Jogando Games

Rodrigo, Raí, Kelvim, Lucas, Fernando e Dairlon todos da mesma idade. Estudantes do 8 º ano da mesma escola. Inseparáveis. Quando um dos pais manifestaram interesse em separá-los de turma, no mínimo, todos se opuseram. Eles eram muito amigos. Suas notas eram sempre as melhores da classe. Se relacionavam bem com todos. Com a família, então ? Sem comentários. Eram chodós. Não andavam com más companhias. Não havia motivo para separar aquela turminha dos sonhos dos professores e da comunidade.

Era sábado. Os garotos estavam tão entusiasmados com o novo game que aprenderam na internet, que não ouviram quando sua mãe chamou para o almoço. Cada mãe pensou que o filho estava almoçando na casa do outro, e esqueceu o assunto. Assim o tempo foi passando. O grupo foi se distanciando cada vez mais dos outros companheiros.

Iniciaram o ensino médio e concluíram com notas boas, bom comportamento, assíduos na escola. Sua única diversão : os games. As mães comentavam:

_ Meu filho está emagrecendo, parece que nem come direito!

_ Não mãe! Claro que estou comendo na casa do meu amigo. A mãe dele é tão legal. Não deixa eu vir embora sem almoço ou jantar, de modo algum. Os pais dele são meus amigos também. Sempre traz lanchinho. Vou ser magro mesmo, igual vovô. Você sempre disse isso !

_ Tá bem filho! Confio em você!

Nunca um pai ou uma mãe foi verificar a casa do tal colega, cujos pais trabalhavam também. Não tinham tempo para o filho. Almoçavam fora de casa. O menino ficava com a empregada. A noite inventava que tinha comido um lanche e não parava para o jantar. Se prendiam no quarto, e só nos games. Passaram todas as férias jogando.

Matricularam-se numa Universidade de Medicina. Curso muito caro e só alunos de boa disposição para encarar. No Brasil, o sujeito deve ter uma condição financeira excelente, acesso à informação,ainda uma boa estrutura psicológica. Imagine quem vem de escolas públicas? Mesmo com bolsa, com Enem, com FIES é complicado .

Muitos brasileiros, ricos ou pobres preferem estudar num país vizinho. A Bolívia vem sendo bastante procurada. Os meninos resolveram que continuariam a estudar juntos. Os pais, os amigos todos ficaram cheios de alegria.

_ Essa turma nasceu para permanecer juntos! Serão uma excelente equipe !

Diziam isso sempre. Os ouvidos dos pais só ouviam elogios na escola, na igreja, no clube. Eles também eram lindos!

Teve início o ano letivo, sem novidades. Tudo como sempre. Sucesso nas notas, no aprendizado! Uma maravilha! Sorriso de canto a canto. Nenhum engordou. Sempre magrelos. No terceiro semestre algumas meninas perceberam que, aqueles meninos não tinham mais viço na pele. Estavam pálidos. Roupa amassada...Comentaram entre si :

_ Estudar longe de casa, distante dos olhos dos pais... ter que fazer sua própria alimentação, lavar sua roupa, passar . Não é fácil,nem pra meninas!

Quando, num sábado de manhã esperaram pelos meninos para um churrasco. Eles não apareceram. Pensaram que estivessem organizando um trabalho. Esperaram mais. Ligaram no celular. Eles não atenderam. Três colegas da turma foram atrás.

Ao chegar no apartamento dos rapazes! Bateram na porta, ninguém atendeu. Procuraram pelos vizinhos próximos. Foram informados que o grupo ficou acordado até altas horas. Sabiam por causa das luzes acesas. Não foram vistos saindo. Já era tarde daquele sábado que prometia ser triste demais. Arrebentaram a porta. Uma visão do inferno diante dos olhos dos três. Um colega desmaiou. Os outros dois chamaram o dono do prédio, e todos que estavam lá naquele momento. Gritavam como loucos, chamem ambulância e a polícia.

Num instante o quarto ficou abarrotado de estudantes do prédio,e moradores próximos. O amigo desmaiado foi socorrido logo. Os seis amigos? Ah ! Que dor!!Nem sei como descrevê-los. Todos com corda no pescoço, jornal na boca, fita adesiva ao redor da cabeça, mãos amarradas. Suicídio coletivo. Roupas amassadas, sujas, magros e pálidos.

Procuraram por todos os cantos do quarto a razão daquela tragédia. Na noite do mesmo sábado, a polícia encontrou as cartas deixadas aos pais. Eles diziam :

_ Papai, Mamãe me perdoem. Não fui bom filho. Embora feliz nos estudos, na vida social, eu queria ser mais. Queria ser o melhor dos games também. Nosso grupo não aceita a derrota. Entramos juntos nesse jogo, e prometemos um ao outro que seríamos vencedores. Imbatíveis ou nada. Somos admirados por todo chão que pisamos, por sermos os melhores! Conhecemos o RPG no início da vida acadêmica. Esse game nos derrotou na última fase. O preço já havíamos combinado. Era a morte. Abandonamos amigos, nunca mais enviei nenhum E-mail para meus pais, nem para agradecer o esforços que ainda fazem para me manter aqui. Sentimos muito por tamanha decepção. Nos perdoem todos.Amo vocês, desse jeito torto.

Assina : Raí

Ao procurar pelo endereço eletrônico dos meninos, na investigação, encontraram E-mails dos pais pedindo notícias. Havia muitas mensagens. Nenhuma respondida. Os pais informaram que, ao ligar para os filhos, eles pediam pra não ser em incomodados.

Lindalva
Enviado por Lindalva em 19/03/2014
Reeditado em 27/05/2014
Código do texto: T4735279
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