Euforia

- “Euforia”, ele disse.

Ouvi atônito ao diagnóstico dado pelo Dr Floriano sobre o mal que afligia meu sobrinho. Poderia mesmo ser?!? (Assim tão jovem...) Aquele grande mal que consumiria os últimos dias de meu avô?!?

Lembro dos seus últimos dias... dos tiques e de todas aquelas manias absurdas de colecionar coisas. Anotar tudo, catalogar, até formar aquele emaranhado intrincado de fatos, coisas, cores e sabores e consumi-lo totalmente em um mundo só dele de total e absoluta loucura...

Com meu sobrinho começou rápida a obsessão. Ele, pequeno, só oito anos... Desenvolveu uma mania de levar para o quarto uma colher de pó de café, sempre que flagrava a mãe a prepará-lo. No começo achavam bonitinho, depois ficou metódico, sinistro, taciturno...

O menino já se levantava sozinho durante a madrugada só para buscar pó de café. Nosso irmão dormia feito pedra e ignorava os acontecimentos. A mãe ficava assombrada ouvindo o barulho da cadeira sendo arrastada da cozinha, sob o escuro, para o menino usar de escada e apanhar o café. Quando voltava para o quarto, dava para ouvi-lo falando sozinho... Parece que brincava, parece que cochichava, parece que... conversava?!? Sim! Já teve a impressão de ter ouvido uma conversa monóloga e, em uma delas, de que a voz do menino engrossava muito para ser a voz dele. (Seria a televisão?!? Melhor achar que sim, se não fico louca...)

(...Mas pensei tê-lo ouvido falar em “Nonomon” outro dia...)

Nunca falhava! Nunca perdia! Mas nunca desperdiçava! Nunca pegava nem um grão de café a mais!

A mania se repetia, o ponteiro avançava, logo eram horas, dias, semanas, meses!!! A mãe dissimulava não notar a penumbra do menino caçar sua concha de café. E, no dia seguinte, achava pistas dele pela cozinha. Alcançando armários impossíveis de serem alcançados, achando mãozinhas pelas paredes, mesas e até no teto! (NÃO! Não no teto!! Você está vendo coisas...)

Nosso irmão perdeu as estribeiras quando os nervos da pobre de nossa concunhada ameaçavam entrar em curto quando soube dessas histórias e de suas suspeitas... O estopim mesmo aconteceu no final de um desses passeios da madrugada pela cozinha para apanhar café, onde pensou ter ouvido uma risada absolutamente esganiçada e proibida para o horário vindo do quarto do filho, que a fez se sentar na cama abruptamente e ser surpreendida com o vulto do menino olhando nos pés da cama de casal para ela, tudo sem que o marido acordasse. Quando soube disso, mandou o menino para a casa da sogra, a mãe para a das irmãs e se pôs a revirar o quarto – o que há para achar? Ele é só um menino!!

Mas no armário embutido de bagunças, bem aquele que a empregada não se propõe a mexer, onde se escondem os brinquedos mais antigos e que também é a morada das baratas voadoras mais astutas, meu irmão achou algo que pouca gente já esperou achar no armário do filho: uma escultura detalhada da mãe envelhecida e toda feita em pó de café.

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