Um gole para a morte - texto finalizado

__ Bill, seu bunda mole.

Chega de fazer hora e venha aqui me ajudar com o motor.

Foi dessa forma graciosa que o dono da mecânica mais badalada de Amarillo, Texas chamara seu assistente e amigo de longa data Bill Wesnes para o ajudar com aquele carro fudido.

"Carro fudido", pensou Bill, agora caminhando sob sol à pino na longa rota 66, a mais famosa de todo os Estados Unidos. Um título no mínimo pretensioso, mas não à-toa.

Palco de inúmeras locações hollywoodianas a 66 cortava o país ao meio na horizontal. Um verdadeiro sorriso no mapa rodoviário americano.

__ Aquele velho acha mesmo que aquela loja fracassada dos Maine ainda tem algum estoque de peças.

Bill era um cara legal.

Sim, para andar sete quilômetros pelo acostamento de uma das auto estradas mais longas e desérticas do país no auge dos seus quarenta e sete anos atrás de peças para a velha picape Chevrolet1958 do igualmente velho Davis, definitivamente era tarefa para alguém muito legal.

Uma hora e meia já se passara e a última coisa que Bill viu foi uma moçinha numa bicicleta verde desbotado.

Uma lufada quente de vento do deserto deu-se o trabalho de levantar a saia da garota ,algo que Bill quis fazer com os olhos. Nessas horas a natureza parecia ser bem generosa, pensou.

__ Peter precisa ver isso.

Aquele moleque não sabe que por aqui ainda tem umas belezinhas dessas a solta por aí, esperando para ser....

Ele parou.

A mais ou menos setecentos metros despontava o primeiro sinal de civilização, um galpão.

Um quadrado amarelo que parecia bambolear sob o efeito da miragem no asfalto quente, com uma plaquinha em cima informando alguma coisa longe demais para ser lida.

__ Até que enfim! Mais um pouco e essas malditas botas derretiam.

Ao se aproximar ficou ainda mais surpreso.

Ao invés de ver a costumeira placa vermelho gasto dos Maine, pôde ler numa placa azul em letras brancas: Rivera's Bar.

__ Mas que merd... é essa!

Que tipo de estabelecimento no meio do deserto teria um nome como aquele, tão chique.

Chique talvez não fosse a palavra certa, mas um tanto "diferente".

Desconfiado, Bill cuspiu no chão e caminhou até a entrada.

O fato de cuspir era um ato automático dos habitantes de Amarillo e talvez de todo o Texas, como usar talheres nas refeições era para todo mundo.

Meteu a mão na porta, que no mesmo instante berrou alguma coisa vindo da campainha instalada logo acima, que tinha como principal objetivo avisar a chegada de algum visitante - vulgo forasteiro, o que era raro.

Enquanto o olhar de Bill escaneava o local, suas pernas cansadas o conduziam pesarosamente até o balcão, onde duas figuras, que pareciam maracujás empoeirados, bebericavam alguma coisa destilada.

__ Saliva do Diabo, vai querer?

Falou o balconista, dono e único funcionário do lugar ao observar o olhar de Bill para as bebidas dos caras.

__ Na verdade, eu estava... estou procurando a Loja de peças Maine.

Não ficava aqui?

__ Rapaz, quanto tempo faz que você não pega a estrada? Eu tô aqui mais tempo que aqueles cactos lá do outro lado da pista.

__ Mas eu jurava que...

__ Pois é, te enganaram bonitinho.

Bill agradeceu com um gesto de cabeça desapontado e ia girando o corpo nos calcanhares quando o velhote soltou:

__ Agora que já tá aqui senta aí e toma alguma coisa. Você veio de longe, deve tá cansado.

__ Não ouvi nem barulho de carro.

Complementou o camarada recostado ao balcão, mostrando seus dois únicos dentes em um sorriso "convidativo".

__ Vim a pé, mereço uma parada mesmo. Trás uma daquelas... Qual é o nome mesmo?

Escolhendo uma das mesinhas Bill tirou o boné, espanando e colocando-o sobre ela.

Agora sentado, pôde avaliar melhor o lugar.

Ele jurava que nunca tinha visto aquele muquifo.

Por um momento torturou-se com a idéia de estar realmente velho demais para lembrar-se.

E embora sua memória talvez estivesse mesmo lhe pregando uma peça, alguma coisa naquele ambiente não cheirava bem.

" E não é uma raposa morta.

Algo nesse lugar está errado, muito errado."

Foi então que notou melhor o outro homem no balcão, esparramado na cadeira com a pança caindo quase pelas pernas, querendo ceder a ação da gravidade.

O homem apenas o fitou e então virou o olhar para os fundos do bar, o que levou Bill a fazer o mesmo.

Nada.

"Não tinha nada, só mais umas

mesas, cadeiras e uma porta que dava para o banheiro e outra para a cozinha... Ei, espere aí, o que..."

Uma menina passou correndo da cozinha para o banheiro.

"Uma menina passou?" Repetiu a mente de Bill.

Ele esfregou os olhos cansados, e olhou novamente.

" Não, você não vai sabotar o velho Bill sua mente idiota. Eu devo ter ficado tempo demais naquela desgraça de sol."

__ Você tá bem? - Interrompeu o dono do bar, colocando a pinga na mesa.

Demorou uns dois minutos para Bill encerrar a discussão que estava tendo com sua própria mente e dar-se conta do homem parado a sua frente olhando-o com uma expressão assustada, tendendo para o estranho.

__ Eu hein!

Saiu resmungando baixinho o velho homem enquanto Bill ficava levemente corado e tentava disfarçar bebericando a pinga.

__ Assim não! Tem que beber tudo de uma vez.

__Mas por que?

__ Você vai entender.

Repetiu o pançudo encostado no balcão. Um sorriso debochado na cara.

Bill levantou o copo e virou para dar aquela golada rápida, mas no último instante seus olhos se abriram e ele viu através do vidro do copo o vulto da menina.

Ela o encarou e então se esgueirou escorregadio novamente para o banheiro no momento em que Bill virou a bebida na garganta e bateu o copo com firmeza na mesa.

Então, com o coração acelerado, virou-se para os homens e disse:

__ Tem mais um funcionário aqui?

Os homens se entreolharam.

__ Não, eu sou o único.

As vezes o Jhonson aqui cisma de pegar um pano e me aju...

__ Mas eu vi alguém no seu banheiro.

Falou Bill, tentando controlar a voz.

Nesse momento o pançudo esparramado na cadeira gargalhou alto e começou a tossir logo em seguida, transformando a risada em um grunhido de um leitão sendo degolado.

__ Mas essa aí é uma beleza mesmo - disse, pegando a garrafa de saliva do diabo na mão.

__ Já fez efeito rapidinho hein colega.

" Davis deve tá xingando até a minha mãe uma hora dessas."

Lembrou-se Bill levantando e colocando um dólar debaixo do copo.

__ Pois é, bebida boa mesmo.

Agora, se me dão licença preciso encontrar a loja de peças.

Pegou o boné e o recolocou na cabeça.

Foi aí que viu um lagartixa no ombro do velho balconista.

Na verdade, Bill só tinha visto o rabo dela, que se balançou devagar e encostou levemente no rosto do homem.

Mas o rabo era longo demais.

Foi aí que Bill arregalou os olhos.

"Cadê o resto do bicho?"

Ele ficou esperando aparecer o que seria o restante do réptil, mas no entanto o que viu foi mais bizarro do que a visão do seu amigo Davis nu, preso na privada do banheiro da mecânica.

O rabo parecia encontrar-se com a coluna do homem e a pele ali era viscosa e enrugada.

De repente a ponta do rabo chicoteou e desapareceu nas costas dele.

"Maldita pinga, agora estou vendo coisas também."

Tentando afastar aqueles pensamentos Bill foi caminhando em direção a porta e girou a maçaneta.

Nada.

Girou de novo e nada. A porta estava fechada.

__ Ei, eu já paguei.

Falou Bill enquanto se virava novamente para os homens no balcão.

_ Nós sabemos.

Balbuciou baixinho o velho pançudo que continuava sentado.

Agora Bill pôde vê-lo melhor.

Em meio a penumbra do balcão mal iluminado dois olhos de um amarelo vivo o fitavam.

Um sorriso largo cheio de dentes afiados desenhou-se até o queixo do homem, abrindo-o e arrombando-lhe a cara toda.

A abundante saliva que escorria por entre a mistura de carne e dentes pingou no chão do bar, fazendo um pequeno buraco e formando fumaça.

A criatura, antes no banheiro, esgueirou-se pela escuridão e protegeu-se atrás das pernas do homem com a bocarra aberta.

Observando Bill com olhos curiosos o pequeno ser emitiu um chiado alto e gutural.

Tudo escureceu.

Na mecânica o velho Davis olhava impacientemente na direção da estrada, por onde seu amigo Bill Wesnes saíra a três horas atrás para comprar peças para o motor.

No céu tímidas nuvens vinham do norte.

E um objeto iluminado levantou poeira um ponto abaixo da linha do horizonte, na direção da loja de peças.

Duas luzes cintilaram enquanto o objeto subia até as nuvens com um zumbido de fundo.

E então com um clarão e uma velocidade estonteante, desapareceu.

Vinny Barros
Enviado por Vinny Barros em 09/07/2014
Reeditado em 09/08/2014
Código do texto: T4875936
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.