Vaqueiros.

Já é o terceiro dia que estou perdido no deserto. Meu cavalo está perto de cair de exaustão e sede, assim como eu.

Maldita hora em que aceitei deixar a casa de minha família, para me aventurar com Joe e One Eye Paul.

Maldita hora em que aceitei participar do roubo de uma diligencia.

Como poderíamos saber que um grupo de rangers estaria tão perto? Mal paramos a diligencia e eles caíram sobre nós. Quando vi Paul cair da sela após ter sua cabeça estourada, eu apenas disparei em fuga sem olhar para trás. Sim, fui um covarde, mas diabos, eu estou vivo e não apostaria um centavo que Joe esteja também.

Só não sei por quanto tempo estarei vivo vagando por esse maldito deserto.

A noite começa a cair, desço do cavalo e acendo uma fogueira. Não temo que ainda me persigam, na verdade, até gostaria que estivessem.

Deito por sobre a sela e durante algumas horas, tenho um sono ruim, cheio de pesadelos. Acordo ao ouvir o som de cavalos. Salto em pé com a arma em punho. Uma voz rompe a escuridão tentando me acalmar.

-Calma rapaz. Não queremos problemas. Só vimos a fogueira e gostaríamos de dividir sua luz e calor.

Aceno positivamente com a cabeça e então um grupo de seis homens sai da escuridão. Eles se vestem como vaqueiros, suas roupas estão imundas e gastas, todos parecem muito cansados.

O vaqueiro que falou comigo, se aproxima com a mão estendida para me cumprimentar. Aperto a mão do homem, ela está estranhamente gelada.

-Boa noite peregrino. O que um rapaz tão moço faz sozinho no deserto?

Cheio de receio minto que estava viajando para casa e acabei por me perder no caminho. Um outro vaqueiro, de muita idade pela aparência, se aproxima da fogueira com as mãos espalmadas em direção ao fogo como se tentando as aquecer.

-Má coisa garoto, o deserto é muito ruim. Há coisas aqui bem piores que cascavéis e escorpiões.

Outro vaqueiro, ao que parece o mais jovem do grupo, se aproxima e argumenta em minha defesa.

-Deixe o rapaz McRead, ele é muito menino ainda. Não o perturbe com suas histórias de fantasma. O deixe em paz.

Os outros três, se sentam ao redor do fogo e começam a preparar o que parece ser café e feijão preto. Meus olhos quase saltam ao ver a comida sendo preparada. O vaqueiro que me cumprimentou estende um cantil em minha direção.

-Beba garoto, pelo jeito a sede e a fome estão te maltratando.

Esgoto o líquido em poucos goles.

Um dos vaqueiros que está preparando o rancho ri. Ele é um índio, parece ser um apache.

-Esse aí não se perdeu Temple. O garoto está fugindo, deve ter feito alguma merda.

Sem saber como agir perante a situação instintivamente minha mão procura o revólver.

Outro dos vaqueiros, um negro alto e com uma enorme cicatriz no rosto entra na conversa.

-Deixe o garoto em paz. Não é problema nosso o que ele fez ou deixou de fazer.

O ultimo a falar é um homem alto, com olhos selvagens e cruéis.

-Calem a porra das bocas! George, toque alguma coisa.

Da escuridão, a melodia de um violão surge. Fico surpreso e o índio me explica.

-Esse tocando é o George. Ele não gosta de estranhos. O desgraçado tem uma boa voz e toca muito bem a viola. Mas ele não irá cantar hoje rapaz, está com a garganta doendo.

Todos os vaqueiros começam a rir. Fico sem entender o porquê.

Um prato de feijão quente e um caneco com café preto me são oferecidos. Como com sofreguidão.

O vaqueiro mais idoso se aproxima de mim e pergunta.

-Qual o seu nome garoto?

Respondo sem pensar e digo meu nome. Deveria ter mentido.

-Bill? Muito bem Bill. Eu me chamo Cody McRead, o índio ali é o Chefe Black Cloud, o negro é o Bob Freeman, o moço educado que falou com você primeiro é o Loyd Temple, o mais novo ali é o Phil Noggs, o com cara de poucos amigos é o Cod Boyd e o violeiro se chama George Landy.

Sorrio ante os nomes, pois só pode ser uma piada. Conheço todos esses nomes.

Cody McRead ou Cody “Oldman” McRead: pistoleiro, assassino, ladrão de gado e estuprador.

Chefe Black Cloud: bandoleiro, assassino e conhecido por ter uma coleção de mais de cem escalpos.

Bob Freeman ou Bob “Raper” Freeman: estuprador e assassino confesso de mais de quarenta meninas abaixo dos dez anos de idade.

Loyd Temple ou Loyd “Nice Guy” Temple: ladrão, assassino e jogador inveterado.

Phil Noggs ou Phil “Knife” Noggs: assassino, necrófilo e suposto canibal.

Cod Boyd ou Cod “Mad Dog” Boyd: assassino e ladrão. Matou mais de vinte oficiais da lei e um número incontável de inocentes civis, entre eles, crianças recém-nascidas.

George Landy ou George “Death Song” Landy: assassino, ladrão e contrabandista. Cantava hinos de igreja para as vítimas antes das execuções.

Sorrio e digo ao velho que a piada é ruim. Todos esses homens estão mortos e inclusive presenciei o enforcamento de George Landy quando eu ainda era um menino.

Os vaqueiros começam a rir e a música cessa. Uma voz rouca, arrastada e gorgolejante escapa da escuridão com dificuldade. Ela faz com que eu sinta frio na espinha.

-Sim menino... Todos... Todos mortos... Cada um de nós... E você estava lá quando... Quando a corda me foi colocada no pescoço.

George “Death Song” Landy se mostra a luz da fogueira. Seu pescoço está inchado e em uma posição impossível, uma posição antinatural e profana. Sinto verdadeiro horror.

-Todos mortos menino... E por nossos crimes... Fomos condenados... Punidos... Não conhecemos ou conheceremos... A paz da morte... Somos escravos do próprio Diabo... Seus vaqueiros... Condenados a passar a eternidade... Tangendo sua boiada!...

Temple se aproxima da coisa que está em pé na minha frente e colocando a mão sobre seu ombro pede.

-Calma Landy, deixe que eu termine. É verdade garoto, todos mortos e condenados. Somos os vaqueiros do Diabo e uma noite a cada dez anos, recebemos uma noite de “folga” para vagar pelo deserto. E essa é a noite.

Fico atônito de tanto pavor.

-Veja bem garoto, não temos mais salvação, mas você... Você ainda tem chance. Volte para casa e tenha uma vida tranquila e longa. Não siga por essa seara que você começou a trilhar. A única recompensa ao fim é tanger o gado do Diabo pela eternidade.

A manhã começa a raiar e todos os mortos olham para a aurora na distancia, cheios de tristeza. Temple então me ordena.

-Agora parta garoto! O patrão está vindo e você não quer o conhecer. Suma daqui!

Subo em meu cavalo e o esporeio com todas as forças. Meu medo é tanto que perco os sentidos sobre a sela. Sem saber como, após um tempo que não sei estimar, vejo-me ao lado de meu cavalo morto. Ainda é dia, mas o céu está escuro. Nuvens de tempestade cobrem o deserto. Mesmo exausto continuo a caminhar sem direção. Quilômetros passam por baixo de minha bota e então eu ouço. Ouço o estalar de chicotes, que mais se parecem com o retumbar de trovões. Ouço o som de uma boiada rompendo os campos em disparada. Ouço os gritos dos vaqueiros tangendo o gado.

Procuro a origem dos sons e para meu horror eu a encontro. Entre as nuvens de tempestade, tangendo a boiada do Diabo, os mortos cavalgam. Entre eles posso ver meus amigos, Paul e Joe, condenados pela eternidade a cavalgar pelos céus como cavaleiros fantasmas.

Sim, esse conto é inspirado na música de J. Cash...

TTAlbuquerque
Enviado por TTAlbuquerque em 07/02/2014
Reeditado em 08/02/2014
Código do texto: T4681356
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