Teufelshand.

Sentados ao redor da mesa da taverna, alguns homens bebiam, fumavam e jogavam cartas durante as primeiras horas de uma noite de inverno. Todos eram velhos amigos da época da Grande Guerra e como sempre, entre baforadas e goles, falavam sobre os horrores passados e causos amorosos.

Um deles, um velho senhor que fora cabo no exército do Imperador, deixando suas cartas na mesa em um gesto de desistência, pede.

-Vamos lá Alexander! Conte uma boa história para nós, mas nada de suas usuais mentiras sobre francesas e noites de luxuria.

Alexander, um homem de meia idade, com um olhar distante e triste, deu um ultimo gole em sua cerveja e com um arremedo de sorriso, respondeu de forma jovial.

-Mentiras? Julga-me um mentiroso o homem que supostamente matou com um só disparo três inimigos? E com um arco e flecha? Explique isso Klaus.

Todos na mesa riem, inclusive Klaus, que com uma piscadela jovial, replica.

-Ora Alexander, foi durante a guerra e durante a guerra tudo era possível.

Nova risada domina o ambiente. O velho soldado insiste.

-Vamos lá! Conte uma história! Mas que seja boa ou terá que pagar a conta de todos nós.

Com um meio sorriso, o homem acaba por fazer a vontade do velho cabo e começa sua narrativa.

-Pois bem. Mas caso seja boa, você Klaus é que irá pagar o consumo de todos nós. Essa história não ocorreu comigo, me foi narrada pelo homem que teve a desventura de sofrer as consequências de uma noite de bebedeira.

Após o fim da guerra, quando retornava para minha cidade natal, pernoitei em uma pequena pousada à beira da estrada, onde o conheci. Seu nome era Jorn e ele fora caçador por profissão. Durante o jantar, ele se aproximou, sentou-se a minha frente e começou a narrar suas desventuras.

-Olá meu rapaz. Posso lhe dar um conselho? Não saia da estrada até chegar ao seu destino. Ouviu? O mal se esconde nos bosques ao nosso redor. Entende? E para que não penses que sou um mero ébrio mentiroso te contarei minha história.

Eu já fui jovem como você. E sabes, não? Somos tolos e inconsequentes quando ainda temos o viço da juventude.

Durante uma noite, a mais maldita das noites, a Walpurgis Nacht, quando os mortos caminham sobre o mundo, motivado pela ganancia e os humores do vinho, me embrenhei nos bosques, em busca de um pequeno tesouro que foi oferecido por um nobre da região. Para o homem que trouxesse uma prova do sobrenatural a ele, cem moedas de ouro seriam pagas. As lendas da região sempre falaram sobre um lugar chamado “Teufelshand”, onde feiticeiras se reuniam para o sabá.

Munido de minha carabina e de uma garrafa de Underberg, segui em direção ao maldito lugar.

Durante todo o trajeto, lobos se fizeram ouvir e confesso que por vezes pensei em tomar o caminho de volta. Maldita hora em que não tomei essa atitude.

Após mais de duas horas de caminhada, eu vi por entre os pinheiros, uma tênue luminosidade, como de uma fogueira, e lentamente me aproximei.

Uma estranha melodia estava sendo executada e a cada passo, maior era minha apreensão.

Quando me aproximei o suficiente, pude ver o sinistro ritual. Várias mulheres, de várias idades, estavam completamente nuas, dançando e tocando instrumentos feitos de peles e ossos humanos. Eram flautas de fêmures, tambores de crânios e violinos de úmeros com cordas de cabelo trançado.

Elas dançavam ao redor de uma enorme fogueira onde, para meu horror e asco, dois fetos humanos, estavam sendo assados como coelhos.

Em dado momento, uma jovem, a mulher mais bela que eu já vi em toda a vida, começou um estranho cântico, que parece ter sido queimado a ferro e fogo em minha memória.

Por minutos eu fiquei como se dominado pela voz da jovem e nesse interim, não notei a chegada de um homem que calmamente aproximou-se dela e sentou em uma estranha pedra entalhada.

Ele era alto e vestia-se como um nobre. Suas feições me foram ocultadas pela distancia e as sombras que seu manto projetava em sua face.

As feiticeiras ao vê-lo, gritaram de alegria e se puseram a dançar de forma frenética e selvagem.

Fiquei parado durante um longo tempo, sem saber o que fazer, e para minha desgraça, em dada hora, o homem notou minha presença.

Ele se ergueu e apontou em minha direção. No mesmo instante, o ritual cessou e todas as feiticeiras ficaram paradas boquiabertas.

Tentei fugir, mas meu corpo estava paralisado devido a uma estranha força que até aquele momento não havia me tocado.

Lentamente o homem cruzou o grupo de mulheres e se aproximou de mim. Ao chegar perto, o horror se mostrou ante meus olhos. Aquele ser, pois não era um homem sob qualquer sentido, não possuía face, em seu lugar, apenas um buraco sem fundo, de onde uma presença constituída de pura loucura e ódio parecia espreitar.

Com a ponta de seu indicador direito, a coisa tocou minha testa e desenhou algo nela.

Meus sentidos falharam após essa visão e não sei dizer após quanto tempo, fui encontrado imundo e cheio de ferimentos, vagando pela floresta.

As pessoas não me reconheceram de imediato, pois eu, Jorn, um jovem de vinte e dois anos, do dia para noite, assumi essa aparência de um velho passando dos sessenta anos.

E acendendo seu cachimbo, Alexander em um gesto teatral diz.

-Fim.

Todos os homens da mesa se mostram incrédulos e o velho cabo ironiza.

-Pois bem meu caro irás pagar a conta com certeza. Achas mesmo que uma história dessas terá crédito entre nós? Feiticeiras e o Diabo em uma festa no bosque?

Rindo o soldado pergunta.

-E se eu provar isso? Se eu der uma prova irrefutável da veracidade da história?

Com a expressão cheia de descredito e mesmo um pouco de impaciência, Klaus retruca.

-E como faria isso? Não seja mau perdedor e pague a despesa.

Em um novo gesto teatral, o soldado aponta para um canto da taverna e diz.

-Pois eu vos apresento... Jorn. Por favor, se aproxime.

Das sombras de uma mesa em um canto escuro, um velho homem levanta se pondo a vista dos olhos de todos.

-Uma grande satisfação os conhecer senhores. Jorn, vosso criado.

Todos ficam chocados, não pela presença do velho, mas pela cicatriz em sua testa. Uma marca feita como se por uma navalha, uma cruz, com duas traves horizontais que cruzando outra vertical, são sustentadas por um estranho símbolo sem início ou fim. A cruz do Diabo.

Com rapidez, o velho cabo se ergue e tirando duas moedas de prata da algibeira, paga ao taverneiro o devido.

TTAlbuquerque
Enviado por TTAlbuquerque em 14/02/2014
Reeditado em 15/02/2014
Código do texto: T4691289
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