O menino azul e o lápis mágico

Seu quarto era branco, donde a luz branda do sol atravessava as barras finas da janela, pintando o piso pálido com sua luz dourada. Ele estava ali há muito tempo, tanto tempo que já havia esquecido de contar os dias, ou a origem de seu tormento. Era pequeno, mirrado, de olhinhos tristes e lábios que jamais esboçavam um sorriso. Com seu lápis nas mãos, deixava correr solta a imaginação, jorrando entre seus dedos ideias de mundos e vidas.

Riscava no ar, nas paredes e abaixo dos pés, deixando o traço livre a buscar a vida faminta que lhe fugia. Podia rabiscar um coelho e logo o bichano desgrudava das formas e traços e saltava dos blocos brancos da parede até os seus braços, aquecendo seu corpo com a pelagem alva e felpuda. Certa vez rabiscou um pássaro multicolorido, do qual bateu asas libertando-se de suas linhas e ascendendo ao céu. Diferente dele o pequeno buscou a luz e conquistou a liberdade. Outra noite, como todas tão solitárias, desenhou flores de caules grossos e pétalas pálidas, e logo sentiu o perfume de todas elas, subindo em espirais coloridas e girando ao seu redor. Rabiscou mundos inexplorados, terras e castelos, dos quais era príncipe e rei.

De tempos em tempos, o homem branco o visitava. Um homenzarrão de rosto amargo e ombros largos, tão magro que as espaduas pareciam cabides a segurar o jaleco branco. Dizia pouco, as vezes o necessário e quando partia lhe aplicava doses essências de sanidade, abandonando-o no silêncio de seus pensamentos entorpecidos.

Sua imaginação adormecia, mas quando despertava retomava com folego suas criações multicoloridas, fazendo-as ainda mais vivas, que durante a noite podia ouvir seus sussurros a ressonar quando ao cair no sono.

Estranhamente tentou, certa vez, desenhar uma porta, riscou de forma que pudesse ultrapassa-la sem dificuldades, girou a maçaneta com os dedos e adentrou a escuridão, mas ao passar o batente, logo estava ele no quarto branco novamente. Com o tempo, a esperança de liberdade sedimentou dentro do peito, deixando-o sem sequer um fio de esperança.

Sua desventura continuou em desenhos belíssimos, estrelas cintilavam no seu céu, a luz a lua o iluminava por entre as fendas de sua prisão, e podia ouvir os grilos em melodias noturnas e se ficasse bem quietinho, quem sabe ouviria os ruídos do mundo.

Suas únicas companhias, eram as suas criações e ninguém jamais soube de alma viva que soubesse do menino todo azul, nem pai, nem mãe.

E novamente o tempo correu nas linhas dos seus dedos, as visitas do homem branco eram raras, e quase pensou ter se esquecido dele. Mas a morte não o esqueceu, e o ceifou com a gentil delicadeza de um sono, tendo seu coração negro por entre os ossos tocado pelo destino do malfadado menino. Pensou que ao lhe dar a liberdade, por meio da morte, ele poderia viver tantas histórias e vidas possíveis.

E em muitas linhas, muitas letras e muitas existências lhe seriam permitidas.

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 22/05/2014
Reeditado em 16/07/2014
Código do texto: T4816584
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