Eclipse DTRL

 
‘’Qual o gosto da carne humana’’?

Regras do diário do canibal:

Mais saboroso do que crianças, é saborear uma mulher grávida. Ao se deparar com esta situação, 3 passos deverão ser seguidos:

1- O corte na barriga deverá ser feito com precisão cirúrgica. O bebê deverá sair intacto.
2- Os seios da mulher deverão ser ingeridos crus. É mais saboroso com o gosto do leite.
3- Como é mais difícil capturar uma grávida. Este corpo deverá ser guardado e ingerido pouco a pouco. Sem gula.

Itens necessários:


Uma fita de filme de máquina fotográfica. Quanto mais negro o filme for, melhor será a visualização do evento. O filme poderá ser substituído por uma placa de raio x, mas a visualização será mais clara no filme.
Obs: Portem, durante o dia, o filme em seu poder, pois não há hora certa pra acontecer. O filme ainda é melhor que a placa, pois é pequeno e dá pra deixar no bolso. Quando o céu começar a escurecer, deve-se encontrar o ponto mais alto e observar.

**

-Diego, Vamos logo. Pode ser hoje que o dia vira noite. Não podemos perder.

-Já vou, Felipe. Sabe onde a mãe guardou a máquina fotográfica? Não consigo encontrar o meu filme. Droga!

-Está lá na gaveta da cozinha.

-Mas e agora, Felipe? – Disse Diego visualizando a numeração das fotos- Ainda tem uma foto a ser tirada. Será que a mãe vai ficar brava? Vamos no pai primeiro? E se ele não tiver lá? Definiu.

-Não. Dá aqui. Deixa eu tirar uma foto sua. Melhor garantir.

E ambos foram em direção à loja do pai, que revelava fotos e tinha uma locadora. Na calçada, esperaram o pai realizar a revelação do filme. Depois de 1 hora ansiosos, o pai entregou a tira do último filme.
E a terra vermelha do chão ganha o ar. Com os chinelos no cotovelo, os meninos saem em disparada. As pedras do chão nem sequer fazem cócegas nos bravos pés sonhadores.

-Voltem cedo m.... Em vão tentou alertar o pai.

**

-Mãe, posso pegar meu irmãozinho no colo?

-É lógico querido, mas vá logo que ele vai mamar.

Envolto nos pequenos braços, estava Diego. A sensação de ciúmes que culminava até o dia anterior, deu lugar a uma boa sensação. Um irmãozinho para jogar bola com ele. Demoraria um pouco, é verdade, mas valia a pena esperar.

-Felipe, você vai trabalhar na locadora com seu pai hoje. Terei uma reunião aqui com as minhas amigas. Um chá de bebê pro seu irmãozinho.

-Tá, mamãe.

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Felipe nunca gostou de ir trabalhar com o pai. Catalogar todas aquelas fitas, separar por ordem, rebobinar as fitas que não foram pelos clientes... Tudo tão entediante. Ao ir buscar uma caixa de fitas no fundo da locadora, Felipe encontrou uma especial uma caixa com o nome de seu pai:
Caixa de Infância de Sérgio.
Fotos em preto e branco de seu pai criança, do avô, do qual tinha uma vaga lembrança, pião, algumas bolinhas de gude, mas em especial um folha com uma instrução sobre como visualizar um eclipse:
Itens necessários:

‘’Uma fita de filme de máquina fotográfica. Quanto mais negro o filme for, melhor será a visualização do evento. O filme poderá ser substituído por uma placa de raio x, mas a visualização será mais clara no filme.
Obs: Portem, durante o dia, o filme em seu poder, pois não há hora certa pra acontecer. O filme ainda é melhor que a placa, pois é pequeno e dá pra deixar no bolso. Quando o céu começar a escurecer, deve-se encontrar o ponto mais alto e observar. Ao final, guardem o filme para o próximo´´.





-Pai, o que é essa instrução? Perguntou Felipe entregando a folha ao pai.

-Bem, – disse ajeitando os óculos emocionado- isso foi meu pai que me deu. Existe um dia que o dia vira noite. É chamado eclipse.

-Eclipse? Como é?

-A lua fica na frente do sol. É difícil explicar, quando chegar a hora você vai ver um. É uma coisa muito bonita. Respondeu.

E por muitas primaveras, Felipe sonhou e idealizou o dia que viraria noite. Mesmo assim não iria gostar de ir trabalhar com o pai, pois o eclipse não aconteceria ali.

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''Em algum ponto da cidade, um fogão trabalhava. O assobio do cozinheiro demonstrava sua satisfação e ansiedade. Seu avental estava estrategicamente sujo de sangue. O cheiro de sangue abria o apetite. O cheiro de carne ganhava o olfato apurado dos cães. A mesa farta para apenas um convidado. Mãos sem os dedos, partes da coxa e algumas vísceras. Um banquete de carne humana descansava sobre a mesa. A carne humana tem o mesmo gosto da carne animal? Somos animais também, não somos’’?

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Felipe era um menino alto e magro. Alto demais para sua idade. Tinha 14 anos e tinha um irmão chamado Diego, de 8 anos. Seus hobbies preferidos eram:

Jogar bolinha de gude, andar de patins, jogar bola e brincar de esconde esconde.

Diego, seu irmão mais novo, gostava exatamente das mesmas coisas que o irmão, tirando o fato de ser briguento. Em 100% das vezes, Felipe tinha que entrar na briga para proteger o irmão, que, quase sempre, já estava sangrando pelo nariz.
Uma bolada, ou caiu jogando bola, eram algumas desculpas sustentadas por Felipe. E quem são os pais pra não sustentar uma mentira quando a amizade de irmãos quebram barreiras?

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-Toca a bola, Diego. Para de ser fominha. Toca logo! Brandia Felipe.

Diego olhava para o céu. Estava parado com o pé em cima da bola. Um pingo preto pairava sobre o sol. O pingo ganhava a forma de circulo. Era hora do eclipse. Ele sabia.

-É agora, Felipe. Olha,- disse apontando pro céu- começou o eclipse. Disse Diego.

Felipe certificou seu bolso de trás, ao sentir a tira do filme, chamou Diego e saiu correndo para o lugar mais alto da rua. Diego tirou seu filme do bolso, colocou os chinelos no cotovelo, e saiu correndo seguindo o irmão junto com os outros colegas do jogo.
Diego e Felipe corriam sem tirar os olhos do céu. O sol já estava na metade de seu formato original.
Chegaram.
Com o filme nos olhos, olhavam para o céu fascinados por aquela obra única da natureza. Os olhos brilhavam. O sol escureceu. Apenas um halo prateado pairava sobre o céu. Veio à mente as palavras do pai há 6 anos atrás:

‘’ A lua fica na frente do sol. É difícil explicar, quando chegar a hora você vai ver um. É uma coisa muito bonita’’.

-Olha, Diego. O Eclipse.

Felipe olhou a sua volta e não encontrou o irmão.

‘’Que burro! Como alguém pode ir pra casa e perder isso’’. Pensou.

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Regras do diário do canibal:

‘’Carne nova. O segredo de uma carne saborosa é abater a vítima ainda viva. Porém, a vítima não pode sentir medo nem dor, pois a carne não ficará boa. Deve-se utilizar anestesia para tal efeito’’.
‘’Um corte suave e o garfo levando o pedaço até a boca. Quão saboroso é esse momento’’.

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Passou-se 2 anos desde o eclipse. E exatamente os mesmos 2 anos desde o desaparecimento de Diego. As fotos, que outrora ganharam os postes, as que sobraram, eram meras manchas pretas que formavam o rosto.
Até há um ano e meio atrás, existia mais um hobby na lista de Felipe, não era bem um hobby, mas tornou-se uma busca diária, a busca pelo irmão desaparecido desde aquele dia do eclipse.

– Mãe, eu já disse. Estávamos olhando o sol, quando procurei por Diego ele não estava mais lá, – Felipe enxuga as lágrimas. – achei que ele havia voltado pra casa. Completou.

A cama de Diego, bagunçada desde a última noite, fazia o coração da família sangrar. 2 anos se passaram, e a polícia parecia não mais se importar em resolver esse caso. Felipe já não conseguia imaginar como estaria o irmão.
‘’Saberia brigar e jogar bola como antes?’’ Pensava.

‘’Eu vou quebrar sua cara, vem seu vacilão!’’ ‘’Vai, é? Vem cai pra cima’’.

Um dè já vu: Lembrou do irmão com o nariz sangrando. Aquele briga de rua entre meninos, lembrava a proteção que sempre teve com Diego. As lágrimas caíram fortemente. Existem feridas que nem sempre o tempo pode apagar. O coração dói. Hoje, Felipe odiava o sol. E a lua também.

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Regras do diário do canibal:

‘’A carne congelada deve permanecer, por no máximo, 1 ano. Com exceção de carnes do tipo saborosas, essas devem ser congeladas pelo tempo que for necessário. Carnes saborosas são: Mulheres grávidas e meninos com carne de gosto doce. Nunca se sabe quando será encontrada raridades assim novamente. Os dedos devem ser retirados sempre, é a parte mais suja do corpo. Nada deverá ser oferecido aos cães. O que não for consumido, e os que passarem 1 ano de congelamento, deverão ser queimados’’.

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-Senhora Maria, tudo bem? Sou Pedro Avantes, detetive da policia civil. Tenho notícias de seu filho Diego desaparecido 2 anos atrás. Posso entrar?

Maria estava observando a mesma foto que observava todos os dias. A foto tirada por Felipe no dia que foram revelar o filme na locadora do pai. Diego estava suado, talvez pelo jogo de futebol pela manhã, e olhava para o céu. Os cabelos negros ganhavam sua testa, levemente observava os grandes olhos negros desafiando o sol. Era uma simples foto, mas, notava-se a ansiedade de Diego. Pouco a pouco a foto ia desbotando. Construção das lágrimas. E do tempo.

- Die... – balbuciou Maria deixando a foto cair no chão e, logo após, desmaiou.

- Bom dia detetive, pode entrar sim. Desculpe, sabe como isso machuca a gente. Disse Sérgio.

- Bom, eu que peço desculpas. O senhor é pai do menino certo? Não sei nem por onde começar. Bom, vamos lá...

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- Mãe, e aí? É menino mesmo? Indagava Felipe acariciando a barriga da mãe

As lágrimas de outrora, deram lugar a alegria para todos. Restou apenas a saudade acumulada. Diego estava voltando.

-Sim filho, – Sem conseguir segurar as lágrimas, repetia a mãe abraçando Felipe – é um menino sim. Diego será seu nome! Gritava a mãe de alegria.

Mãe, pai e filho se abraçaram demoradamente. O Deus que Felipe tanto ignorava, tornou-se o maior receptor de agradecimentos e entrega. Ainda sentia a dor do que acontecera com seu irmão. O terror que seu pequeno irmão Diego atravessou, mas sabia que Diego estava em um lugar melhor, e um dia estaria junto do irmão novamente.

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Dados da polícia Civil:

Felipe, junto do pai, reconheceu seu pequeno irmão. O que sobrou dele na verdade.
Diego foi sequestrado por um maníaco canibal. Diego Andrade do Nascimento, 8 anos, foi encontrado, 3 anos depois de sua morte, em um freezer de um açougue, que pertencia à Guilherme Santos, o maníaco canibal.
Diego não possuía o braço esquerdo, a perna direita, as vísceras e seu pênis. No mesmo local, foram encontrados vários corpos de crianças entre 5 e 10 anos, todos meninos. A seguir, será relatado parte da gravação que o maníaco fazia de suas vítimas:

‘’Diego chegou inconsciente no açougue carregado nos braços de Guilherme. Foi posto numa mesa de aço, foi retirado suas roupas e com uma seringa, que não foi encontrada no local nem relatada por Guilherme na sua prisão, foi injetado algo no braço de Diego. Após essa aplicação, foi cortado lentamente o seu braço esquerdo. Muito sangue escorria do local do corte. Na pia do açougue o maníaco parecia temperar o membro e, logo após, colocou no fogão e fez sua refeição. Diego estava acordado agora, mas parecia ignorar a dor. Anestesia?
Após 8 minutos do corte do membro superior esquerdo, o sangue parou de sair e Diego perdeu sua consciência. Cada dia um garoto diferente era ‘’comido’’. Por alguma razão, o maníaco fez mais três refeições com o corpo de Diego, logo após, o congelou até a data presente. A vítima portava em sua mão um filme de máquina fotográfica que foi entregue à família que, não quis a averiguação do material. Segundo informação do irmão, Felipe, o material seria uma foto de família’’.
Relatório final:

Guilherme Santos recusou-se a alimentar-se durante 30 dias seguidos nesta instituição penal, não foi feita nenhuma intervenção para o caso. O laudo do IML confirma morte por desnutrição e anemia profunda. O caso foi arquivado como selecionado pela polícia civil e utilizado como base de referência para novas intervenções neste tipo de crime.

Pedro Avantes
Detetive da Polícia Civil do estado de São Paulo.

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-Vem mãe, logo. – Dizia Felipe desesperado à mãe subindo a rua com uma lata na mão – O sol está quase encoberto. Acrescentou.

A mãe carregava Diego no colo, de apenas 1 mês. O pai os acompanhava logo atrás. Felipe carregava as cinzas do irmão em um vidro transparente. Hoje, o dia viraria mais uma vez noite. A lua e o sol, foram perdoados por Felipe.

- Olha Diego, é o eclipse. Disse Felipe abraçando o vidro fortemente.

- Dessa vez você ficará aqui comigo. Definiu com lágrimas nos olhos.




Eduardo Junio Monteiro
Eduardo monteiro
Enviado por Eduardo monteiro em 19/03/2014
Reeditado em 19/03/2014
Código do texto: T4735445
Classificação de conteúdo: seguro
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