Pasta de Dente de Hortelã - DTRL 19 - Republicação

Caro Leitor, antes que você comece a ler este texto, devo fazer algumas considerações: primeiramente, têm sido muito bom e gratificante participar de todas as edições que consegui do DTRL, com isso, sei que cresci muito e criei alguns contos dos quais gosto muito.

Agradeço, é claro, a vocês por isso: meus críticos literários, sempre segurando uma tocha, apontando o norte.

Em segundo lugar, este texto é uma republicação. Com o final de semestre, as duas semanas seguintes serão lotadas de provas (me preocupo especialmente com Calculo B e Algebra Linear), então, peço desculpas por não estar trazendo um texto original. É um conto pequeno, simples, mas espero que gostem.

Não recomendo que leiam antes de dormir, se forem facilmente impressionáveis. Bem, boa leitura!

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Está lá, no canto dos seus olhos, o lugar onde você nunca olha, que sempre deixa passar batido. Você entra em seu quarto, já é tarde, abre a porta e contempla a escuridão do ambiente, o silêncio perturbador que ensurdece e comprime cada resquício de coragem que possui e os esconde num canto remoto do seu cérebro. O medo toma conta, seus pés descalços no chão frio, seu pijama sujo de pasta-de-dente de hortelã. O irritante barulho da porta terminando de se abrir quebra o silêncio, um clarão ilumina a escuridão, e o vento que entra pela janela faz as cortinas se balançarem, causando em você um arrepio.

Mesmo sabendo que é apenas o vento, seu coração dispara. O que foi isso? Os pulsos agora aparecem com mais frequência, mais intensos, desregulados. Você ainda se nega a olhar ao lugar onde nunca irá olhar. Nunca houve nada lá, não é mesmo? Não é mesmo...?

Sente um frio em seu pescoço, todos os seus pelos se eriçam, num tremor gradual. Receoso, pensa em olhar pra trás. Por que? Virando-se, muito lentamente, como se tentando adiar algo inevitável você prende a respiração. O alívio vem quando o fato – você sempre soube disso, lá no fundo, sempre soube – de que não havia nada, a não ser sua imaginação, mostra-se verdadeiro. Apenas nada no escuro. Mais relaxado, você se vira novamente. O quarto totalmente escuro o contempla, como se desafiasse: entre.

Mas ainda se nega a entrar. Sua escova de dentes está em suas mãos, que tremem, não somente pelo frio. Algo se move dentro do quarto, é possível ouvir o ruído gerado pelo movimento, semelhante ao som de giz sendo raspado no quadro negro. Da escada que leva ao primeiro andar, um rangido ecoa.

Nheeeeeeec... e vai morrendo, suave, quase se negando a deixar de existir.

Com o coração na boca, num ato desesperado, dá-se início à uma corrida, os olhos fechados para evitar qualquer imprevisto. Perto da cama, um último trovão ronca no céu e toma conta de tudo, um suspiro escapa e, ao fechar a boca, morde a língua e sente o sangue quente, amargo. Antes que possa subir na cama, percebe algo se mexendo perto dos seus pés, fica imóvel, paralisado, incapaz. Algo, que na situação seria impossível distinguir o quê, agarra suas pernas. Consegue se livrar com um chute, bem aplicado, e põe-se a caminhar de costas. Debaixo da cama, sai uma menina, o rosto com alguns hematomas e cicatrizes, tinha uma expressão vazia, triste, os olhos carregados fitavam-no.

-Venha brincar comigo, vêm... – sussurra numa voz fria, baixa, mas que parece penetrar cada milímetro em sua mente. – Eu gosto de brincar, e não tenho quem brinque comigo... Mamãe sempre me disse que não sol normal.

A última palavra foi pronunciada com tristeza, como se uma maldição estivesse sendo proferida.

Ainda caminhando para trás, olhos fixos na aberração a frente, não consegue notar que o fim do quarto se aproxima, dando lugar à grande janela, apenas a vinte centímetros do chão. Sufocando o grito que nunca saiu, o último e derradeiro pensamento é: Esqueci de guardar a escova de dentes...

Com o barulho da pancada, o pai e a mãe acordaram. A perícia, no atestado de óbito, afirmou com cem por cento de certeza que Alisson caiu do quarto quando voltava do banheiro – onde escovava os dentes -, ao tentar fechar a janela. Era a terceira criança cuja morte havia sido registrada naquela semana. Não seria a última.

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Você chegou ao final da leitura, Caro Leitor. Espero que tenha se divertido, e sentido tanto medo quanto eu senti quando o escrevi. O tema, como deve ter notado, é escuridão.

Boas festas para todos. Um final de ano maravilhoso é o que vos desejo. Até ano que vem, e que venham muitas outras histórias!

Com carinho para com todos,

Miguel Bernardi
Enviado por Miguel Bernardi em 26/11/2014
Reeditado em 18/12/2014
Código do texto: T5049137
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