Ele veio cobrar a divida...

O pequeno duende corria com suas pernas curtas, na mão a pequena sacola de couro pingando sangue, a aparência grotesca do pequeno demônio era capaz de assustar a qualquer um que não acreditasse na existência destes pequenos seres. A pele envelhecida, tinha uma coloração amarelada, a textura era indescritível, pois era áspera e grudenta ao contrario da aparência lustrosa. Era o demônio que se alimentava das oferendas feitas na floresta ao pé das montanhas acinzentadas do alto do povoado, e com naquele tempo de poucos alimentos, se via faminto e ia cobrar seus serviços.

-Um coração por riqueza, um olho por beleza, uma vida pela cura de algo mortal, quem me alimenta quando a fome assola, paga o preço justo em troca de um menos mal, temido sou, mas me chamam por ganância decadentes animaizinhos, sou pequeno mas acredite, cobro de dia o preço justo, mas se não pagam ,a noite me deleito com o sangue dos pequenos filhos de seu amor.

A musica cantada com a voz irritante do pequeno demônio era de arranhar os nervos, era esganiçada e tinha uma melodia quase fúnebre, vindo sempre acompanhada do cheiro das flores de velório, os homens sempre atendiam por pavor o pequeno ser.

-Posso brincar na floresta mamãe?

Lembrando do dia maldito chorava, tinha ido brincar próximo da arvores de frutinhas vermelhas, era apenas um moleque, vira o pequeno demônio e se espantou, não sentiu medo, mas desejou o pequeno saquinho de couro que ele trazia, podia ouvir o tilintar das moedas! Pediu com delicadeza, o demônio sorriu, implorou com lagrimas o demônio pensou, mas quando tomou e correu não o viu mais, se soubesse quanto custaria tal atitude! Chegou em casa com o ouro, pagou pela comida e pelo luxo de seus amados, anos se passaram e parecia perdoada a divida, mal sabia que demônios nunca esquecem...

Naquele ano, passados exatos 40 anos depois do roubo, ele caminhava ao lado de seu filho caçula. O pequeno de olhos verdes era seu xodó, tinha nas órbitas as esmeraldas que tanto o fascinaram há tempos atrás, sim, sua doce amada que falecera há poucos dias, nunca deixaria de doer, nunca, ele a amou cada centímetro, mesmo que já tivessem hoje em dia 25 anos de casado, era como se a lua de mel tivesse sido ontem, lembrava sempre do sorriso que lhe dava ao acordar, do jeito que pegava em sua mão quando algo estava errado, ela era incrível. Ao contrario do que dizia desde a juventude, tinha sido fiel a ela, sempre, a amava a cada fio de cabelo, e aquela doença misteriosa a tirou depressa demais de seus braços. Caminhava lentamente pensativo, o sonho que tivera exato um mês antes do inicio da doença de Diana tinha sido irreal demais, via o pequeno demônio vindo em sua direção, trazia o saquinho de couro ensangüentado nas mãos, e dizia:

-Trago o coração de sua amada aqui dentro, e não será apenas o que buscarei, tirarei tudo o que ama, ate que me pague o preço por sua ganância.-Virava e ia embora em meio a brumas, mesmo tentando alcançá-lo não conseguia.

Enquanto se lembrava disto foi trazido a realidade pelo médico da cidade, que afobado vinha correndo gritando seu nome:

-Senhor Antunes, tenho algo a lhe dizer!-olhou para o menino- é algo muito serio.

-Vá pra casa Dioniso e não converse com estranhos no caminho.

O menino foi então rumo à grande casa, atravessando algumas ruelas da cidade.

-Tenho algo muito serio a lhe dizer, no momento da autópsia do corpo de sua esposa...r-espirou fundo, limpou uma gota de suor q escorria- descobri algo muito estranho...É como se... O coração dela tivesse sido arrancado sem abrir o peito!

Sentindo os olhos escurecerem ele caiu. Sendo acordado com um cheiro forte algum tempo depois, estando cercado de curiosos.

-Ele esta bem, esta acordando.

Olhou ao redor, tinha pavor nos olhos, saiu correndo para casa, se trancou dentro de sua sala, chorou como uma criança.

Adormeceu sobre a mesa, acordou sentindo cheiro de fumo, olhou para a poltrona próxima da lareira, viu pernas curtas se balançando, com o corpo tremulo olhou, o pequeno monstro fumava calmamente um charuto verde:

-Você tinha exatos 10 anos, um pequeno ladrão...-os olhos amarelados faiscaram- pensou que eu não viria para cobrar?

Vendo o saco de couro na mão dele notou uma crosta amarronzada ao redor das costuras da bolsa, algo tinha vazado e secado dali....

-Quanto vai me custar?

-Mais um coração.

-Mais um?

-Sim, já te poupei o esforço e busquei o de sua amada esposa...

As lagrimas escorreram amargas, as pernas bambearam, a tristeza e a loucura tomaram conta de seu ser...

-Que outro coração você quer? O meu? Pois pode pegar!-ofereceu o peito abrindo a camisa

-Não meu caro, quero algo que te faça sofrer...por isso escolhi seu pequeno rebento, o garotinho de olhos verdes...

-Não! Por favor não!

Os empregados bateram na porta perguntando por que ele gritava, não recebendo resposta arrombaram, encontraram-no caído em prantos, segurando os cabelos, cego por uma insanidade violenta, foi contido pelo motorista e pelo jardineiro, logo desmaiou. Acordou no dia seguinte em sua cama, o pequeno já o olhava.

-Meu trabalho aqui já foi feito, agora saiba como a ganância é nova- riu com ironia- adeus... "Um coração por riqueza, um olho por beleza, uma vida pela cura de algo mortal, quem me alimenta quando a fome assola, paga o preço justo em troca de um menos mal, temido sou, mas me chamam por ganância decadentes animaizinhos, sou pequeno mas acredite, cobro de dia o preço justo, mas se não pagam ,a noite me deleito com o sangue dos pequenos filhos de seu amor....”.

O cheiro de flores de velório inundou o quarto, a brancura quase celestial das cobertas foi manchada por pequenas gostas púrpuras, estava estático. Nem ouviu quando falaram da morte de seu filho, estava ocupado demais sentindo seu próprio coração ser esmagado pela mais profunda dor...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 08/05/2007
Reeditado em 28/01/2008
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