Matinta- Perê. DTRL

-Arthur? Vamos lá? Você tem 15 minutos para sua apresentação. Respeite o tempo que seus colegas também precisam apresentar. Vamos lá?

-Obrigado professora, Deise. Boa tarde sala. Irei apresentar a história do Saci Pererê.

´´O Saci Pererê é um negrinho, tem um gorro vermelho, usa um cachimbo e tem uma perna só. Ele é muito traquina, gosta muito de dar nós nos rabos dos cavalos...´´

Um flash. 6 anos atrás. Deise deixou de escutar o aluno e transportou-se para uma história peculiar...

***

-Vamos Deise, já conseguiu preparar as coisas?

-Já Pedro, calma. Já estou saindo. Mãe, a senhora viu minha barraca?

-Que saco viu! Bora, bora, bora!

No Fiat Doblò de Pedro, foram acomodadas, jogadas na verdade, as tralhas sentido ao acampamento. Raquel ficara responsável pelo lugar, encontrou uma mata perto da Cantareira, era uma trilha conhecida, mas não ficariam onde todos conheciam. Pedro com certeza iria procurar o lugar mais radical e diferente para acamparem. Seguiram na estrada, Pedro, Raquel, César e Deise, todos amigos de infância.

***

-Pedro, caralho - Gritou Deise, com um olhar de arrependida de ter ido - dissemos pra você não trazer porra de maconha. Tá ficando louco? E se fôssemos parados na estrada, hein?

-Relaxa Deise- murmurou Raquel dando uma tragada- vem dá um tapinha, você vai gostar!

-Vão pro inferno! Eu disse nada de drogas! Estou indo pegar madeira, alguém vai montando essas merdas de barracas, pois não vou dormir num cigarro de baseado. Que saco, cambada de idiotas!

Raquel foi atrás de Deise.

***

-Porra, Deise – Disse Pedro mexendo na fogueira com um graveto - vai ficar com essa cara a noite inteira? Já não pedimos desculpas? Ninguém aqui está fumando mais merda nenhuma. Dá pra você ao menos se interagir?

Era verdade, Deise acabou refletindo que estava parecendo uma velha careta. Não queria ser lembrada como a estraga rolês.

-Alguém ai, alguma história de terror? – Raquel quebrou o gelo, enquanto Deise acabou pegando com Pedro um cigarro de maconha.

-Olha aí, a nossa garotinha se soltando aos poucos – murmurou Pedro –pessoal, achei uma cabana sinistra quando estava conhecendo o local, que tal uma visita amanhã cedo? – completou.

Em uníssono, Raquel e Deise, se recusaram a aceitar a aventura. Coube espaço para a tiração de sarros de Pedro e César. A parte mais fraca do ser humano é ser orgulhoso, e os desafios são a parte boa da vida.

***

A floresta neste lado era mais lamacenta, quase um pântano. Foi quase que previsível as reclamações sobre roupas, sapatos, a pele, entre Deise e Raquel. Sem comentar nos mosquitos, imunes aos repelentes. Depois de 15 minutos andando, chegaram na cabana.

Era impossível descrever a idade aproximada da cabana, tinhas uns 10 metros de altura, totalmente recoberta de madeiras ondulantes, havia 3 escadinhas que separavam a entrada da sacada. Pedro e César foram os primeiros a entrar, com medo de ficarem do lado de fora, as meninas entraram a seguir. Dentro da cabana era mais sombrio. Uma lareira velha, a casa totalmente ausente de móveis, se não fosse uma mesa sem cadeiras com um cachimbo enorme em cima e uma cama de sapê. A casa fedia a fumo.

-Pronto né, meninos? Não vi nada de sensacional nessa cabana. Disse Deise.

-Não! Calma. Não acham estranho essa cabana feder a fumo sendo abandonada? Disse Pedro observando cuidadosamente e alisando cada parte das madeiras.

César estava nos fundos, quando volta abruptamente gritando:

-Gente, vem vindo alguém!

César aproveitou que já vinha correndo e continuou no mesmo ritmo saindo pela porta da frente. Pedro pegou Raquel e Deise pelas mãos e começaram a correr. Ficaram esperando em um tronco caído. Algo não costumeiramente humano se aproximava da cabana.

Os quatros quase não utilizavam oxigênio, fazendo ser compassadas as respirações. Algo muito grande se aproximava. O chão tremia. Alguém pulava, mas prosseguia. Alguém vinha andando pulando. Algo pesado e forte.

Ao aparecer dentre as folhas e árvores, aquela figura, fez Deise, depois de 20 anos, mijar novamente nas calças. A sua primeira vez foi quando sentiu medo de um filme de terror quando tinha 10 anos, ficou com tanto medo de ir ao banheiro, que a roupa foi a melhor coisa que já fez na vida. Raquel, de olhos fechados, rezou em um único instante o equivalente aos seus 26 anos. César estava com os olhos vidrados, o corpo estava ali, mas a alma seria difícil dizer. Pedro ansiava a todo instante sentir a fumaça de um cigarro adentrar seus pulmões e o sangue carregado de nicotina, dar a tranquilidade que seria impossível conseguir com outros meios naquele momento. Todos estavam de mãos dadas, porém, o instinto de sobrevivência faria cada um levar, pois não havia outro jeito, suas únicas duas mãos, numa brecha de fuga.

A figura que se mostrara era medonha, era um ser de uns 4 metros, totalmente negro, os olhos eram totalmente vermelhos, a boca guardava, ao menos, 60 pares de dentes assustadores, usava uma tanga de cor marrom, que há pelo menos uns cem anos, nunca fora lavada, possuía uma única perna totalmente musculosa com a habilidade de andar pulando. Um cheiro forte de fumo exalava no ar. O ser adentrou a casa.

***

-Não!! Já disse não!!! Você tem merda nessa sua cabeça? Disse Deise para Pedro enquanto tentava acalmar Raquel e fazer suas malas.

-Cara, dessa vez vamos gravar. Já pensou quanto dinheiro iremos receber por essa descoberta? César, você tá comigo? Disse Pedro.

-Pow, Pedro. Você é meu camarada, sabe disso. Mas você viu o tamanho daquilo? Respondeu.

Raquel estava inconsolável. Quase em estado de choque. Pedro estava fumando um caprichado cigarro de maconha. Deise tentava arrumar tudo e sair dali o mais rápido possível. César negava ajuda a Pedro, mas aos compartilhamentos nos tapinhas, a coragem ia chegando. Dinheiro. Dinheiro traz felicidade sim, ao menos, manda trazer.

-Eu não acredito que vocês vão fazer isso? -Murmurou Deise, tomando cuidado para não agravar o estado de Raquel – Vocês estão loucos? Completou.

-Vamos! Disse Pedro.

-Eu vou com você, Pedro. César não quero ir embora sozinha ou ficar aqui com Raquel –disse Deise arrumando suas coisas. – Pedro, é só gravar de longe viu? Nada de chegar perto.

-Beleza!

***

O caminho ficara mais curto, em pouco tempo estavam lá, na frente da casa. Pelo silêncio, a criatura estava dormindo. O relógio marcara 15:30. Depois de uma hora esperando pacientemente, Deise deu o braço a torcer e foram tentar gravar pela janela ou algum lugar que desse para vê-lo. O cheiro de fumo estava mais forte do que da outra vez. Como se os passos tivessem vida própria, estavam lá na frente da cama, os únicos movimentos eram os dos neurônios mandando informação para o pulmão respirar mais rápido, os intervalos eram grandes. A criatura estava dormindo. Se não fosse a visão que tiveram mais cedo, talvez perguntariam se era inofensiva. O bip da inicialização da gravação do celular de Pedro, soou tão alto quanto uma bomba atômica. O olhar de Deise fuzilou essa vacilada de Pedro. Um minuto e trinta segundos de gravação. Era o bastante para Deise, mas não para Pedro. Dois minutos. Eram o suficiente. Mais um bip, o da finalização da gravação. Dessa vez não foi o olhar de Deise que fuzilou Pedro. Os dois, num súbito momento estavam ao alto, erguidos pelas mãos daquela coisa. Foi a terceira vez na vida de Deise que fizera xixi nas calças. Depois de um intervalo de 20 anos da primeira, as duas seguidas foram no mesmo dia.

- Matinta-Perê – Com um enjoado hálito de cigarro essas foram as únicas palavras que saíam da boca da fera.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

O celular de Pedro foi engolido. Os olhos da fera não demonstravam emoção, não dava pra discernir o que se passava naquele olhar. Tudo que sabiam era que eram intrusos, e não pensavam mais em nada além de fugir. Ambos foram jogados no chão.

Pedro conseguiu um espaço e conseguiu fugir. Deise estava ali. Tentando imaginar o que faria com aquele ser. Estava ficando nauseada pelo cheiro do fumo.

O ser pegou a mão de Deise e colocou o relógio de pulso dela em seu ouvido. Ficou fascinado.

-Matinta-Perê. Disse se ausentando da sala.

Deise tinha um espaço para fugir, não conseguiu. Por um momento sabia que o ser queria algo dela.

-Matinta-Perê. Voltou trazendo um relógio de corda.

Estendeu o relógio para Deise. O relógio era muito antigo. Deise deu corda, e ele o colocou no ouvido. Ficou fascinado pelo tic tac. Estava em delírio por aquele barulho. Ficou em um momento de transe. O relógio parou. Estendeu mais uma vez o relógio para Deise. Dessa vez, deu um grande pulo para trás ficando atrás dela. Estava fungando em seu cangote. Aprendeu com ela a dar corda.

Com seus dedos enormes, deu corda e o colocou no ouvido. Ele sorria.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

Pegou o cachimbo em cima da mesa e saiu. Deise estava confusa. Beliscava-se a todo momentos rezando para ser um sonho qualquer. Não era.

O ser voltou com o cachimbo acesso. Parecia uma chaminé. O cheiro de fumo já não incomodava mais Deise.

Pedro voltou com uma arma. Ficou na porta apontando a arma para ele. Atirou. Um vento súbito invadiu a cabana. Ele pareceu ter desaparecido, mas voltou sem ferimentos esticando os braços de Pedro quase arrancando-os.

-Me solta, seu filho da puta! Gritava Pedro sentido uma insuportável dor.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

O ser apenas gritava furioso. Deise ofereceu o relógio de pulso para ele. O ser soltou Pedro e pegou o relógio de pulso colocando-o no ouvido. Deise pegou Pedro e saíram. Ao saírem de casa, sentido ao acampamento, sentiram o chão atrás tremer. Ele estava vindo atrás deles. Deise estranhou o caminho, não era o mesmo. O barulho ficava cada vez mais rápido. Estava se aproximando. Já era noite. Com um pulo, o ser ficou de costas pra eles.

-Matinta-Perê. Brandiu mais alto que o comum. Estava falando com alguém que não era eles. Deise conseguiu enxergar alguém em meio as folhas, era uma outra (coisa), um outro ser. Tinha quase a mesma estatura. Gritou mais alto.

-Matinta-Perê.

-Matinta-Perê.

Chegaram em um acordo, foi o que deu pra entender. Deise não poderia dizer que tenha feito o terceiro xixi nas calças no mesmo dia, ou se era o xixi de tarde ainda que não secara. O segundo ser se afastou, mas de um modo muito estranho. Ele estava de frente, mas os pés estavam virados pra trás. Estava muito escuro, mas mostrava um cabelo avermelhado, e tinha um animal ao seu lado, um javali, talvez. Ele se ausentou, com os pés ao contrário, Deise insistiu em estar sonhando, como algo andar pra frente mas vai pra trás?

-Matinta-Perê. Disse ele virando-se para Deise e Pedro. O ser fez questão de mostrar a arma para e triturá-la com as próprias mãos como se fosse um brinquedo qualquer.

-Matinta-Perê. Brandiu como pareceu ser um sinal de alerta, o resto da arma se desfez em pó bem nos olhos deles.

O ser ofereceu o relógio de pulso de volta para Deise. Ficando com o seu de corda. Ela pegou e o guardou dentro da blusa. Enfim, ele se foi. Mais alguns pulos até desaparecer totalmente. E a terra parou de tremer. Mas estavam perdidos, o breu noturno, o lugar que não era o mesmo, como achariam o acampamento? Uma borboleta pousou no nariz de Deise. Uma linda borboleta vermelha. Ela voou. Mas ficou imóvel, pairando no ar. Ao primeiro passo de Deise, a borboleta seguiu voo, ela estava guiando-os. Isso foi demais para um único dia, pensava Deise.

***

-´´... então, o saci é uma boa pessoa, e juntos com seus amigos, protegem a floresta.´´

-Vamos lá, Clara. Você é a próxima. Classe, lembrem-se que todas as lendas nascem de algo real.

Dentre vários nomes disponíveis: Matinta-Perê é um dos nomes do nosso conhecido Saci Pererê.

Gostaria de aproveitar esse final de leitura, para fazer um apelo para nossa cultura, nosso folclore. É algo tão rico, e as vezes, não damos a importância como damos ao dias das bruxas. Obrigado, Sidney, por aceitar esse mero tema!

Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 03/02/2014
Reeditado em 26/02/2014
Código do texto: T4675791
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