaria sua frase, contudo, percebeu algo de diferente na pista. Parecia ser um animal ou um humano atravessando rapidamente a pista; Will não viu direito. Viu um vulto, sem silhueta definida atravessando a pista; parecia ser bípede, entretanto, o rapaz não poderia dar certeza. No mesmo instante, girou o volante para a direita. Começou a girá-lo rapidamente, tentando evitar sair da pista. Estava em uma velocidade considerável. Rodou na pista inúmeras vezes e acabou por bater com a parte frontal do carro em uma árvore na beirada da pista, impulsionando todos para frente, pela força da inércia e, em seguida, para trás, em uma força considerável. O carro parou. A cabeça de todos doía ao serem empurradas para frente e para trás.

- Só faltava essa... – disse William

- Todo mundo está bem? – perguntou Clarinha

Aninha estava com um pequeno sangramento na cabeça, na parte superior esquerda. Estava com a mão no local e, quando Clara perguntou, meneou positivamente a cabeça.

- Você está sangrando, Aninha? – perguntou, preocupada. Will e Yuri arregalaram os olhos, surpresos.

O quarteto bateu com o carro em uma das diversas árvores à beira da pista em frente a um onipotente prédio. Will estava com o celular no ouvido, tentando se comunicar com alguém. Yuri estava fazendo o mesmo, enquanto Clarinha cuidava do ferimento de Ana.

Um trovão forte clareia o céu rapidamente.

Will caminhou em direção ao carro, enquanto retirava o celular de perto do ouvido. Guardou o aparelho no bolso, enquanto, visivelmente chateado, disse:

- Não tem sinal aqui!

- Estamos muito longe de alguma cidade? – perguntou Clara

Um segundo trovão ribomba no céu.

- Uma ou duas horas daqui, a pé. Contudo – acontece um terceiro trovão – Está prestes a chover!

- E onde ficaremos? – perguntou Ana

- Aqui era um vilarejo antigo. Virou uma cidade-fantasma por ser muito pobre e longe das outras civilizações. Acho que o único prédio que sobreviveu foi este! – William virou o foco do olhar para o prédio. Clara e Ana fizeram o mesmo.

O prédio era uma gigantesca estrutura de tijolos que possuía dois andares, com diversas janelas ocupando a parede frontal. Uma mureta, com um portão frontalmente à porta principal do prédio, delimitava seu espaço. Tinha formato de uma hospedaria antiga, datado possivelmente do fim do século XIX. Era marrom claro e estava mal cuidado.

Percebendo uma aura negativa rodando o local, Ana pergunta:

- T...Tem certeza, Will?

- Ou dormir aí ou no carro! – respondeu Will

Aninha fica em silêncio. Yuri desliga o celular e caminha até o trio.

- E aí? – perguntou Clarinha

Yuri meneia negativamente a cabeça, com ar de desapontamento.

- E agora, o que faremos? – perguntou o rapaz

Will aponta com a cabeça para o prédio abandonado. Yuri vira o corpo para ver o que William apontava. Ao fitar o prédio, perguntou:

- Tem certeza?

- Melhor do que o carro! – respondeu o rapaz

Yuri deu de ombros, e disse:

- Por mim, tudo bem!

Will percebe o primeiro pingo de chuva cair no solo.

- Vamos! – disse. – Está começando a chover!

Will, Clara e Ana viraram em direção ao carro, mas pararam ao ouvir um grito de Yuri, mandando-os esperar. O trio virou o corpo para o rapaz, que, naquele instante, estava com sua máquina fotográfica em punhos.

- Vamos tirar algumas fotos da frente desse prédio tenebroso! – disse

- Yuri, está prestes a chover. Deixe para outra hora!

- É rápido. Não vai demorar. Temos que pegar esse ar tenebroso, dado pela iminente chuva. Vamos!

Will respirou o fundo. Hesitou a princípio; os pingos de chuva começaram a se intensificar, contudo, seu amigo não iria sair do local enquanto não tirasse algumas fotos.

Forçando um sorriso, Will tirou fotos ao lado de Ana e Clara, antes de tirar apenas com sua amiga de infância, Yuri tirar com seu melhor amigo e depois com sua namorada. Pensaram em tirar mais fotos, mas os relâmpagos que caíam durante a sessão de fotografia fizeram William ficar alerta.

- Vamos! Depois tiramos mais fotos, Yuri! Vai começar a chover!

O quarteto pegou suas coisas no carro, trancou o mesmo e partiu para dentro do velho prédio. Will tentou abrir o portão principal, entretanto, um velho cadeado o impossibilitou. Arrombou-o. A chuva começava a cair.

Yuri, Clarinha e Ana adentraram no espaço dentro dos muros do prédio e William colocava o portão no lugar onde se encontrava. Correram em direção à porta principal. A chuva começava a apertar, de forma rápida. Chegaram à porta principal e a abriram. Não estava trancada.

Adentraram no prédio. Não havia nenhuma luz, assim somente a luz da noite incidia dentro do lugar, dando ao mesmo um ar profundamente tenebroso.

Estavam em uma espécie de saguão. Ao fundo, um corredor, que adentrava na escuridão completa antes de conseguirem ver seu fim.

- Tem alguém aí? – perguntou Yuri, em direção ao corredor – Olá!

A única resposta que o rapaz teve foi sua própria voz ecoada pelos cantos escuros daquele prédio.

Ana, Clara e William estavam assentados num velho sofá jogado no canto, no lugar oposto ao balcão. Estavam encharcados, todos os quatro.

- Estou muito molhada! – disse Ana. A garota tremia de frio, de tão encharcada que estava

- Eu falei que era para tirarmos fotos pela manhã, e não agora. Molhamo-nos à toa! – disse William, levemente irritado

Yuri mal prestava atenção nas palavras dos amigos. Virou o foco do olhar ao trio e caminhava em suas direções.

- Parece que não há ninguém aqui! – deu uma pausa, parando de frente a William – O que faremos agora?

- Vamos achar um quarto para dormir! – respondeu o outro rapaz – Estou exausto!

- Está certo! – disse Yuri. O rapaz abaixou-se e começou a mexer em sua mochila, localizada junto da dos demais, no pé do sofá.

- O que está procurando, Yuri? – perguntou Clarinha

Yuri levantou-se, com quatro lanternas em mãos. Jogou em cada um dos seus amigos uma lanterna.

- Lanternas! – disse, enquanto os demais pegavam suas respectivas lanternas – Não há luz neste prédio, então vamos ter que iluminar com as lanternas!

- Não há... luz? – perguntou Aninha, temerosa

- Foi o que eu disse. – disse Yuri – Algum problema quanto a isso?

- Eu odeio escuro!

- Não tem problema. O Will te protege! – disse. Virou as costas para o grupo – Vamos!

Will ficou surpreso com a fala de seu amigo. Ana ficou consternada e enrubesceu-se.

O segundo andar do prédio era tão sinistro quanto o primeiro. Paredes descascando, teto mofado, ar fúnebre, chão rangendo, um corredor gigantesco, com um sem-número de portas laterais e uma ao fundo.

Will, Ana, Clara e Yuri investigavam o corredor do primeiro andar. Havia diversos quartos laterais e, ao fundo do corredor, depois da escada que levava ao andar superior, uma porta, que dava à cozinha. Pensaram em ficar nos primeiros quartos, mas ratos, baratas e aranhas tomavam conta do lugar. Torciam para terem mais sorte no segundo andar. Adentraram ao local. E realmente tiveram. Acharam logo vários quartos limpos, todos na mesma parede da escada.

- Como dividiremos os quartos? – perguntou Yuri, em frente a um dos quartos

- Vamos todos dormir no mesmo quarto! – respondeu Will – É mais seguro assim!

- Ah, não, Will. Pega muito mal dormirmos todos no mesmo quarto! – disse Clara

- Somos amigos há anos, Clarinha, e não tem mais ninguém aqui além da gente! Não tem problema algum quanto a isso e é mais seguro assim. Além do mais – disse – Há duas camas no recinto. Você e Yuri dividem uma cama, Aninha dorme na outra. Eu coloco uma terceira cama no local, e durmo nela.

- Por mim, tudo bem! – disse Yuri, com ar de sacana

Clarinha repreendeu seu namorado, dando-lhe uma cotovela nas costelas.

- Nem pense em besteira!

- Ah... – disse, com ar de desapontamento, mas, sobretudo, de brincadeira

- E vocês? O que acham? – perguntou William, mudando o foco para as garotas

- Por mim, tudo bem! – disse Ana

- Fazer o quê, né? – disse Clarinha, levemente irritada

- Não se preocupa, não, amor – disse Yuri, fungando no pescoço de sua namorada – Eu não vou fazer besteira!

- Se fizer, é um homem morto!

Will ficou constrangido, com medo de sua amiga. Depois, voltou ao normal e disse, sério:

- Eu vou olhar se os chuveiros estão funcionando. Estou precisando de um bom banho!

- E...Eu vou com você! – disse Ana. Caminhou junto de William em direção ao final do corredor, onde se encontrava um par de portas.

- Então... – disse Will, parado junto de Ana em frente às portas – Qual das portas que é o banheiro?

- A porta que queremos é a da direita. A porta da esquerda são os sanitários. – disse Ana, segura de si, caminhando em direção à porta da direita

- Foi você quem abriu as portas do banheiro quando chegamos, não foi, Aninha? – perguntou Will

Ana meneou positivamente com a cabeça. Abriu a porta. Era um corredor com vários boxes, todos com um chuveiro dentro.

William ficou surpreso com a arquitetura do local.

- Que massa... – disse. Adentrou no local logo atrás de sua amiga. Vislumbrava o local. Ao contrário dos demais lugares do prédio, aquele estava arrumado. Não havia nenhum azulejo ou piso fora do local, e o teto estava sem nenhum ponto preto.

- O...O engraçado que os sanitários não são como este lugar, apesar de serem o mesmo banheiro. – disse Ana

- Sério? E como eles são?

- Um lavabo! – disse Ana, fitando seu amigo. Will ergue a sobrancelha, de surpresa.

Ao perceber que estava encarando seu grande amigo, Ana enrubesceu-se, girou o foco do olhar e disse, cabisbaixa:

- Vamos!

Começou a caminhar em direção ao final do corredor.

Will ficou parado. “A Aninha é muito gostosa, e é muito afim de você!”. A frase de Yuri em sua casa, pouco antes de saírem, veio à mente do rapaz. “Muito afim de você”, repetiu em sua mente. Lembrou-se da reação de Ana ao fitar seu rosto. “Será?”, se perguntou.

No final do corredor, Ana percebeu que Will não a estava seguindo. Virou para trás e o viu absorto, parado no meio do corredor.

- Ei, Will... – gritou. William acordou de seus devaneios – Teste os chuveiros daí, que eu testo os daqui!

- C...Certo! – disse. Fora pego de surpresa pelo berro de Ana, e ficou constrangido por estar fitando-a. “A Aninha é muito gostosa”, essa parte também lhe veio à mente durante o devaneio.

- Vocês demoraram! – disse Yuri, quando Ana e Will estavam voltando

- N...Não é... – Ana ficou envergonhada com a frase de Yuri, por achar que eles imaginavam uma situação inexistente

- Eram muitos chuveiros! – respondeu Will, ríspido, cortando a maldade na conversa

- Muitos chuveiros?! – perguntou Clarinha

- Sim. Como em um vestiário! – respondeu o rapaz

- Que estranho, porque só há um sanitário!

- A Aninha me disse a mesma coisa!

- E estão funcionando?

- Saem água normalmente, apesar de estarem meio entupidos. Vai ser um banho frio, não há energia elétrica.

- Fazer o quê, né?

- Bom, vamos deixar de conversa, que estou morto de cansaço! – disse Yuri, se espreguiçando – Eu vou dar uma deitada. Depois eu tomo banho! Se não tomar hoje, tomo amanhã!

Yuri adentrou no quarto. Clarinha, ao perceber a frase de seu namorado, caminhou logo atrás dele, dizendo, irritada:

- Ah, não, não vou dormir do lado de um homem que não tomou banho e com roupas encharcadas. Nem vem, Yuri, ou você toma banho ou eu vou dormir com a Aninha!

- E por que com a Aninha?

- Você não quer que ela durma comigo, né, Yuri? – perguntou Will, parado na porta do quarto

- É, faz sentido. – disse o rapaz, pensativo

- Se quiser, eu faço seu papel na cama por hoje... – brincou o rapaz. Ana ficou enrubescida, Yuri quase pulou do chão tamanho o susto. Clarinha segurou para não rir.

- Nem sonhando! – gritou Yuri, irritado

Will caiu na gargalhada.

- Pode ficar tranquilo, Yuri. Foi só uma brincadeira! – o rapaz adentrou no quarto. – Eu vou tomar um banho!

Will caminhou em direção suas coisas, dentro de suas mochilas, espalhadas pelo quarto, a fim de achar roupas limpas e uma toalha de banho. Saiu do local em seguida.

- E eu vou dormir! – disse Yuri, caindo na cama

- Tsc, tsc... – disse Clarinha. – Está molhando a cama, sabia?

Yuri meneou positivamente a cabeça, com os olhos fechados.

Clarinha meneou negativamente a cabeça, em sinal de desaprovação e caminhou em direção a Ana – Vamos, Aninha, vamos procurar alguma coisa na cozinha que possamos utilizar para fazermos comida!

- Ei, eu vou ficar sozinho aqui? – perguntou Yuri, se levantando da cama de sobressalto

- Sim. – respondeu Clarinha

- Ah, então, vou tomar um banho também. – o rapaz se levanta da cama

- Tem medo de ficar sozinho, Yuri? – perguntou Clarinha, de forma sacana

- Neste prédio, eu tenho. Parece meio mal assombrado!

Clarinha gargalha.

- Vamos logo, Aninha.

As garotas saíram do quarto. Yuri saiu em seguida, carregando sua lanterna, uma muda de roupas e uma toalha limpa.

Will estava tomando banho normalmente, em um dos últimos chuveiros do corredor. Suas mudas de roupa, tanto as limpas quanto as molhadas, e sua toalha estavam dependuradas na porta do box, e o rapaz se encontrava de costas para o mesmo. Saía uma quantidade de água razoável do chuveiro, e Will se ensaboava com seu próprio sabonete, que trouxe consigo.

O lugar estava em completo silêncio, somente o barulho de água, vindos do chuveiro e da chuva caindo do lado de fora, podia ser ouvido naquele local. Qualquer conversa ou outros sons oriundos do corredor do banheiro, mesmo na porta, seriam apaziguados pelo forte barulho de água.

- É tão bom tirar suas roupas molhadas e tomar um bom banho! – disse, para si mesmo

Will estava concentrado em seu banho. Ouviu o barulho da porta do local se abrir. Imaginando ser alguém da sua turma, não parou para olhar.

- É você, Yuri?

Não obteve resposta, entretanto, Will continuou concentrado no banho. Dava-se para escutar barulhos de passos, tão baixos que soavam como sussurros.

- Quem está aí? – indagou novamente. E novamente, não obteve êxito.

Will não conseguia escutar os sinistros barulhos de passo, por causa da água do chuveiro. Continuou a tomar seu banho, sem se dar conta do que estava acontecendo.

- Yuri, é você, não é? Deixa de gracinhas! – perguntou. Parecia indiferente com a situação.

Will não percebeu quando os passos estavam de frente para os boxes adjacentes ao seu, nem quando se encontrava de frente ao seu. Continuou a tomar seu banho.

- Oi. Quem está aí? – indagou pela segunda vez. Não obteve resposta.

Como estava de costas para suas roupas, não as percebeu descendo vagarosamente em direção ao chão, caindo de forma vagarosamente. Na verdade, estavam sendo puxadas.

Will parou de tomar seu banho ao perceber que suas coisas estavam caindo lentamente em direção ao chão. Apoiou-se com todo seu peso na porta do box e gritou, olhando para o lado de fora:

- Yuri!

Yuri assustou-se. Estava abaixado, do lado da porta do box, com as mudas de roupa e a toalha de Will nas mãos.

- Que merda. Você percebeu!

- Você não acha que eu não tinha percebido, né, Yuri? – perguntou Will, com olhar de vitorioso

- Sem graça! – disse Yuri, enquanto se levantava

Will estendeu os braços e seu amigo lhe devolveu seus pertences.

Yuri caminhou em direção ao box adjacente ao de seu amigo.

- Resolveu tomar banho agora também, Yuri? – perguntou Will

- As meninas me deixaram sozinho no quarto, aí preferi tomar um banho de uma vez. – explicou – E é bom também que eu tiro essa roupa encharcada!

- Verdade!

Will e Yuri estavam caminhando pelo corredor do segundo andar em direção ao quarto. Estavam com as suas respectivas toalhas nos seus ombros e suas roupas sujas nas mãos.

Ao entrarem no quarto, Aninha e Clara saem, portando consigo roupas limpas e toalhas.

- Tem comida para vocês. Comam antes dos ratos! – disse Clarinha, em tom de deboche

- Que bom que elas fizeram comida... Estou morrendo de fome! – disse Yuri, adentrando no quarto. Will parou do lado de fora, fitando o corre-dor.

Sobre a cama de Aninha, jaziam dois pratos tampados com comida. Junto à comida, talheres.

- Arroz, feijão e um pouco de carne. – disse Yuri, vendo a comida. Estava sentado na sua cama – Realmente, a Aninha é uma garota precavida. Até comida ela trouxe...

Yuri não obteve nenhuma reação por parte de William. Olhou para ele, chamando-o, e Will continuava a fitar o corredor.

- Will! – chamou Yuri, aumentando o tom de voz

Will acordou de seus devaneios.

- Fala, Yuri... – disse. Parecia zonzo de sono. Adentrou no quarto.

- Estava fitando a Aninha, né, safado? – perguntou, enquanto pegava seu prato para comer

- Claro que não! – respondeu, irritado. Evitou olhar diretamente para seu amigo, aproveitando a deixa para sentar-se na cama de Aninha. Em seguida, começou a comer.

- Deixa de mentira, Will! – disse Yuri, mexendo na sua bolsa – Eu sei que você estava de olho na Aninha.

Will ficou constrangido com a situação, e nada respondeu. Yuri retirou sua máquina fotográfica da mochila e começou a mexer no aparelho com uma só mão, enquanto segurava seu prato com a outra.

- Não vai tirar fotos da gente comendo, não, né, Yuri?

- Não vou tirar fotos, pode ficar tranquilo! Lembrei de que não vi as fotos que tiramos antes de entrarmos!

- Isso já é vício, cara. Cuidado!

- Não muda de assunto, Will. – disse Yuri, focado na máquina fotográfica – Você estava de olho na Aninha, que eu sei!

- Não estava, Yuri! Não inventa! – disse Will, irritado

- Ela está bem gostosinha, né? – perguntou, olhando para seu amigo

- Você tem namorada, sabia?

- Eu sei. Mas isso não me impede de falar bem das outras, principalmente se for amiga da Clarinha!

- Nem sei por que te levo a sério, Yuri... Na moral! – disse Will, constrangido com a situação e mudando o foco do olhar

- Tá bom. Vou fingir que acredito... – disse o amigo, virando o olhar para a máquina fotográfica. Estava rindo. Contudo, ao fitar a tela do aparelho que portava, arregala os olhos de surpresa.

- Ei... – exclamou

- O que foi, Yuri? – perguntou Will. Ficou preocupado com a reação do amigo

Yuri apontou várias vezes o mesmo botão da máquina fotográfica, o botão para mudar a visualização de determinada foto para outra.

- Olha isso aqui! – disse. Will deixou o prato na cama de Aninha e caminhou em direção à cama do amigo, sentando-se do seu lado

- O que aconteceu?

- Vem cá! Olha as fotos!

Will fitou a tela da máquina fotográfica.

- Olhe! – disse Yuri, apontando para uma das figuras que aparecia na foto

A foto em questão era a tirada por Yuri de Aninha, Clara e William. Nela, logo atrás de William, havia uma cabeça, na diagonal – como se, no momento do flash, estivesse virando a cabeça de frente para de perfil. A parte direita da cabeça estava tampada por Will, mostrando apenas o olho esquerdo furioso e parte da boca.

Ao ver a foto e perceber que a pessoa em questão estava logo atrás dele, Will sentiu um arrepio preencher sua nuca.

- E não é só essa! – disse Yuri

Yuri passou foto por foto tirado na frente do prédio, e Will percebeu que a mesma pessoa se encontrava logo atrás dele em todas elas. Contudo, a mais assustadora das fotos foi a última mostrada por Yuri. No momento do flash, um trovão ribombou no céu, e um relâmpago caiu no fundo da foto. Nos contornos da claridade causada pela queda do relâmpago, via-se claramente uma cabeça, de um ser sem cabelo e sem face humana, com a boca e os olhos abertos ao máximo, e os últimos citados sem íris, apenas um vazio enegrecido. Parecia gritar. Will ergue a sobrancelha, surpreso.

- E não parece ser problema na hora de bater a foto! – disse Yuri – A máquina está em ótima qualidade!

- Muito sinistro! – disse Will

Repentinamente, para sobressalto da dupla, ouve-se barulho de algo de metal caindo. Yuri largou a câmera e o prato sobre a cama e, junto de Will, partiu para fora do quarto, cada um carregando sua respectiva lanterna.

- Meninos, meninos... – gritava Maria Clara, dentro do banheiro

- Estamos aqui! – disse Yuri, correndo a passos largos junto de Will pelo corredor

- O que foi isso?

- Parece ter vindo do andar inferior. Iremos ver agora! – disse Will

- Esperem um minuto. Estamos trocando de roupa. Não nos deixem sozinhas!

- Não demore! – disse

Maria Clara e Ana vestiram suas respectivas roupas rapidamente. Deixaram as mudas de roupas antigas e as toalhas dentro do banheiro, pegaram suas lanternas e saíram do local.

- Vamos! – disse Yuri

O quarteto desceu vagarosamente as escadas do andar inferior. Descê-las com o térreo em total silêncio era um verdadeiro terror. O ranger da madeira podre que dava os contornos à escada, ampliado pelo silêncio do andar inferior, era infernal, e fazia qualquer humano ter um frio sobrenatural na espinha.

- Será que foi um rato? – perguntou Will

- Só se for uma ninhada inteira! – respondeu Maria Clara

- O barulho pode ter sido intensificado pelo vazio do primeiro andar!

- O problema, Will, não foi a altura do som, mas sim a quantidade de coisas que caíram!

Will ficou em silêncio; Maria Clara venceu a discussão.

Chegaram ao primeiro andar.

- Veio da cozinha! – disse Clarinha – O barulho foi de panela!

- Pra quem nos gritou perguntando o que aconteceu, até que você está sabendo, Clarinha! – disse Yuri

- O som eu sabia o que era, eu havia perguntado o que o ocasionou!

Yuri ficou em silêncio; a explicação de sua namorada havia feito total sentido.

Will caminhou em direção à porta da cozinha e abriu uma nesga, o suficiente para projetar seu corpo e espreitar o local, com a ajuda de sua lanterna.

- Parece que os ratos fizeram a festa aqui! – disse, ainda fitando o local

- Por quê?

Will abriu a porta de correr inteira. Yuri, Ana e Maria Clara arregalaram os olhos quando fitaram a cozinha. Havia panelas jogadas por todo o chão, de forma desorganizada, como se tivessem caído da pia e mesa, onde no sopé se encontravam.

O quarteto adentrou no local.

- Eu deixei tudo organizado. O que aconteceu aqui? – perguntou Maria Clara, fitando o chão

- Será ratos? – perguntou Yuri

- Não! – respondeu Ana, fitando a pia – Não parece que ratos andaram por aqui!

- Será que há mais pessoas por aqui além da gente?

- Espero que não sejam hostis!

- Ei, gente... – Will era o único do grupo que fitava o exterior do hotel, na sua parte traseira. Visualizava o local pela janela da cozinha, que ficava sobre a pia. O local estava pouco iluminado, por conta da forte chuva e da fraca iluminação noturna.

- O que foi, Will? – perguntou Clarinha, enquanto ela, Ana e Yuri caminhavam em direção ao amigo

- Vocês sabiam que tinha um cemitério atrás deste prédio? – perguntou Will, virando o olhar para seus amigos

Aninha, Clara e Yuri arregalam os olhos, tamanha sua surpresa.

- Como...?! – perguntou Clara

- Olhem! – disse William, saindo de frente da janela. O grupo fitou o local. No terreno dos fundos do prédio havia um cemitério, com um número considerável de lápides. Em volta, várias árvores, que balançavam furiosamente em virtude do forte vento. Contudo, o quarteto, da janela da cozinha, conseguia ver apenas as primeiras lápides, e apenas escutavam o farfalhar dos galhos de grande parte das árvores.

- Meu Deus... – disse Aninha, surpresa

- Por que um cemitério nos fundos deste prédio? – se perguntou Clarinha

William deu de ombros.

- Boa pergun... – o rapaz foi interrompido pelo ribombo de um trovão. Este foi tão intenso que deu um clarão forte o suficiente para iluminar o cemitério inteiro. Nesse exato momento, Will percebeu que havia alguém parado entre as lápides.

- Ei... – gritou, com o olhar fixado no cemitério. Yuri, Ana e Clara viraram o olhar para seu amigo.

- O que aconteceu, Will? – perguntou Yuri

- Vocês viram?

- Oi? – os três não conseguiram entender a pergunta feita por William

- Vocês viram, não viram? – perguntou Will. Parecia desesperado. – Tinha alguém parado entre as lápides.

Yuri, Aninha e Clara viraram o olhar para a janela. Não enxergaram nada.

William começou a andar de forma desorientada pela cozinha, à procura de alguma coisa.

- Não há ninguém lá, Will! – disse Yuri, andando atrás de seu amigo

- Há, Yuri... – respondeu, sem parar de andar – Só que ela está submersa na escuridão!

- O que está pensando em fazer, Will? – perguntou Clarinha

O rapaz não respondeu sua amiga. Lembrou-se de algo e, em seguida, caminhou em direção à janela. Chegando lá, pediu licença a Clara e Ana, e ambas concederam ao pedido. Yuri perguntou:

- O que vai fazer?

- Ir atrás dessa pessoa! Não vou deixá-la sozinha! – Will começa a pular a janela

- Eu vou junto!

- Fique aí, com as garotas! – Will estava na janela quando deu a ordem

- L...Leve pelo menos isso, para não se molhar! – disse Ana, estendendo um plástico

Will pegou o plástico, arrumou no pescoço e, assim, cobriu sua roupa, como uma capa de chuva.

- Obrigado, Aninha! – disse, antes de saltar ao lado de fora do prédio

A parte traseira do prédio tinha os mesmos detalhes de sua parte frontal, a única diferença era a ausência de portas. Árvores cresciam em volta do cemitério, que existia tão logo o prédio acabava.

A chuva caía violentamente sobre o cemitério; o vento devastava as árvores, lançando sobre o chão uma chuva de pétalas e pequenos galhos. O plástico que Ana dera a Will, por ser impermeável, ajudou-o a não molhar a roupa limpa, contudo, tão logo ficou em contato com a chuva, o plástico encharcou-se, passando o frio e a umidade para a roupa do rapaz, esfriando seu corpo. Junto disso, seu rosto e cabelo ficaram encharcados no primeiro segundo sob a chuva.

Will não usava sua lanterna, para não comprometê-la ao ficar exposta debaixo de uma chuva como aquela. Caminhava a passos largos em volta de um par de sepulturas. Aquele assobio constante das arvores, quando se está cercado de sepulturas macabras, tornava o lugar mais sinistro do que o normal.

- Ei – gritava Will, constantemente, enquanto girava em torno de si mesmo à procura da pessoa que vira

Do lado de dentro, Ana, Clara e Yuri estavam fitando a escuridão, com o coração apertado, à espera do retorno de Will. O trio escutava apenas a voz do amigo, quando não era engolida pelo barulho forte dos trovões.

William estava parado onde supostamente viu a pessoa. Girava em torno de si à procura de alguém. Sentia uma aura estranha – que agrilhoa a pessoa, que prende sua respiração com tamanha força, que parece que irá morrer asfixiado; sabia que algo de ruim estava por perto, entretanto, dali não conseguia sair. Precisava encontrar aquela pessoa a todo custo.

- Ande logo, Will! – ouviu Yuri gritar por ele. Os raios estavam aumentando, e um poderia cair em qualquer daquelas árvores a qualquer instante.

Decidiu voltar. Deu as costas para o lugar e partiu. Sentiu claramente uma aura estranha nas suas costas, um eriçar dos pelos da nuca, um frio na espinha... Acelerou os passos, a fim de sair daquela situação o mais rápido possível.

Chegou, a poucos passos, em frente à janela de onde saíra. Rapidamente saltou para dentro, com a ajuda de seus amigos.

- E aí?Achou? – perguntou Yuri

Will meneou negativamente a cabeça. Parecia chateado. Retirava do corpo a encharcada capa de chuva.

- Eu já imaginava! – disse. - Vamos, seque-se, antes que pegue uma pneumonia!

William estava sentado na sua cama, secando sua cabeça com uma toalha. Yuri estava sentado na cama de sua namorada, com a máquina fotográfica em mãos.

- Por que fez isso, Will? – perguntou Yuri

- Tinha alguém ali, Yuri... Eu juro, por tudo que é mais sagrado! – o rapaz parecia consternado com a situação.

- Não se preocupe, Will! Eu acredito em você!

- Olha o que eu e a Aninha fizemos pra nós todos! – disse Clarinha, entrando no quarto junto de Aninha. Cada uma das garotas carregava consigo um par de xícaras. – Chocolate quente! – deu uma pausa – Agradeçam a Aninha, que trouxe chocolate! Ela é uma menina prendada!

Aninha ficou enrubescida com a fala de sua amiga e sorriu sem graça.

Yuri pegou uma xícara com sua namorada, e Will pegou com Aninha. Cada uma das garotas sentou-se lado a lado com um dos garotos. Com ar sério, Clarinha perguntou a seu amigo:

- Então, Will, o que viu no cemitério?

- Nada – respondeu, apenas. Ficou cabisbaixo.

- Tem certeza de que viu al...?

- Já falei que sim! – gritou Will. Levantou-se do local, reclamando do grupo – Que saco!

William saiu do local e bateu a porta.

- O que aconteceu? Será que falei algo de errado? – perguntou Clarinha, olhando para seu namorado e sua amiga

- Deixe-o! – respondeu Yuri. Ele estava fitando a porta, preocupado – Apenas deixe-o!

O grupo dormiu logo em seguida. Will ficou sentado, no último degrau da escada, sozinho, com a lanterna virada para o andar inferior, por muito tempo. Depois que todos foram dormir, sentiu-se cansado e resolveu dormir.

William acordou no meio da madrugada, sobressaltado. Ficou sentado na cama, esfregando os olhos, até sua consciência voltar à sua mente. Quando ficou completamente acordado, não se lembrava do pesadelo que o fizera acordar assustado. Levantou-se. Apesar da escuridão absoluta reinante naquele recinto, conseguia enxergar perfeitamente. Caminhou em direção ao corredor. Percebeu uma luz e vozes vindas do andar inferior. Continuou a caminhar, em direção à escada. Estava andando lentamente, pois estava temeroso com a situação. Quando dormiu, não havia ninguém no recinto além de seus amigos. As vozes não pareciam ser a de seus amigos, e o seu número não batia.

Chegou ao alto da escada e, agachado e escondido, espreitou o andar inferior. O local estava pouco iluminado, com velas bem localizadas, no centro do local, no contorno de um estranho símbolo. Este era uma esfera, com um dragão em seu interior.

Ao redor do símbolo central, diversas pessoas, todos homens, vestidos com um sobretudo preto e portando o símbolo central em suas costas, conversavam no andar inferior. Por incrível que parecesse, o local não era mais um corredor, e sim um enorme saguão. No canto oposto da escada, havia um tablado sob uma imponente cadeira.

- O que está acontecendo aqui? – se perguntou Will. Tentou falar no tom mais baixo possível, para não ser descoberto

Repentinamente, um sino ressoa no ar. William sobressaltou, imaginou que fosse por sua causa.

- Senhores cavaleiros, O Magnífico Offen-Kaiser Dmitri Mendelaev está presente. Recebam-no! – disse alguém entre os presentes. Todos pararam de fazer o que estavam fazendo e viraram sua atenção em direção oposta a da escada

- O que será que está acontecendo? – se perguntou William. Estava entendendo bulhufas

Um senhor, de seus setenta e poucos anos, cabelos laterais e grisalhos, barba e bigode brancos, portando diversos anéis, um colar, um sobretudo preto com fitas das cores dourada e vermelha, uma roupa igualmente preta por debaixo, com o símbolo central no peito, e uma calça de igual cor, adentrou no local. Caminhou sob as vistas de todos em direção à cadeira central e lá se sentou.

- Senhores teilnehmer , estamos aqui hoje para uma nova reunião dos Blutrot ... – proferia o senhor

- Do que eles estão falando? – perguntou Will

Repentinamente, para surpresa geral, ouve-se o barulho de um tiro. Provinha de algum lugar abaixo do segundo andar, onde William não conseguia ver. Todos sobressaltaram, incluindo o rapaz intruso.

Logo depois do tiro, ouve-se um gemido intenso, como se a pessoa estivesse sofrendo de dor. Junto ao gemido, uma voz, em tom claramente insano, gritava:

- Morre, morre, desgraçado. – o dono da voz bestial parecia rir da situação

- O que está acontecendo? – perguntou o senhor idoso, enquanto se levantava da cadeira. Ouve-se um segundo ribombar de tiro, e o senhor cai sentado na cadeira com tal intensidade que a mesma vira para trás.

Todos os demais participantes daquela festa ficaram desesperados com a situação. Ouve-se um corre-corre generalizado. Pessoas tentando parar o atirador, pessoas tentando auxiliar o senhor caído, pessoas tentando fugir... o corre-corre gera um movimento de ar que acaba por apagar as velas centrais, deixando o local mergulhado na escuridão. Tiros ribombam no ar, pessoas gritam desesperadas, uma voz insana grita para todos morrerem. William assistia estupefato à situação.

Repentinamente, tudo se silenciou. Will se escondeu com mais intensidade, espreitando com apenas um dos olhos. A luz do local se acendeu novamente. O coração do pobre rapaz acelerou com tal intensidade, que parecia sair do peito. Percebeu haver apenas um homem de pé, portando um revólver na mão direita e um punhal sujo de sangue na esquerda. Estava parado, no sopé da escada, cabisbaixo. Atrás dele, William percebeu jazer os corpos dos demais presentes, todos banhados em grande quantidade de sangue.

O rapaz arregala os olhos ao perceber a situação que o saguão daquele prédio se encontrava.

- Eu sei que você está escondido, William Kaihi! Apareça! – disse o insano

Will levanta assustado, em sua cama. Estava mergulhado na escuridão da noite. Sentou-se, levou a mão ao peito para tentar acalmar seu coração afoito e se perguntou, em pensamento:

- Foi tudo... um sonho?

[Fim da 1ª parte]