2095.1847 - Um Instante Preso no Tempo

12h50min. 36s.

Antonia atravessou a praça, em sua mão esquerda uma rosa vermelha que exalava um delicioso perfume, na outra um comprido punhal, e pelo sangue que escorria, acabara de ser usado.

Os belos olhos castanhos cheios de lagrimas, derramavam dor genuína.

Os poucos casais freqüentadores da praça, fugiram em desespero.

Antonia usava um corpete de gorgorão amarelo, manchado de sangue na altura do busto.

Seu vestido lembrava aqueles usados pelas nobres brasileiras na metade do século XIX.

As pessoas até o reconheceriam, considerando que tivessem vivido o bastante para ter visto um traje destes.

Meu nome é Saturno, e acredite ou não eu sou um vampiro, meio índio de cabelos negros e compridos; capitão da policia corporativa e estamos no século XXI, final do ano de 2095.

- Capitão! Temos as ultimas impressões mentais das testemunhas. – avisou o jovem recruta.

Ele parecia nervoso, mas a maioria ficava perto de vampiros.

- Seu biofone. – ordenou o filho da noite.

- Claro Senhor. – obedeceu prontamente o jovem.

O índio abriu o aparelho comunicador, um pequeno retângulo holográfico surgiu no ar, e ele disse um código.

- Alô. – Respondeu uma voz feminina.

- Boa tarde Ângela. – Sorriu ele ativando a função de imagem.

No outro lado do mundo a garota sorriu seus caninos de um branco muito alvo, como o vampiro se lembrava dela a mais de 120 anos.

- Salve Lúcifer! – Disse ela.

- Ora, isto é uma bobagem, e você sabe muito bem! – reclamou o jovem de longos cabelos negros, azedo.

O recruta estremeceu e o capitão o examinou por alguns instantes.

- Dispensado. – avisou.

- Sim Senhor. – respondeu o rapaz saindo prontamente da sala.

Após pensar por um momento, o Noturno voltou sua atenção para a amada no biofone.

- Você sabe tanto quanto eu que essa devoção cega por Lúcifer não passa de idiotice. É como a paixão por Cristo no século passado. - disse o índio.

- Eu sei. Mas não deixa de ser divertido - riu Ângela.

- Cuidado Angel, não brinque com esses fanáticos. Eu fiz isso uma vez e quase me dei mal... – avisou pensativamente.

- É verdade, nós os vampiros só estamos a salvo pela crença de que somos filhos das trevas. – disse ela.

- Pô Ângela, quando você vai voltar? Tô louco pra agarrar esse corpo gelado...

Ela deu uma gostosa gargalhada.

- Logo que a gente definir a ajuda financeira para a África - afirmou ela.

- Bem, vou desconectar, tchau anjo. – mandou um beijo.

Levantou – se da cadeira, o coturno batendo contra o piso extremamente limpo.

Passando pelo recruta atirou-lhe o biofone distraidamente.

- Obrigado. - agradeceu.

Uma coisa de que gostava naquele destacamento, era o fato de que sendo um vampiro podia se vestir como bem entendesse.

Enquanto todos os soldados usavam o uniforme colado ao corpo, Saturno vestia jeans preto e camiseta de fibras inteligente estampado com o logo de uma banda da época. Never Crist. Lembrava um pouco o estilo das bandas de Black Metal de 1985.

- Boa tarde, Senhor. – saudou Saturno.

- Porque você nunca saúda à Lúcifer? – perguntou o general.

- Desculpe senhor, é que eu sou das antigas... – respondeu cautelosamente.

- Hum... Sei. Bem, algo novo no caso da aparição? – quis saber o militar.

- A aparição durou aproximadamente um minuto e vinte e oito segundos, mulher com cerca de trinta anos, usando vestido e acessório comuns à época da segunda metade do século XIX... – ia dizendo o capitão.

-Alguma conhecida sua? – dito isso o general caiu na gargalhada.

Aquilo realmente enfureceu o índio, que se limitou a responder:

- Escuta aqui! Enquanto você estava no saco do seu avô, eu já andava por aí caçando gente, e enquanto Lúcifer não passava de uma piada eu já era um dos filhos dele!

O rosto do velho militar ficou vermelho, uma veia saltou em sua testa.

- VOCÊ NÃO PODE FALAR... – principiou a gritar o general.

Os dentes do vampiro cresceram, seus olhos ficaram sinistramente vermelhos, e apontando o dedo, foi com voz rouca que disse:

- CALABOCA SEU CUZÃO! Ou quer que todos saibam quem é a boneca do quartel à noite?

Passando em instantes do vermelho ao branco, o general sentou vagarosamente na poltrona anatomicamente moldada.

- Di-Dispensado. – gaguejou com esforço.

Saturno partiu batendo a porta com tanta força que o vidro veio abaixo.

Horas mais tarde uma equipe chegou à praça, no distrito E-18 antigo bairro do Ermelino Matarazzo, São Paulo.

- Preparem todo o equipamento. – ordenou o índio.

Após quarenta minutos de preparativos e revisão começou o jogo de paciência.

- Qual foi à hora da aparição? – quis saber o capitão.

- Doze horas, cinqüenta minutos e trinta e seis segundos. Por seis dias consecutivos - respondeu prontamente um soldado.

Com uma musica do Scorpions na cabeça, avisou aos seus subordinados que ia dar uma volta.

Lembrou – se de quando aquele distrito era somente um imenso vazio em 1800, os primeiros casarões no fim do século XIX e a melhor época em 1990.

A decadência do lugar era impressionante.

Saturno acendia um baseado quando algo chamou sua atenção:

Três delinqüentes agarravam uma menina de aproximadamente doze anos.

- Vem cá gatinha! – gritou um agarrando-a pelo braço.

- Passa essa sacola agora! – ordenou outro.

Em um instante o filho da noite estava próximo a eles.

Infelizmente seria obrigado a descrever em relatório seus atos, mas a diversão compensava.

- Ei caras! Que tal deixar a garotinha em paz?- o índio tragou o baseado.

- Aí maconhero, pru que cê não cai fora?- avisou o maior puxando uma arma.

Saturno se moveu passando por eles, algo brilhou no ar, e a mão junto com a arma caiu no chão.

O ladrão berrou, segurando o toco do braço que jorrava sangue.

- Merda!- gritou outro bandido empurrando a garota e sacando uma escopeta do pesado casaco.

O vampiro deixou-se acertar no estomago, o impacto o atirou longe.

- Uau! Eu detonei ele!- gritou alegremente o marginal.

Logo em seguida vindo por trás, uma risada gutural e um lampejo de dor.

O criminoso tombou. Aberto de cima a baixo como um porco por um punhal afiado.

- Sai fora ou por Lúcifer eu mato essa mina! – gritou o último em tom de desespero.

O Noturno soltou uma risada sinistramente fria e comprida.

- E será que eu não vou sacrificar os dois?

Vendo os olhos vermelhos e os dentes de Saturno, o bandido largou a menina.

- Ei! Me transforma em vampiro!- implorou ajoelhando-se, expondo o pescoço à sede do monstro.

O índio se aproximou lentamente envolvendo o criminoso, seus dentes quase tocando a jugular submissa.

- Ah saco! Assim não tem graça. – suspirou.

Tirando um par de algemas de dentro da jaqueta prendeu o ladrão na grade de uma casa.

Voltou-se para a garotinha.

- Pronto mocinha. Não precisa agradecer.

- Sabia que você é um gatão? – perguntou a menina para seu espanto.

Sem cerimônia enfiou a mão por dentro de sua calça apertando sua bunda gelada.

- Ann... Com licença!- Saturno livrou-se do seu abraço partindo quase correndo.

- Ei vampirão, quando quiser um sanguinho quente me procura tá?- gritou ela ao longe.

O capitão correu de volta à praça, não podia acreditar em como a criançada estava ficando ousada.

- Falta apenas 5 minutos Senhor!- avisou um soldado.

- Quero a aparição gravada e analisada nos mínimos detalhes. – ordenou.

Era doze e quarenta e nove a equipe estava ansiosa pelo começo da experiência.

A estória que corria de boca em boca, é de que se tratava do fantasma de uma assassina.

Toda a aparelhagem estava ligada e pronta.

Todos olhavam para o ponto onde ela deveria aparecer.

Sem decepcionar ninguém lá estava ela, andando meio trôpega, as lagrimas escorriam livremente em seu rosto.

- Analise de calor: -13 graus, baixa demais para seres humanos.

- Densidade corporal: 000,0000001 g/ml inexistente para um ser vivo.

- Vestuário e expressões corporais: sem duvida século XIX.

- A aparição esta seguindo o mesmo padrão de... Espere. Ela está nos olhando?!

Toda a equipe moveu sua atenção para a praça, de onde a fantasma olhava fixamente para eles.

Foi quando ela fez algo que nunca havia feito antes: gritou!

- Saturno! Demônio desgraçado! – urrou a fantasma.

O filho da noite franziu a testa, vendo a aparição flutuar em sua direção.

A equipe de soldados, apavorada, correu para longe de seu capitão.

Ele riu e, cruzando os braços esperou o ataque da fantasma.

- Vai me cortar Gasparzinha?

Quando olhou o punhal que ela carregava, notou que havia iniciais gravados na lâmina.

A aparição atravessou o pescoço do vampiro que berrou de susto e dor.

Não acreditou no sangue que escorreu em suas mãos.

- Merda! Como você fez isso?

- Agora você morre demônio. – ela avisou preparando um novo golpe.

O índio tremeu acreditando ser aquele seu fim.

A aparição enfiou o punhal profundamente no peito dele.

Apesar de sentir a lâmina fria, Saturno abriu os olhos no momento exato em que a fantasma se desvanecia.

- Matarei a ti, demônio assassino... – avisou com ódio no olhar.

O capitão caiu ajoelhado, suspirando profundamente; os soldados o observavam esperando uma posição.

- Recolham os equipamentos. – ordenou ele tirando a mão do ferimento que cicatrizava rapidamente.

Os soldados o olhavam com certo descrédito.

- JÁ! – gritou com o rosto transfigurado.

Desmontaram e recolheram o equipamento com grande pressa, em sete minutos voltaram para a base no distrito N -25 antiga São Bernardo do Campo.

Apesar de ser dia alto na África o índio insistiu em conversar com Ângela.

- Sa. Eu sei que você tá com saudades minha, mas eu ainda não tolero o dia como você! – riu a vampira bamba de sono.

- Isto não tem nada a ver com saudades. Preciso que você volte já!

Sentindo que o assunto era sério, ela tentou ficar alerta.

- Não posso! Como embaixadora do Estado do Brasil eu... – começou ela séria.

- Escuta aqui garota, eu quase morri ontem. Quero você aqui JÁ! – gritou ele.

- Sim Senhor! – Ângela bateu continência e interrompeu a transmissão.

Notou o rancor na voz dela e ficou muito triste, pois a amava de coração.

Ângela ocupava um posto político infinitamente superior a ele, mas sempre seria inferior como vampira.

Mas precisava dela, pois não confiava em ninguém para o que iria tentar.

Às oito horas da noite foi avisado de que a embaixatriz Ângela acabara de teleportar.

Saturno foi ao seu encontro e esperou enquanto os técnicos faziam à varredura quântica para checar qualquer anomalia.

- Oi Angel. Podemos conversar? – perguntou ele tentando amenizar sua mancada.

- Boa noite, Senhor capitão. Logo entregarei meu relatório. – avisou seca.

Não discutiu, pois sabia que mais tarde ela lhe daria razão.

Ao ler o relatório de garota elogiou sua atuação e, a pôs a par dos acontecimentos.

Ângela, aquela fantasma quase me matou! E pretende me caçar até me achar. - esclareceu Saturno.

- Como você é exagerado! Provavelmente a aparição te atacou por você estar muito perto. – disse a garota meio entediada.

- Matei o marido dela. – disse ele soturnamente.

- Quê? Como você sabe? – quis saber a garota, já mais interessada.

- Vou te contar o básico: o marido dela era um dono de terras e um rival me contratou para matá-lo. Eu fiz o serviço. – resumiu o filho da noite logo completando. – Preciso de você para um salto.

Os olhos de Ângela se arregalaram por um momento, logo em seguida a jovem assumiu uma atitude de reprovação.

- Você está LOUCO? – O salto no tempo mal foi testado, e NUNCA, em vampiros!- gritou ela.

- Tem razão. Por isso preciso de você. – respondeu ele calmamente.

Os dias seguintes foram de testes e preparativos, para o primeiro salto no tempo de um filho das trevas.

- Finalmente. Agora é só viajar! – disse ele.

- Ainda não! Nós temos que pensar em alguns ajustes: se seguirmos o padrão humanos/cobaia, teremos dois problemas. – avisou a jovem.

- E quais seriam? – quis saber o índio.

- Dia e hora. – avisou laconicamente.

- Como assim? – o vampiro começou a ficar impaciente.

- As cobaias nem sempre chegam no horário programado. – em seus olhos ele pôde ver sombra de preocupação.

- Merda. – sussurrou Saturno baixinho.

- Você pode chegar lá em pleno meio-dia, com uma semana de antecedência... Ou atraso. – Ângela analisava os dados que chegavam enquanto explicava.

O capitão Saturno pensou alguns instantes e logo decidiu:

- Droga. Me mande uma semana antes e com o uniforme completo!

Ela escutou algo no fone implantado em seu córtex.

- Sem uniforme. Sua simples presença no passado pode alterar sensivelmente a História, se perder uma peça que for, corre o risco de alterar o maravilhoso presente de nossos superiores. – avisou apontando a microcâmera que gravava a conversa.

- Entendo – disse ele coçando a cabeça – Bem, que proteção eu tenho?

- Nenhuma. O que posso fazer por você é mandá-lo uma semana antes à meia-noite. – avisou a vampira.

- Ótimo. Gostaria de saltar amanhã mesmo. - disse ele resoluto.

Durante o dia no escuro absoluto com Ângela nua ao seu lado, Saturno dormia, tentando preservar sua força máxima.

Mesmo mudando diariamente de endereço, podia sentir a fantasma aproximando-se cada vez mais, querendo saciar sua sede de vingança.

Tudo estava pronto para o salto no tempo, o capitão deitou nu sobre uma plataforma asséptica, e logo um soldado-técnico aproximou-se com uma máquina de raspar cabelos.

- Que merda é essa? Pode cair fora com isso!- gritou o índio.

- Desculpe Senhor. Precisamos raspar. – tremeu o soldado.

- Eu disse NÃO! CAI FORA!- gritou mais irritado ainda.

Ante o olhar de Ângela o soldado aquiesceu.

Pouco depois untaram seu corpo abundantemente com uma pasta amarronzada, de cheiro sintético.

Saturno olhou para Ângela através do monitor.

- Isto é necessário. Protege o corpo humano do atrito durante o salto. – explicou ela.

- Não sou humano. O que isto vai fazer comigo? – perguntou.

Todos se entreolharam preocupados, ninguém sabia o que dizer.

Ela lhe mostrou uma pequena máquina, do tamanho de um punho.

- Isto vai te trazer de volta daqui a seis horas. Droga. Onde esta a anestesia para implantar o dispositivo? – chamou a vampira.

- Um instante doutora. – disse o auxiliar procurando.

Procuraram por alguns minutos e o imortal começou a ficar irritado.

Saturno cravou as garras e rasgou profundamente a própria carne, depois abriu seu peito com as duas mãos, deixando o coração exposto.

Alguns recrutas vomitaram, outros estremeceram.

A vampira sorriu.

- Se mostrando pra criançada?

- Só pra você, amor. – divertiu-se enquanto ela colocava o equipamento em seu corpo.

As suturas necessárias foram feitas.

- Carregando. – disse a garota, tensa.

Todos se afastaram, começando a ajustar os controles.

O vampiro sorria, pois logo seu problema seria resolvido, não haveria mais aparição alguma.

Derrepente algo estranho.

Todos notaram uma presença no ar.

- RÁPIDO! Ela está aqui! – gritou

A fantasma descoberta começou a se formar do nada, no meio da sala.

Os soldados largaram seus postos, correndo em todas as direções.

- ACIONE ÂNGELA!-gritou o índio.

A aparição estava sobre ele, preparando o golpe fatal.

O capitão olhou para a beleza de sua amada.

Desejou que voltando ao passado não aparecesse no sol a pino, ou apenas o equipamento retornaria ao futuro.

A garota acionou o gatilho com um adeus silencioso.

Tudo aconteceu muito rápido.

Uma luz ofuscante tomou conta de seu corpo, que se desfez em trilhões de átomos.

Com um silvo agudo cortando o ar ele sumiu desta realidade.

Atirado em um buraco sem fim.

Esta foi à sensação do vampiro, seu corpo parecia encolher e esticar ao mesmo tempo.

A dor ficou insuportável, quando seu corpo foi remontado célula a célula na chegada.

Pode parecer uma contradição, mas a viagem parecia ao mesmo tempo infinitamente longa e extremamente curta ao mesmo tempo.

Saturno olhava às estrelas, eram tantas e tão bela que só podia estar no passado.

A tela de proteção instalada em 2022 em volta do planeta, com o colapso da camada de ozônio escondia as estrelas.

Seu sentido vampírico lhe dizia que o dia chegaria em breve.

Cavou no terreno lamacento e dormiu nas profundezas o dia inteiro.

À noite emergiu e tomou um banho no rio.

Agora era buscar a civilização.

Depois de caminhar algumas horas sentiu coceiras violentas por todo o corpo, notou gordas bolhas formando-se sob sua pele.

Algo estranho dentro do seu corpo estava sendo dolorosamente forçado para fora.

Furou uma bolha com sua unha afiada, um líquido amarronzado escorreu.

- “Que será isso?” – pensou.

Derrepente lembrou-se daquele cheiro sintético.

- “Aquela bosta de pasta, de algum modo, se misturou com meu corpo.” - pensou ele.

Agora o produto estava sendo expelido.

- “Quando contar pra Angel, ela vai rachar o bico.” – riu-se.

Passou o resto do caminho estourando bolhas.

Na escuridão absoluta apenas quebrada pelo brilho das estrelas,

Saturno observou a silhueta de algumas pobres choupanas contra o céu noturno.

Um pressentimento estranho o fez dar um passo atrás.

Bem na hora.

Uma mão fantasmagórica surgiu do nada; um ataque que pegou o vampiro desprevenido de raspão.

O fantasma de Antonia, de alguma maneira tinha lhe seguido.

- Surpreso demônio? Tu mataste meu amado, agora és hora da vingança. – disse a aparição revelando-se por inteiro.

O corte não chegou a afetar o índio, que dando uma cambalhota para trás fugiu do alcance da fantasma.

Pegando um galho quebrado tentou se defender.

Em um descuido da fantasma, conseguiu desarma-la atirando seu punhal longe.

A arma sumiu no ar tornando a se materializar na mão de Antonia.

- Ô MERDA!- gritou o vampiro.

Começou a correr em direção da vila, perseguido de perto pela fantasma.

Logo a aparição não pode mais manter a forma e começou a sumir.

Mas antes de desaparecer completamente avisou:

- Eu te pegarei assassino desgraçado.

Se estivesse vivo provavelmente seu coração bateria descompassadamente.

Antes de entrar na vila roubou alguns trapos estendidos no chão.

Bateu palmas na porta de uma casa.

- Boas noites meo sinhô, sô um andarilho... – começou a dizer Saturno, tentando se lembrar da linguagem da época.

- Discurpa meo bom homi, mais nois é genti humildi e nada posso fazê por voismece. – respondeu o homem amedrontado.

Se fosse alguns séculos mais novo, mataria o homem e todos dentro da casa, mas os anos lhe ensinaram a ser mais sutil.

- Não estou pedindo. Estou mandando. – disse o vampiro os olhos emitindo um leve brilho avermelhado.

Alguns minutos depois saia da casa com uma roupa simples, mas melhor do que os trapos que vestia.

Usando o hipnotismo recebeu ainda uma explicação detalhada de como chegar à fazenda do Senhor Adhemar Borges de Lima. O homem que assassinara.

Andando a pé na escuridão, lembrou-se do Brasil na época do século XIX.

Fervilhante, viva, feliz. Algo que os humanos nunca entenderiam.

O século XXI era decadente e sombrio. Um saco.

Quase nos limites da cidade de São Paulo, foi atacado por três homens que exigiam dinheiro.

- Vocês chegaram bem na hora. Estava faminto. – disse o índio de longos cabelos negros.

Os três homens se entreolharam.

- Na hora? O caboclo tá doido. – riu-se um deles de facão em punho.

O sorriso deles sumiu quando Saturno pulou sobre o pescoço do mais próximo.

O bandido gritou um pouco e logo parou, seus companheiros fugiram cada um para uma direção contrária.

Assim era mais difícil caça-los.

-“Espertos”. – pensou o imortal.

Cortou com as garras o pescoço de sua vítima, logo indo à perseguição aos outros.

Ouviu a respiração ofegante do homem atrás de um emaranhado de vegetação.

Pulando de arvore em arvore, Saturno resolveu ataca-lo por cima.

O ladrão pensava estar protegido pela escuridão, quando o vampiro puxou rapidamente o machado dele.

Quando olhou espantado para cima a ultima coisa que viu foi o índio sorrindo.

Logo em seguida teve o crânio partido.

O último deles entrou na água, seu cheiro sumiu no rio.

- “Garoto esperto, merece viver mais um pouco.” - pensou o vampiro.

Continuou seguindo o rio até ele se juntar ao Tiête.

Estava na cidade de São Paulo.

- Preciso saber que droga de dia é hoje. – sussurrou preocupado.

A manhã se aproximava velozmente e ele precisava se esconder, e talvez dormir um pouco.

O porão de uma loja no Bairro da Luz teria que servir.

Aquele dia passou lento para o vampiro ansioso.

À noite vestiu uma roupa toda preta e uma comprida capa, do mesmo modo como lembrava de ter se vestido naquela noite, séculos atrás.

Informou-se e descobriu que havia saltado para a noite certa.

Vinte de abril de 1847, a noite em que havia matado Adhemar Borges de Lima um rico senhor da cidade.

O vampiro começou a correr em direção ao Ypiranga.

Eram oito e pouco da noite, mataria o senhor Adhemar só às nove e meia o que lhe dava tempo de sobra para chegar lá.

Hipnotizou um condutor e entrou em uma carruagem.

Acostumado com a velocidade do século XXI, o andar do cavalo lhe dava sono.

Após se assustar com algo o animal começou a correr sem direção, logo tombando a carruagem.

- Porra! O que tá acontecendo?- gritou de dentro da cabine.

Não precisou de respostas, pois o ar ficou frio derrepente.

A fantasma estava se aproximando.

Saturno quebrou o teto da carruagem e fugiu o mais rápido possível.

- Droga. Ela só aparecia depois da meia-noite!- resmungou apreensivo.

Correu até chegar ao casarão eram nove horas da noite, logo tinha meia hora ainda.

Passou como uma sombra por vários aposentos até chegar ao quarto.

Camuflou-se de modo tão perfeito entre as trevas, que não poderia ser enxergado.

Pelo menos por ninguém humano.

Pouco depois o Sr. Adhemar e sua esposa Antonia entraram no aposento, tratando de assuntos banais à sua época.

Antonia pediu licença ao marido e foi para um espaço reservado.

O senhor Adhemar mal havia começado a tirar o pesado colete, quando ouviu passos atrás de si.

Apesar de assustado com o intruso pegou seu punhal sobre uma escrivaninha. Na lâmina estavam gravadas as iniciais A.B.L.

De perto notou os olhos vermelhos da estranha figura.

- Sai já d´qui. – gritou.

O vampiro sorriu seus caninos, protuberantes.

As mãos do Sr. Adhemar tremeram.

- É Adhemar... Acho q você andou contra os inter´sses do Barão Diogo.

- Di-Diogo? – gaguejou.

- É Sr. Adhemar... Até lhe mand´ria vossa senhoria rezar... Mas não crei no seu Deus! – disse Saturno.

O filho da noite do futuro observava seu “eu” passado, repetir diante dos seus olhos algo de que se lembrava ter feito.

O punhal do vampiro brilhou no ar, sendo o digníssimo Sr. Adhemar cortado do peito à barriga.

Quando a vida do coronel escapou entre seus dedos vampíricos, soltou o corpo que caiu pesadamente no chão.

Não satisfeito esquartejou o cadáver em minutos.

O Saturno do passado lambeu o punhal com gosto, virou-se para ir embora.

Antonia entrou nesse momento no quarto.

- Que barulheir´ssa Senhor meu marido? – perguntou ela.

Ela berrou de susto e dor vendo o esposo morto no chão, olhando para a janela viu o índio parado, observando-a.

- ASSASSINO! Mataste meu marido! – gritou ela chorando.

Ele deu de ombros.

- Tu não estás nos planos. – disse ele friamente.

No momento em que ia sair o Saturno do passado, sentiu um forte cheiro de vampiro no quarto.

Achou estranho, pois era seu próprio cheiro, porém diferente de algum modo.

Deu de ombros. Devia ser só impressão.

Saltou pela janela, sumindo na escuridão.

- Volta aqui demônio dos infernos! – gritou Antonia caindo de joelhos.

O vampiro lembrou-se daquele cheiro quando matou Adhemar e quase riu.

Saiu da parede indo de encontro à mulher.

- Eu sou Saturno. Matei seu marido sob ordens do Barão Diogo. - esclareceu ele.

Pegou o punhal caído no chão e enfiou no coração dela.

- Se quer se vingar, vingue-se do Barão Diogo. - avisou o vampiro do futuro.

Ele puxou o punhal e a mulher caiu lentamente no chão.

- NÃO. O Barão será punido, mas você também carrega culpa. – a aparição estava bem atrás dele.

- Merda! – gritou o imortal assustado.

Pensou que matando a mulher o fantasma sumiria ou mudaria de idéia.

Com seu punhal na mão tentava se defender de Antonia que voltou a ficar sólida.

Ainda ia demorar seis longas horas para o dispositivo implantado em seu peito leva-lo ao futuro.

A fantasma desarmou-o com um golpe certeiro.

Subindo as escadarias, os criados aproximavam-se velozmente para saber o que acontecia.

O vampiro pos a mão esquerda em frente ao rosto, e seus dedos saltaram decepados como salsichas.

Saturno gritou alto.

Pulando detrás de uma pesada cama de cerejeira, ele a levantou para tentar retardar o avanço da aparição.

Não poderia esperar seis horas.

Quando ela começou a atravessar a cama, aproveitou enquanto não estava sólida e rasgou o próprio peito.

Arrancou a maquininha de dentro de si lavando a roupa em seu sangue.

- Agora morrerás assassino e depois buscarei a alma do Barão Diogo – disse ela levantando o punhal.

- Acho que não Gasparzinha! – riu o vampiro com o peito aberto.

Apertou o botão e seu corpo começou a se desfazer em luz.

Desta vez Antonia não conseguiu pegar carona com o índio, e ela gritou de frustração sumindo em seguida.

Os criados abriram a pesada porta e viram um estrondoso clarão sumindo gradualmente.

- Pelo nosso Senhor Jesus Cristo! – berrou um deles.

Os corpos do Sr. Adhemar e da Sra. Antonia foram encontrados no quarto, sendo ela a principal suspeita.

Uma semana depois, em 1846 o Barão Diogo foi encontrado morto na cama, sua boca cheia de grãos de café.

Morte atribuída a negros escravos que foram assassinados no tronco.

O fantasma de Antonia perambula pelo casarão abandonado.

Ela senta em uma cama empoeirada, devorada pelos cupins.

- Minha vingança chegará quando ouvir teu nome, Saturno. Nessa hora despertarei. – disse sumindo lentamente.

O vento bateu as janelas do casarão mal-assombrado.

Século XXI, o vampiro apareceu na Base de São Bernardo do Campo, dentro do quartel dos satanistas.

Sentia dores terríveis e notou que seu corpo tinha se mesclado com as roupas do século dezenove.

- Saturno? Como você voltou? Não acionamos o equipamento! – disse Ângela.

- Eu acionei. – avisou o índio mostrando o peito aberto.

Reparou então que ninguém vestia o uniforme negro colado, todos estavam em trajes civis.

- Nada mudou... Você não conseguiu alterar o passado. – disse a vampira tristemente.

Ele olhou em volta e então tudo fez sentido:

Os satanistas não haviam dominado o planeta; o cristianismo não havia sido extinto e ele não fora ao passado eliminar uma aparição.

Saturno gargalhou.

- Do que esta rindo seu idiota? Gritou o homem que fora seu general antes do salto.

O imortal salta rasgando a garganta dele com as garras.

- Ei Angel, vamos cair fora! – avisou vestindo uma calça jeans.

- Mas Sa e a rebelião? Não vamos dominar o mundo? – espantou-se ela.

- Eles que se fodam!

Começou a puxar a vampira pelo braço.

- EI! PARE JÁ AÍ! – ordenou um deles.

O cara apontava uma arma de grosso calibre para os dois.

- Não pense que pode entrar e sair do grupo como se fosse ao holocinema! – gritou.

No instante seguinte, o vampiro estava junto a ele afastando a arma para outra direção.

O homem atirou acertando o maquinário, que explodiu.

Alguns satanistas ficaram em chamas ao serem atingidos pela explosão.

Saturno tirou seu punhal, cortando a garganta do cara.

- Meu. Sempre tive vontade de fazer isso! - riu o índio lambendo os dedos.

Diversas armas foram engatilhadas em sua direção.

- Se eu fosse vocês abaixaria as armas! – disse o filho da noite, ameaçador.

Todos abaixaram as armas, amedrontados, o vampiro pegou a mão de sua amante e saiu batendo a porta.

Ângela largou a mão dele, estupefata.

- Saturno você é doido? Há menos de um mês você queria entrar na rebelião!

Um dos satanistas saiu à janela do quartel.

- Filho das trevas hoje você ganhou inimigos, os servos de Lúcifer! – gritou.

Saturno deu muitas risadas.

- Eu estou te estranhando, você dizia que ia mudar o mundo. – disse ela acompanhando-o.

- Eu mudei Ângela. Mas só eu sei como... – respondeu ele misteriosamente.

12h50min. 36s.

No distrito J-01, antigo bairro do Ipiranga, entre ruínas, Antonia adormecida ainda espera.

FIM.

Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 02/06/2007
Código do texto: T510502
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