O TESOURO

Por horas os dois cavaleiros percorriam aquela estrada. A plantação que a margeia parecia não ter fim. O canavial estendia-se por léguas e léguas na direção do poente. Era um mar de folhas verdejantes farfalhando ao sabor do vento.

- Você viu algum trabalhador neste canavial? Indaga o mais jovem dos cavaleiros ao companheiro de viagem.

- Agora que mencionou, não, não vi. Por quê? Devolve a pergunta o outro.

- As outras fazendas que deixamos para trás havia vaqueiros, camponeses e capatazes em grande quantidade trabalhando nas plantações. Esta aqui, que é bem maior que as outras, não vi nada disso. O cavaleiro mais velho ergue a cabeça para olhar ao redor.

- Bem, irmãozinho, acho que você se enganou, veja ali. Apontou para o norte onde a uns duzentos metros aproximadamente um grupo de trabalhadores estava. Eram dez pessoas que leva nos ombros fardos de cana de açúcar. O mais jovem acenou-lhes, mas não obteve resposta, pareceu-lhe que ou não o viram, ou o ignoraram. “Vamos, temos uma longa viagem pela frente”. Então os cavaleiros retomaram sua jornada.

Samuel, o mais jovem dos irmãos, moveu o olhar na direção dos trabalhadores. Algo o deixou intrigado, talvez o modo como caminhavam, a forma como se comportavam, não soube definir o que era somente sua intuição dizia que havia alguma coisa errada.

- Ande, não fique aí parado temos trabalho. Ordenou Elias ao irmão mais novo.

- Já estou indo. Respondeu contrariado Samuel.

O sol estava escondendo atrás das montanhas do oeste quando os irmãos chegaram diante dos portões da abadia de São Tomás. Um grande portão de carvalho guarnece a entrada. A sua volta estende-se uma extensa e alta muralha. Do lado direito do portão Elias puxou uma argola anunciando sua chegada. Após alguns instantes uma portinhola abre-se e um par de olhos os fitam.

- O que desejam? Indagou alguém do outro lado do portão.

- Saudações, padre! Somos enviados de sua iminência o cardeal Almeida. Aqui está à carta que enviou ao senhor abade. Elias entrega ao sacerdote à missiva. A portinhola se fecha e se passa alguns minutos até os portões se abrirem. Desmontam e levam as montarias para dentro puxando-as pelas rédeas. Um clérigo em trajes modestos os recepciona.

- Sejam bem vindos, meu nome é Antônio. Espero que tenham feito uma boa viagem. Desejam limparem-se ou comerem algo antes de serem recebidos pelo senhor abade?

- Sim, se não for nenhum incomodo, padre Antônio! Responde Elias.

- De maneira alguma. Por favor, deixe suas montarias com frei Salvador que ele os levará até o estábulo. Por aqui. Os irmãos seguem o padre Antônio. A abadia é composta por um pátio central no qual se encontrava a figura em mármore de São Tomás. Ao seu redor estão à biblioteca, refeitório, cozinha, capela, alojamentos, dispensas, estábulos e a casa do senhor abade. Padre Antônio os acomodou num dos quartos reservados aos hospedes próximos a casa do abade.

Após o jantar o padre Antônio os leva a presença do abade. Atrás de uma bela mesa de cerejeira, confortavelmente instalado sobre a poltrona, os irmãos vislumbram um homem de meia idade, calvo, tão redondo quanto um barril e de sorriso largo.

- Meus filhos, fico feliz em recebê-los em minha humilde casa. Por favor sente-se. Saúda o abade.

- Obrigado, meu senhor! Nós que agradecemos sua hospitalidade em nos receber. Fala Elias.

- Só lamento que o motivo que os trouxe aqui não seja o mais nobre. Acrescenta tristonho o abade. “Antônio, por gentileza nos deixe a sós” o padre atende ao seu superior retirando-se da sala. “Os senhores aceitam uma taça de vinho?” oferece o abade.

- Sim, aceitamos. Responde Samuel. O abade os serve uma porção generosa da bebida.

- Senhores, sua excelência o Bispo lhes adiantou algo a respeito do assunto que os trouxe até aqui?

- Não! Responde Elias.

- Bem, não me sinto muito a vontade para falar sobre o isso, mas sua excelência os recomendou como sendo homens de sua inteira confiança e aptos a nos ajudar.

- Senhor tenha certeza que nós estamos acostumados a lidar com situações incomuns. Não se preocupe diga o que está acontecendo para que possamos lhe ajudar no que for necessário. As palavras de Samuel acalmam o abade.

- Num período de seis meses vem ocorrendo violação de túmulos nos cemitérios das vilas e fazendas da região.

- Antes não ocorriam tais blasfêmias? Indaga Elias.

- Infelizmente sim. No entanto a freqüência do ocorrido e os boatos, que viajam com a velocidade do vento, é que está causando pânico aos fieis da santa igreja.

- Que boatos? Indaga Samuel. O abade com dificuldade curva-se sobre a mesa aproximando-se dos irmãos.

- Que os mortos caminham. Responde ele num sussurro.

- Erguem-se da sepultura e caminham entre os vivos? Para Samuel as palavras do irmão não causaram nenhum assombro. No entanto, para o rechonchudo abade, elas o fazem cair desconsolado sobre a poltrona.

- Não, não. Bem mais ou menos. Gagueja o clérigo após recobrar a calma. “Alguns aldeões relataram ter visto os mortos caminharem. Veja bem, isso é uma heresia, uma blasfêmia, algo de tal natureza não pode ser espalhado entre os fieis. Mas a quantidade de pessoas que estão dizendo tais coisas aumenta consideravelmente. Foi para esclarecer os fatos que eu solicitei a ajuda de sua eminência o bispo. Não me tomem por tolo ou louco, sou apenas um simples serviçal de santa igreja preocupado com o seu rebanho” discursa o abade.

- Não se preocupe senhor. Como disse o meu irmão nós estamos preparados para lidar com esta situação. Agora precisamos dos relatórios sobre os fatos e uma lista com o nome das testemunhas que viram os mortos andando. Tranquiliza Elias o clérigo.

- Claro, claro! O abade ergue-se caminhando até um armário próximo. Do seu interior ele retira uma pasta de couro abarrotada de papeis. “Aqui está, tudo que podemos apurar. Aqui vocês encontrarão relatos e dados sobre o ocorrido. Meu secretário os levará até seus aposentos”. Neste momento o padre Antônio adentra ao escritório. Elias e Samuel agradecem ao abade e partem.

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Samuel havia cavalgado por duas horas quando chegou diante da pequena aldeia de Matão. Casebres rudes e toscos se enfileiram por ruas estreitas e empoeiradas. A sua chegada os aldeões buscam refugio nas casas deixando ruas desertas e silenciosas.

Puxando sua montaria pelas rédeas Samuel caminha até uma choupana. Acima da entrada balança ao sabor do vento uma placa, na qual está escrito “Taberna do Sol”. Ele entra sob o olhar curioso e amedrontado do taberneiro.

- Uma caneca de vinho! Fala Samuel. Em silêncio o taberneiro serve a bebida. “Estou procurando Matias, como posso encontra-lo?” indaga Samuel.

- Quem o procura? A voz brota do canto a esquerda de Samuel.

- Sou emissário do Bispo e estou a serviço da Igreja. E o senhor quem é?

- Alguém intrigado com o motivo que trás a este fim de mundo um emissário do Bispo. Responde o homem alto e taciturno que caminha até próximo de Samuel.

- O senhor sabe onde eu encontro o Matias? Insiste Samuel. O homem o olha de alto a baixo.

- Não. Mas aconselho o senhor terminar seu vinho e tomar o caminho de volta para capital o mais rápido possível. Sem mais palavras o sujeito caminha para fora seguindo a rua para o leste.

- E você sabe me dizer onde eu encontro o Matias? Indaga ao taberneiro.

- Não. Responde visivelmente contrariado o homem atrás do balcão. Samuel percebe que não será tão fácil quanto imaginava encontrar a testemunha.

Era o décimo tumulo violado que Elias examinava e cada um apresentava aspectos curiosos e distintos. Alguns pareciam terem sido rompidos de dentro para fora, outros conservavam montículos da terra retirada ao seu lado, outros estavam abertos como se nunca tivessem sidos ocupados, outros tinham um buraco cavado em sua lateral com abertura suficiente para retirar o cadáver. Ele estava confuso e cansado. Investigar sob aquele sol escaldante era estafante.

- O que procura não está aí dentro, forasteiro! Elias volve o olhar na direção daquela voz. Ele depara-se com uma mulher alta. Seus trajes de camponesa não condiz com sua atitude senhoril.

- E onde está, minha senhora? Indaga ele.

- Debaixo dos seus pés! Responde a mulher sorrindo. Incrédulo ele olha para baixo. Para sua surpresa algo estranho havia ocorrido com a relva sob seus pés e ao redor dos túmulos. Quando ergue o olhar para a mulher ela já se encontra distante.

O sol já havia enrubescido o poente quando Samuel decide retornar a abadia. O dia fora infrutífero não conseguiu localizar a única testemunha que aparece nos relatos e ninguém falou nada sobre as violações.

A saída da aldeia ele percebe uma figura solitária de um velho sentado em sua varanda lançando baforadas ao ar de seu cachimbo. O velho despreocupado fita o crepúsculo.

- Encontrou o que procura meu jovem? Samuel detém sua montaria diante da varanda onde se encontra o velho.

- Não! Como sabe que estou procurando algo?

- Tenho, meu jovem, oitenta e sete anos, sou tão velho quanto essa vila, conheço todo mundo que vive aqui e já vi forasteiros suficiente para saber que quando passam por aqui estão sempre procurando algo ou alguém. Qual é o seu caso? Samuel sorri com a tranquilidade do velho.

- Estou procurando Matias, o senhor pode me ajudar?

- Isso depende de quem você seja. Responde o velho entre uma baforada e outra.

- Sou emissário de sua excelência o Bispo Almeida e estou aqui investigando alguns fatos incomuns.

- Isso é interessante. Quando eu informei aos padres que havia visto os mortos andando ao redor da vila me chamaram de louco e me ameaçaram se continuasse a contar essa historia. Agora o senhor bispo está preocupado a ponto de enviar gente sua para investigar. Qual é o seu nome, meu jovem?

- Samuel e o senhor?

- Matias. Acho melhor você entrar para conversarmos melhor. A noite está chegando e por aqui ela tem muitos olhos e ouvidos.

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Ao adentrar no quarto Samuel depara com o irmão a revirar os relatórios que receberam do abade. Do lado direito de Elias se encontra folhas de papel onde fez algumas anotações.

- O que procura aí? Indaga Samuel.

- Ainda não sei, mas acredito que há algo que possa nos ajudar. Encontrou a testemunha? Samuel procura acomodar-se numa cadeira próxima.

- Sim! Mas seu relato me pareceu confuso.

- E o que ele disse?

- Bem, ele disse que a dois meses enquanto caçava viu um homem cambaleante perambulando pela floresta. Quando se aproximou viu que o tal sujeito estava em putrefação e exalava um fedor cadavérico. Assustado ele correu com o cadáver no seu encalço. Desde aquela noite nunca mais saiu quando o sol se põe.

- Ele conseguiu identificar o tal sujeito que o perseguiu?

- Sim! Era seu primo que havia morrido há uns seis meses. Disse também ter visto em plena luz do dia uma pessoa no cemitério junto a um túmulo fazendo algo. No dia seguinte o túmulo havia sido violado. Segundo ele a pessoa que viu no cemitério era um forasteiro que o coronel Augusto trouxe para a sua fazenda ao menos uns cinco meses.

- Quem é o coronel Augusto?

- É o fazendeiro mais rico e poderoso da região. Aquela extensa fazenda pela qual passamos quando chegamos aqui é dele. Responde Samuel. “E você o que conseguiu no cemitério?”

- Próximo a alguns túmulos havia um circulo de aproximadamente um metro de diâmetro. Dentro desses círculos a relva ressecou da raiz até a ultima folha. Perfurei o solo demarcado pelos círculos e a terra está seca e morta, não encontrei nenhum verme ou larva. Ao redor ao contrário a relva está verde e há animais em suas entranhas.

- Isso pode ser algo tipicamente dessa região. Fala Samuel.

- Pesquisei nos tratados de botânica da biblioteca da abadia e não encontrei nada que mencionasse tal coisa, nem aqui ou em outro lugar do mundo. Deduzo que seja ação humana a origem.

- É possível! Enquanto você devora esses livros vou dormir que o dia foi cansativo. Fala Samuel atirando-se sobre sua cama.

- Aproveite bem o sono irmãozinho, pois, amanhã temos muito que fazer.

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O sol ainda não tinha se erguido no horizonte quando os irmãos Elias e Samuel deixaram a abadia. Cavalgaram até o meio dia. Foi quando param numa fazenda para beber água e descansar. Ao redor o mato avançava sobre o que outrora foi uma grande plantação de cana. Elias fitava o imponente casarão colonial erguendo-se majestoso no topo do morro quando uma mulher se aproxima.

- Sejam bem vindos a fazenda Santa Fé. Saúda a recém-chegada.

- Obrigado! É bom revê-la, senhora! Elias retribui a cortesia ao reconhecer a mulher que o abordara no dia anterior enquanto inspecionava os túmulos.

- Com sua permissão, senhor, tenho que partir. Mas podem ficar o tempo que for necessário.

- Senhora, onde estão os trabalhadores e servos? Não vimos ninguém lavrando a terra? Indaga Samuel a sua anfitriã.

- Alguns morreram, outros partiram outros apenas nunca mais voltaram e assim Santa Fé foi ficando triste deserta e morta. Responde a mulher.

- Percebemos que noutras propriedades, menos a fazenda do coronel Augusto, a situação é a mesma. Acrescenta Elias. A mulher lança um sorriso frio.

- O coronel deve ser o homem mais sortudo e ganancioso dessa região. Pois, ele está comprando todas as terras daqui até o Rio Vermelho. O curioso é que quando se tornam suas propriedades elas voltam a prosperar. Mas agora tenho que ir. Até mais, senhores. Assim falando ela parte deixando os irmãos sozinhos.

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Estavam na ampla varanda fitando o mar verdejante das folhas dos laranjais quando um homem de estatura mediana, cabelos grisalhos, finas roupas e de olhar severo se aproxima. Ao seu lado estavam outros dois homens cada um tendo nas mãos um rifle.

- Quem são os senhores? Indaga o recém-chegado.

- Meu nome é Elias e este é meu irmão Samuel. Somos emissários de sua excelência o bispo Almeida, conforme já havíamos anunciado aos seus servos, senhor Augusto. Responde Elias.

- Conheço pessoalmente o bispo Almeida e, francamente, os senhores não se parecem com seus emissários.

- Já entregamos nossas credenciais como emissários ao abade. Caso o senhor deseje verificar pessoalmente. Acrescenta Samuel. O fazendeiro fita-os com desconfiança e desprezo.

- Pois bem, o que os senhores desejam?

- Gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas. Responde Elias. O fazendeiro os fita silenciosamente por alguns instantes.

- Não tenho tempo para perder respondendo perguntas de quem quer que seja mesmo sendo emissários do bispo. Meus homens os acompanharam até a saída de minhas terras. Assim falando Augusto deixa a varanda adentrando na casa grande.

- Senhores, queiram nos seguir. Fala um dos homens armado. Samuel o reconhece como o sujeito que o interpelou na taverna. Os irmãos os seguem.

No caminho de volta, Samuel observa próximo à casa grande uma construção semelhante a um celeiro. Apesar do formato o tamanho é exagerado para aquele tipo de edificação. Antes de deixarem a fazenda para trás Samuel contou mais quatro outros celeiros nas mesmas proporções.

Após deixarem a porteira da fazenda para trás e os capangas do fazendeiro os irmãos cavalgam tranquilamente em direção à abadia. Samuel aproxima-se do irmão mais velho.

- O que acha que tem naqueles celeiros? Elias mantém o olhar fixo na estrada que se estende a sua frente antes de responder a Samuel.

- Não tenho a menor ideia, mas não esqueça que é uma fazenda e nada mais natural que haja celeiros. O que está te incomodando?

- Não sei o que é, mas aquelas coisas não me saem da cabeça, sem falar que as lavouras estão bem cuidadas e não vimos nenhum trabalhador.

- Isso de fato é estranho. No entanto, creio que os capangas que estão nos seguindo atrás da cerca não nos permitirá voltar. Elias sorri zombeteiro.

- Tem razão! Podemos voltar mais tarde! Sugere Samuel.

- Para levar um tiro por nada? Não obrigado. Vamos retornar a abadia e depois veremos o que faremos. Por falar nisso conseguiu o que queríamos?

- Claro que sim!

- Então nossa visita ao senhor Augusto foi proveitosa. Agora ande logo que estou com fome.

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Já haviam transcorridos dois dias desde a última visita que os irmãos tinham feito a fazenda do senhor Augusto. Um silêncio mortal e pegajoso os envolve ao percorrerem a estrada em direção a casa grande, sede da fazenda. O calor da tarde parecia queimar tudo abaixo do céu e a ausência de vento piora ainda mais a situação.

Samuel volve o olhar rumo ao oeste. Acima da linha verdejante das plantações um gigante negro e gasoso ergue-se. A coluna de fumaça espessa eleva-se na direção do céu azul.

- O que é aquilo? Elias, que até então cavalgava silenciosamente, lança o olhar na direção indicada pelo irmão.

- Não sei, mas boa coisa não pode ser. Vamos! Os dois fazem com que suas montarias cavalguem veloz rumo à casa grande.

Os quilômetros que os separam da porteira de entrada foram vencidos em minutos. Estarrecidos fitam as chamas consumirem o casarão colonial. O piso superior da edificação já havia desabado. As labaredas projetam-se por aberturas nas paredes que outrora abrigou janelas de madeira de lei.

Desmontam e instintivamente empunha suas pistolas. Cautelosos percorrem com o olhar a sua volta. Ao redor do casarão em chamas vislumbram corpos. Com prudência aproximam-se dos cadáveres. Constatam que aqueles corpos um dia foram os capangas do senhor Augusto. Elias verifica que todos tiveram a cabeça decepada. Samuel percebe que ao lado dos cadáveres se encontram suas armas descarregadas. Alguns ainda as seguram. Temendo que os assassinos ainda estivessem por perto caminham em silêncio.

O rastro de destruição e morte parece não ter fim. Carroças, animais e ferramentas se encontram espalhados pelo pátio. Por todos os lados é evidente sinais de luta. A trilha segue em direção aos enormes celeiros que intrigaram Samuel.

Quando chegam próximo ao primeiro celeiro as portas estão escancaradas. Lá dentro mais corpos com as cabeças decepadas. A cena se repete nos três outros celeiros.

De repente algo veloz e sinistro salta sobre Elias. A coisa desfere dois golpes de espada, mas Elias com agilidade consegue desviar-se. Samuel dispara contra a coisa que atingida no peito rola para fora. Inexplicavelmente a coisa consegue erguer-se. Um capuz negro sobre a cabeça lhe oculta à face. Elias recuperado também dispara. A força do impacto arremessa a coisa longe. No entanto, ela erguer-se novamente. Samuel desembainha sua espada, Elias o segue. A coisa desfere o primeiro golpe. Com dificuldade Samuel consegue defender-se. Elias ataca simultaneamente, mas a coisa é veloz e hábil.

Os golpes se sucedem, a criatura consegue defender-se e atacar com uma velocidade extraordinária. Então com violência a coisa golpeia Elias arremessando-o de encontro à parede do celeiro. Dessa forma sua atenção volta-se para Samuel. Resta ao irmão caçula defender-se como pode. No entanto, a coisa desarma-o e no momento que ia desferir o golpe fatal Elias recupera-se. Sua espada cruza a distancia que o separa da coisa atingindo-lhe o braço direito, o qual cai contorcendo-se. A criatura detém-se. Lança ao ar um urro misto de fúria e ameaça. E inexplicavelmente corre veloz embrenhando-se na plantação mais próxima.

- Você está bem? Indaga Elias ao irmão.

- Sim! Mas o que era aquilo?

- Talvez aquilo responda a sua pergunta. Elias aponta na direção do braço decepado que ainda se contorcia no chão.

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O caminhar lento e tenso do abade entre a escrivaninha e a janela impacienta Samuel. O suor cobria a face rechonchuda do clérigo. Mantinha as mãos para trás uma segurando a outra.

- Senhores, a população e as autoridades locais batem com insistência a porta da abadia exigindo uma explicação para o ocorrido na fazenda do senhor Augusto, uma vez que foram vocês os primeiros a chegarem lá. Mas eu não sei mais o que fazer ou o que explicar ou como conter a fúria da multidão. Lamenta-se o abade.

- Diga-lhe que já sabemos quem cometeu aquela atrocidade e estamos prestes a descobrir o mandante. Responde Elias.

- Você disse que já sabe quem são os monstros? Indaga o abade.

- Na verdade foi apenas um. Acrescenta Samuel.

- Senhores eu estive na propriedade é humanamente impossível uma só pessoa ter feito tudo aquilo.

- Não disse que foi humano. Elias atira sobre a mesa um saco de linho. Algo dentro contorce-se furiosamente.

- O que significa isso?

- Veja o senhor mesmo. Insistiu Samuel. O clérigo com cuidado abre o saco. Então, salta sobre a mesa uma mão pútrida debatendo-se compulsivamente.

- Santo Deus? Grita o abade afastando instintivamente da coisa.

- Essa é a mão do assassino. Havia um braço, também, mas tivemos que separá-los. Responde Elias enquanto perfura com a faca a coisa recolocando-a novamente no saco.

- Pelo amor de Deus me explique o que é isso? Por acaso é alguma brincadeira? Balbucia o perturbado clérigo.

- Não senhor, não é brincadeira. O que o senhor viu é a mão de um Draugr, ou seja, um morto que caminha. Responde Samuel sem alterar-se.

- Em nome dos Céus vocês querem que eu acredite que um mito escandinavo assassinou o senhor Augusto, seus servos e destruiu a fazenda?

- Acreditar ou não é o senhor que irá decidir. Mas o fato é que esta criatura existe e foi quem promoveu a chacina naquela fazenda. No entanto, ela está sob as ordens de um ser humano e este é o verdadeiro assassino. Responde Elias.

- Estão insinuando que eu diga a todos que um morto vivo é o assassino? Exalta-se o abade.

- Não! Diga que já sabemos quem é o mandante do crime. A propósito o senhor Augusto ainda está vivo e temos que agir rápido a fim de resgatá-lo com vida. Fala Samuel.

- Vivo?! Como pode ter tanta certeza disso?

- O corpo dele não se encontrava na fazenda. Responde Elias.

- Mas o corpo poderia estar sob as ruínas do casarão. Retruca o abade.

- Quem fez tudo isso tinha por objetivo atingir o senhor Augusto. É alguém vingativo e cruel, não iria conceder-lhe uma morte rápida e piedosa. Acrescenta Samuel.

- Senhor Abade, não podemos perder mais tempo. Estamos retornando a fazenda para seguir uma pista. Com sua permissão. Fala Elias se dirigindo a saída. Samuel segue o irmão saudando o abade e retirando-se. Em silêncio atravessam os corredores até chegarem ao pátio externo.

- Quando foi que havíamos decidido retornar a fazenda? Indaga Samuel ao irmão.

- Cinco minutos antes de ter informado isso ao senhor abade. No caminho te explico.

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O sol no alto do céu assinalava meio dia quando um cavaleiro aproximou-se da cabana. Logo a frente do terreiro estende-se uma vasta plantação de cana de açúcar. As costas da cabana uma floresta domina a paisagem. Desconfiado, ainda sobre sua montaria, ele olha de um lado para outro. Nada vê além da imensidão verdejante que cerca a cabana.

Após desmontar abre a porta e entra. As janelas fechadas deixam o interior imerso na penumbra. Num canto debruçado sobre a mesa o visitante vislumbra o vulto de um homem. Ao seu lado uma jarra e copo. Ao aproximar-se percebe que o ocupante está sob o efeito de aguardente.

- O que aconteceu? Indaga o visitante. O outro ergue o olhar sonolento e angustiado.

- O que você acha? Foi horrível. Por mais que tento esquecer ainda ouço os gritos de desespero, o sangue jorrando e o fogo, o fogo... o visitante o interrompe.

- Cale-se, seu tolo. Isso não me interessa. Onde está o nosso hospede?

- Lá no quarto dos fundos. Mas que diabos é você que parece não se importar com o que aconteceu lá na fazenda? O visitante lança-lhe um olhar sombrio.

- E você estava esperando acontecer o que? Nosso enviado fez o que tinha que fazer e pronto.

- Santo Deus! Não era para ele matar ninguém. Grita o ocupante desesperado. O visitante lança ao ar uma gargalhada horripilante.

- Não seja tolo. O que pensou quando convocou o enviado? Que ele iria entrar caminhando educadamente pela porta da frente, retirar o hospede de sua casa e trazê-lo até nós? O ocupante vencido cai pesadamente sobre a cadeira.

- O que faremos agora? Indaga ao visitante.

- O que havíamos planejado. Vamos erga-se e traga o hospede. Ordena o visitante. Cambaleante o ocupante abandona a cadeira e dirige-se ao quarto dos fundos.

Então, dois indivíduos adentram a cabana. Tanto o ocupante quanto visitante é pego de surpresa com aquela intromissão. Ameaçadoramente os intrusos empunham pistolas.

- Por favor, não nos matem, eu me entrego, eu me entrego? Choraminga o ocupante erguendo os braços.

- Acalme-se não estamos atrás de você, capataz. Nós estamos atrás desse demônio. Fala o invasor mais alto. O visitante retira de sobre os ombros a capa e da cabeça o chapéu de abas largas revelando a jovem fazendeira de Santa Fé.

- Não direi que é um prazer revê-los, senhores. Pois, vocês estão atrapalhando meu acerto de contas com o digníssimo coronel Augusto.

-Lamento desapontar. Por favor, vire-se. Fala Elias, o menor dos invasores.

- Santo Deus! Ela é inocente, eu sou o culpado. Pelo amor de Deus a deixem em paz. Argumento o capataz posicionando-se entre os irmãos e a jovem fazendeira.

- Está enganado, esta coisa não a é fazendeira de Santa Fé, apenas finge ser ela. Fala Samuel sem perder de vista a mulher.

- Como não? Eu conheço a senhora Catarina desde criança. Nós dois fomos vitimas do verdadeiro monstro que é o coronel Augusto. Mas quem invocou a criatura do mundo dos mortos fui eu, quem planejou dá um fim no coronel fui eu, ela não tem nada a ver com isso. Desespera-se o capataz.

- A mulher que você conheceu está morta, talvez assassinada por esta criatura do inferno. Para sua própria segurança afaste-se desse “papa fígado”. Ordena Elias. A jovem fazendeira lança ao ar uma assustadora gargalhada.

- Esse é um dos diversos nomes pelo qual sou conhecido. Uma voz gutural inunda o ar.

- Talvez prefira Ghûl? Fala Samuel. Mas antes que o capataz possa fazer qualquer movimento algo, feito laminas, trespassa a sua caixa torácica. O sangue jorra formando uma poça no chão de terra batida da cabana. O capataz de joelhos se contorce agonizante. Logo atrás do moribundo a bela fazendeira transformasse numa criatura horrenda. Os olhos tornam-se dois abismos negros, a face assume feições caninas, a boca escancarada exibe longas presas alvas, os braços alongam-se, as mãos convertem-se em garras e o corpo se recobre de escamas esverdeadas e pelos cinzentos.

- Prefiro que me chamem de devorador de homens. Responde a criatura no momento que suas garras deixam o corpo do capataz cair sobre a poça de sangue. “Vocês humanos são patéticos com seus rituais de nascimento e morte. Eles em nada alteram o que determina as leis da natureza: tudo que está vivo um dia morrerá. É um ciclo imutável, inabalável desde que o mundo é mundo. Mas vocês acreditam estarem acima dessas leis” urra o ser infernal. “Pois, não estão. Tudo que se move ou respira neste mundo ora é caçador, ora é caça, vai depender como se posiciona no caminho, essa é lei que eu sigo”. A criatura desliza-se para longe cadáver. “Assim sendo vocês não passam de alimento para caçadores como eu” complementa o ghûl. Um dos invasores permanece bloqueando a porta, única saída da cabana, enquanto o segundo acompanha os movimentos da criatura.

- Suas palavras em nada alteram a nossa missão. Você virá conosco vivo ou morto. Fala Elias que se encontra instalando diante da porta.

- Devem saber que suas ridículas armas não podem me ferir? Zomba a besta.

- Temos conhecimento sobre você mais do que imagina, cria do inferno. Responde Samuel que acompanha os movimentos da fera.

Então, algo ultrapassa a porta de entrada e salta sobre Elias. Samuel corre para ajudar o irmão, mas o ghûl acerta-lhe um golpe no peito que o faz chocar-se contra a parede. Elias, tendo a mão protegida por uma grossa luva, desfere um soco no agressor afastando-o o tempo suficiente para erguer-se. A sua frente está o Draugr, a mesma criatura que ele havia decepado o braço. A coisa lhe parece maior e mais ameaçadora.

O ghûl aproxima-se do atordoado Samuel, que se encontra caído. O monstro ergue a garra direita visando o pescoço de sua vitima. Mas Samuel dispara um tiro certeiro no peito da fera fazendo-a cair em cima de uma mesa. No entanto, o ghûl rapidamente se põe de pé. A criatura urra enfurecida.

O Draugr com agilidade avança sobre Elias. A criatura com o braço que lhe resta despedaça a cadeira arremessada pelo irmão mais velho. Sua pele desprende-se dos músculos pútridos balançando ao lado do corpo feito um trapo velho. Elias dispara contra a cabeça da criatura. No entanto, erra, o Draugr sorri.

O papa-fígado se posiciona diante de Samuel, abrindo os braços, seus perversos olhos negros o fita. Dessa forma o ghûl bloqueia a sua passagem. O irmão caçula sente-se acuado. A besta parece saborear seu triunfo.

O morto vivo agarra Elias pelo pescoço que, precavidamente, o havia revestido com uma grossa gola de couro de anta. O Draug tenta furiosamente morder-lhe o rosto. Mas Elias com dificuldade segura seu rosto. Seu hálito pestilento infesta o ar ao redor de Elias.

- Ainda acha que pode me vencer, homenzinho? Zomba a besta do inferno. Quando a criatura salta sobre Samuel ele desvia-se e com violência a golpeia no braço com uma corda. O Ghûl cai enquanto um largo, extenso e dolorido rastro de fogo marca o local do golpe. Tomado pelo espanto a besta fita Samuel.

- Te avisei que sabíamos muita coisa a seu respeito. Se observar a sua pele nojenta verá que são versículos do Corão que eu gravei em você. Regozija-se o irmão caçula. A fera do inferno urra furiosamente e os papeis são invertidos. Agora é ela que tenta fugir enquanto Samuel a golpeia sem piedade. Num ato desesperado e angustiado o ghûl arrebenta uma das paredes de pau-a-pique. Atordoado corre na direção da mata mais próxima.

O Draug rosna feito um cão faminto sobre a face de Elias. Seus braços fraquejam enquanto o morto vivo parece tornar-se mais forte. Não mais que cinco centímetros o separam das mandíbulas do monstro. Nesse momento algo atinge a cabeça do Draug arremessando-a para longe de Elias. Ele rapidamente erguer-se e crava uma espada no peito do morto vivo fazendo com fique preso ao solo da cabana. Por mais que se debata o Draug não consegue erguer-se. Elias observa a cabeça há alguns metros adiante que ainda movimenta as mandíbulas.

- O que seria de você se eu não estivesse aqui, irmão?

- Eu tinha a situação sob controle. Se você não tivesse interrompido eu já o teria vencido, irmãozinho. Responde o carrancudo Elias. Samuel o fita com descrença. “Mas onde está o demônio?” indaga o irmão mais velho ao ver o buraco na parede.

- Lá fora! Responde Samuel.

- Que ele está lá fora eu sei, mas diga-me se conseguiu capturá-lo? Impacienta-se Elias. O irmão caçula sorri.

- Me acompanhe! Então os dois saem da cabana pela porta. A poucos metros da mata a criatura encontra-se envolta por uma grossa corda. Completamente subjugado o Ghûl permanece no solo. Ao tentar mover-se uma fumaça elevasse de sua pele fazendo-o grunhir de dor.

- Padre José acertou ao escrever as palavras do Corão nesta corda para capturar esse demônio. Comenta Elias.

- Essas coisas são originárias de terras islâmicas e a nossa Bíblia em nada significa para eles. A espada de prata também funcionou para segurar o Draug.

- Sim, mas agora temos trabalho a fazer. Vamos. Ordena Elias.

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O sol lançava os primeiros raios sobre a muralha da abadia quando o comboio aproximou-se dos portões. O clérigo que estava como sentinela ao portão assustou-se com a quantidade e o tamanho dos carroções. Eram três todos revestidos por placas metálicas, de ambos os lados havia uma cruz entalhada, suas rodas tinham aproximadamente dois metros de diâmetro, quatro robustos cavalos os puxavam. No carroção que lidera o comboio há um homem pequeno e de aparência frágil. Pelos trajes deduz que seja um padre.

Por mais estranheza que causasse a chegada do comboio permitiram sua passagem. Pois, o abade havia ordenado a sua entrada na abadia. O pequeno homem sorriu com gentileza para as sentinelas. Os carroções se dirigiram para trás da capela desaparecendo da vista de quem estava no portão e no pátio. O comboio para diante de dois homens.

- Bom dia, padre José. Fez boa viagem? Indaga o mais jovem dos homens.

- Dentro do possível, sim, meu filho! Ajude-me a descer, por favor. Pede o clérigo. Elias o atende prontamente. “Fico feliz em revê-los. Como estão?”

- Estamos bem! Mas vamos entrar para podermos conversar melhor. Fala Elias.

- Claro,claro! Responde padre José. Samuel empurra a porta do galpão. Apenas o velho clérigo e os dois irmãos ultrapassam o pórtico da entrada. O restante da comitiva permanece ao lado dos carroções.

O teto eleva-se a cinco metros do piso. As janelas no ponto mais alto dão passagem à luz matinal. No canto esquerdo uma figura retorcida e acuada tenta ocultar-se nas sombras.

- É este o papa fígado que assombrava esta região? Indaga o clérigo curvando-se para melhor observar a criatura demoníaca. O Ghûl tenta mover-se mas a corda e a dor o impedem. Resta-lhe resignar-se e permanecer imóvel.

- Sim! Pelos registros da abadia são mais ou menos uns cento e cinqüenta anos que ele se encontra por aqui. Responde Elias.

- Foi como o bispo Almeida suspeitou quando recebeu a carta do abade. Mas me contem o que aconteceu aqui. Sua eminência está preocupado. Pois, o senhor abade lhe enviou uma carta a pouco tempo na qual falava de mortos que caminham, o rapto de um respeitável membro da comunidade, uma criatura mitológica cometendo assassinatos e por aí vai.

- Não sabia que o senhor abade ficaria tão impressionado assim quando joguei sobre sua mesa a mão do draug. Fala Elias sem alterar-se. “Mas vamos esclarecer o que aconteceu aqui. Como eu disse o ghûl estava há muito tempo aqui neste local. Vivendo sem que nada o perturbasse”.

- Até que o respeitável coronel Augusto voltasse de sua viagem ao Haiti e trouxesse um honorável Bocor, ou feiticeiro, como nós o conhecemos. Em sua viagem por aquele país o coronel Augusto conheceu a religião vodu. Dentre as coisas que o encantou nesta crença foram à possibilidade de criar zumbis, mortos vivos. Acrescenta Samuel.

- Por que tal aberração o encantou assim? Indaga padre José.

- Ele pensou, assim eu suponho, que seriam ótimos escravos, uma vez que, como zumbis, não se rebelariam e fariam tudo que lhes ordenassem, já que suas almas pertenciam ao respeitável coronel. Responde Elias.

- Então o coronel Augusto trouxe este haitiano que lhe preparou uma poção e lhe ensinou as palavras encantadas para aprisionar as almas dos mortos. Que na verdade não estavam mortos. Apenas foram colocados num estado em que pareciam mortos, como acontece com quem é acometido por catalepsia patológica. Esclarece Samuel.

- Estão me dizendo que o coronel Augusto praticou feitiçaria?

- Não senhor! A poção que o Bocor preparou contém substâncias que levam as pessoas a este estado, as palavras do encantamento eram apenas encenação, um complemento. Assim sendo, ele escolhia os mais jovens e fortes para injetar esta poção. Algumas horas depois do velório ele ia até o cemitério e realizava o ritual para reviver o morto. Este por sua vez, acreditando estar morto, se comportava como um zumbi sem alma. Responde Elias.

- Mas como estas pessoas acreditavam que estavam mortos?

- Uma das características do ghûl é se transfigurar no morto que devorou. Constatamos que há inúmeros relatos de aldeões que avistaram mortos caminhando pela floresta. Assim os aldeões acreditam a muitos anos que é possível os mortos levantarem dos túmulos e caminharem por aí. Esclarece Elias.

- Faz parte das crenças dos aldeões daqui alguém ser transformado em morto-vivo, zumbi, ou, como é chamado por aqui, caminhante. Assim, uma vez despertados de seu sono acreditavam e agiam como tais criaturas. Complementa Samuel.

- Até agora consegui entender tudo que vocês explicaram, mas a presença do draug aqui no vilarejo ainda não compreendi?

- Bem, o ganancioso senhor Augusto com seus rituais profanos invadiu o território do ghul o que lhe irritou profundamente. Além do demônio ele atraiu a ira de muita gente ao provocar a falência de inúmeros fazendeiros da região. Então, a besta do inferno se transfigurou numa bela fazendeira seduziu o capataz, O qual também havia sido prejudicado pelo coronel, e arquitetou uma vingança. Fala Elias.

- O demônio conjurou do inferno o draug que em vida foi um rico fazendeiro da região tão ganancioso quanto o coronel. Ele também foi lesado pelo senhor Augusto. O ghûl acreditou que esta aberração seria forte o suficiente para eliminar o próspero fazendeiro, resguardando a sua identidade. Acrescenta Samuel.

- Vocês informaram que uma testemunha havia se deparado com mais um morto-vivo, ou caminhante, esse fato está relacionado com esse demônio?

- Não! O tal zumbi era primo da testemunha, o senhor Matias. Quando jovens eram muito amigos. Havia feito um juramento que em caso de morte aquele que sobrevivesse deveria cumprir determinadas promessas. Segundo Matias ele foi negligente e não cumpriu as promessas feitas. Assim o primo voltou do mundo dos mortos para cobrar a divida. Esclarece Samuel.

- E que fim deram a eles?

- O draug nós aprisionamos ao solo da cabana e a incendiamos. Só saímos de lá quando tudo havia sido reduzido a cinzas, como o senhor ordenou. Responde Elias.

- O outro eu encontrei na floresta e dei um tiro em sua cabeça. Ele estava definitivamente morto, mas por garantia também queimei o que restou dele. Fala Samuel.

- Bom trabalho! Mas como sabiam onde encontrar o ghûl?

- Bem, de certa forma foi o senhor abade que descobriu. Quando estávamos em sua sala ele indagou se tínhamos certeza de que o senhor Augusto estava vivo. Então me ocorreu que não havíamos visto entre os mortos o capataz. Fala Elias.

- Retornamos a fazenda e vasculhamos novamente o local é não encontramos nenhum vestígio do capataz. Conseguimos encontrar o rastro do draug até a cabana, a qual estava no ponto mais distante e isolado da propriedade. Acrescenta Samuel.

- Muito bom trabalho! Aqui está o pagamento pelo serviço prestado. Padre José entrega um pacote de moedas a Elias.

- O que farão com o senhor Augusto? Mesmo não praticando feitiçaria ele profanou túmulos, escravizou cristão e cometeu roubo. Indaga Elias.

- Sua iminência o bispo Almeida determinou que as terras roubadas fossem devolvidas aos seus legítimos donos ou herdeiros, que as famílias dos mortos sejam indenizadas e o confisco de bens e propriedades como penitência por seus atos pérfidos. O senhor Augusto concordou com essas exigências, ou teria que enfrentar o tribunal do santo oficio sob a acusação de heresia. Responde padre José.

- Mesmo sem dinheiro e poder ele poderá ainda utilizar seus conhecimentos para criar novos zumbis, como a Santa Igreja irá impedi-lo? Indaga Samuel.

- Meus filhos a Santa Igreja possui muitos olhos e tenha a certeza de que um estará voltado para o senhor Augusto vinte quatro horas por dia. Bem, mas deixemos o fazendeiro de lado, tenho uma longa viagem pela frente. Ajudem-me a levar este demônio até os carroções. Cada um segura um lado da corda que envolve o Ghûl arrastando-o rumo à saída.

Sannyon
Enviado por Sannyon em 20/06/2014
Reeditado em 20/06/2014
Código do texto: T4851772
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