Cybele IV

Acordando atordoada de um sonho,se levantou, o sol entrava pela janela, sentia os olhos queimarem, fechou depressa as cortinas, se olhou no espelho, mal se reconheceu, aquela palidez já estava ficando assustadora. Quando reparou que seus olhos começavam a tomar uma aparência esverdeada ficou estática, seus olhos sempre tinham sido muito escuros! Aquilo era insano! Achou que seria melhor ir ao oftalmologista outra vez.

Chegando ao consultório, foi recebida diferente, ao contrario do tratamento cordial porem frio de sempre, teve um caloroso olhar, o pobre homem parecia sob algum encanto de tão estranho que estava.

-Seu caso é raro, parece que as estruturas dos seus olhos estão sofrendo modificações, acho que devia te encaminhar para um laboratório, talvez seja alguma mutação que possa ser catalogada, estudada. Afinal, estão inclusive mudando de cor...

-Não tenho tempo pra isso, estou prestes a conseguir um emprego, preciso de uma solução, pois estes óculos não estão sendo suficientes.

Seus novos óculos eram muito melhores, impediam totalmente os raios solares de entrarem em contato com seus olhos. Enquanto dirigia rumo à cidade pensava, tinha muitas coisas para pegar, documentos, aquele emprego era tudo o que ela precisava, pois, dava oportunidades de crescimento assim que concluísse o curso de Psicologia, e teria grana suficiente pra se bancar e sair da casa dos pais, afinal, sua faculdade era pública. Ficaria morando com uma amiga ate conseguir comprar se próprio apartamento, de sorte que já tinha o carro, presente de seu padrinho que morava no exterior. O que a preocupava era ter que disfarçar sua aparência para a sua mãe, não tinha blush que disfarçasse não ter sangue circulando nas veias, não tinha esmalte preto que durasse tanto quanto o tom de suas unhas, não tinha explicação que justificasse o perfume que recendia dela durante a noite!

Por um lado era bom não se preocupar com pêlos, nem em escovar dentes, não precisar de condução para voltar à noite, pois podia planar acima os prédios mais altos com suas asas acinzentadas. Mesmo que a técnica de vôo que empregava ainda fosse bastante rudimentar já era suficiente. Indescritível sensação aquela.

Naquela noite de sexta-feira, quando voltava de uma balada gótica, pouco depois de beber o sangue, inocentemente doado, de um masoquista, que poupou a própria morte sem saber, ela voava próximo à igreja central. Direcionava-se a uma das torres, pretendia pousar lá e observar a madrugada que estava preste a terminar, foi então surpreendida por algo que ali repousava:

-Saia daqui amaldiçoada!

A voz parecia o som de um trovão, os olhos azuis a fuzilavam, as asas, mais alvas que a neve, parecia ter luz própria.

Tentou se aproximar mais daquele ser, mas era como se alguma força a afastasse dele.

-O que é você?

-O que pensas que sou? Um anjo!

-Nunca acreditei em anjos.

-Não é sua crença que faz com que as coisas existam ou deixem de existir!

-Anjo estúpido!

-Cale-se maldita, esta cheia de trevas, de lama, e vem se referir a mim desta forma? Deveria ter medo, pois posso te destruir!

-Então faça isso, não gosto mesmo de ser um monstro!-sentiu os olhos ficarem úmidos.

O anjo olhou para ela, ainda com a cara séria.

-Tolice... Não entende não é? Você é apenas um castigo, está pagando algo, independente de ter ou não culpa nisto, e ainda pede para que eu acabe com você? Ah! Se pagar mais ninguém há de pagar, mas se fugir, outro de sua descendência pagara, é o que quer?

-Sou egoísta, não importa quem pague, só não quero precisar matar pessoas para me alimentar, quero apenas ser normal...

Os olhos do anjo mudaram de expressão, quase pôde ver algum tipo de misericórdia em relação a ela, mas logo assumiu a posição inicial.

-Você não tem escolha...

-E se eu parar de beber sangue, morrerei?

-Pra que perguntas se já tentou? Esté nesta condição tem quase um ano, e sabe que quando a sede é muita a única coisa que acontece é que você fica cega por este instinto e ataca qualquer um que surja, abrindo mão apenas da escolha da vitima.

-MALDIÇÃO!!! Se eu pudesse voltaria no tempo e mataria o responsável por eu estar como estou!

-Mesmo aquilo que parece mal aos olhos humanos tem um propósito, nada debaixo do céu acontece por acaso...

A voz foi ficando cada vez mais longe, e a imagem sumindo como se virasse fumaça, estava novamente sozinha, pôde então pousar na torre e observar a madrugada dar lugar aos primeiros raios de sol, deu seu ultimo vôo antes que suas asas atrofiassem, pretendia descansar por pelo menos uma hora, o que já era suficiente antes de enfrentar o dia seguinte.

T Sophie
Enviado por T Sophie em 27/04/2007
Reeditado em 28/12/2007
Código do texto: T466046
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