O homem de preto

Toda criança tem medo de algo, seja de bicho papão ou lobo mau. Mas o fato é que elas nunca viram tais seres, exceto algumas pessoas azaradas como eu. E isso me amedronta porque (a) estou maluco ou (b) tem mesmo alguém me olhando do canto do quarto neste exato instante.

Cubro minha cabeça, já trêmulo e suando de medo. Não sei o que faço; quero gritar minha mãe e pedir para ir dormir com ela, mas nem gritar eu consigo. Toda noite é assim: eu acordo sobressaltado e sem querer meu olhar fita aquele ponto específico do meu quarto e então eu vejo aqueles olhos brilhantes fixados em mim, juntamente com sua pele cinza é a única coisa que eu consigo identificar no meio da escuridão.

E depois que eu o vejo, sempre ouço passos e uma respiração pesada, meu coração acelera e eu começo a chorar em silêncio, até que o sinto parar em frente a minha cama, me encarando. E então, ouço vozes, várias ao mesmo tempo, de homens, mulheres e crianças saindo da boca dele.

Ele abruptamente para e tudo fica silencioso, até eu sentir ele me esmurrar várias vezes, começo a sentir muita dor e percebo que algo quente escorre de mim. Merda, estou sangrando. Mas estou paralisado, não há nada que eu possa fazer.

Eu levanto de repente, sem fôlego e trêmulo, no meu quarto escuro.

Não sou mais o garotinho daquela época. Já se passaram 20 anos e eu ainda tenho esses malditos sonhos.

Levanto, vou até a cozinha, bebo um copo de água e volto a deitar. Fecho os olhos.

Depois de duas horas mais ou menos eu acordo. Instintivamente me sento na cama e olho para o canto em que ele ficava em meu antigo quarto. Ele está lá. Pisco os olhos várias vezes, tentando saber se é uma ilusão. Não é. Continua ali.

Sem alternativas, eu deito e finalmente durmo. Vinte anos de tormento.

Nas noites seguintes, ele começa a querer se comunicar comigo novamente. Quando estou quase dormindo o vejo se aproximar de mim, saído de seu habitual canto. Quando ele chega a beira de minha cama, sempre se abaixa e sussurra algumas coisas em meu ouvido que nunca entendo e então eu começo a ter sonhos lúcidos.

São sempre antigas memórias de pessoas, às vezes do meu pai quando criança e de várias outras pessoas que também o viam. O quarto sempre mudava, mas o canto em que ele ficava era sempre o mesmo. Depois de passar as imagens das crianças, eram passadas imagens de adultos, sempre homens e sempre o mesmo tipo de comportamento da parte dele.

Na noite seguinte, não vou me deitar como de costume, quero dar um basta nisso, então começo a pesquisar alguns relatos parecidos com o meu na internet.

E conforme vou lendo, descubro que todas as pessoas que diziam ter visto ele, morreram tragicamente, seja por suicídio ou por acidente.

Inconformado, pesquisei mais a fundo e descobri que este ser, apesar de ter características de um “shadow people” não o é, e que estes são os mensageiros dele. A única coisa que se sabe é que este ser só faz contato com determinado gênero e que todos da mesma família sofrem disso, mas é sempre um por geração. Mas para o ciclo começar, alguém tem de fazer o ritual inicial de invocação, que consiste em a meia-noite em ponto, levantar-se, pegar uma tigela de prata com água benzida por um padre impuro, andar até um dos cantos do quarto, que deve ser apenas seu, ajoelhar-se e declarar: “Oh grande e poderoso Haliaquim, minha lealdade agora é sua, o sangue do meu sangue a partir de agora também é seu e tudo o que peço em troca é um lugar de poder junto ao teu.”

Após entoar estas palavras, bebe-se a toda a água e somente então, com três passos de costas, caminha-se de volta a cama.

Depois de ler este ritual, fiquei pensando em que tipo de brincadeira doentia seria aquela.

Não durmo a três dias pensando no que fazer em relação a isso, mas a única coisa que me ocorre é invocá-lo e tentar destruí-lo. Não quero que meu filho passe por isso.

Portanto, fui a uma loja esotérica e após conseguir todos os itens necessários, preparo-me para confrontá-lo.

Deixo a tigela e a água benta ao meu lado ao me deitar.

Quando estou quase dormindo, o vejo sair da escuridão e andar até mim:

-Não será necessário me chamar. Eis-me aqui. –Ele inclina-se e faz uma profunda mesura. –Se você lembrou como me chamar novamente, quer dizer que está pronto para que finalmente eu atenda seu humilde pedido.

-Não fiz pedido algum. Apenas quero que me deixe em paz.

O ser então estagna no lugar e me fita incrédulo:

-Ora, como assim? Você me invocou. Não sou eu quem o incomoda. Permita-me. –E ao dizer isso tocou, com a ponta de seus dedos, minha testa.

No momento, tudo veio como um clarão em minha mente e eu pude me lembrar do verão de 1316, quando pela primeira vez o chamei.

Eu era um bruxo experiente que estava pronto para desfrutar do poder supremo.

Então entendi que os homens que vi nos meus sonhos eram vidas passadas minhas em 1433, 1523, 1631, 1703, 1820, 1910 e agora, em 2009.

Pisquei os olhos, lembrando de tudo fascinado.

Olhei para Haliaquim, ainda a minha frente.

-Está pronto?

-Sim. Podemos ir? –Perguntei ansioso.

-Antes, apenas um aviso: eu preciso lhe matar. Corpos físicos não entram no reino de Assiah.

Então sem hesitar, me ajoelhei e disse:

-Como quiser meu mestre.

Almeida
Enviado por princesslove em 02/02/2015
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