O MOSTRO NO ESPELHO

O mostro do espelho


O dia havia acabado, a noite estava para começar e Mauro estava tranquilo, havia começado na enfermagem aquele semestre e parecia que tudo ia muito bem, tinha aquele tique nervoso , balançava a mão frequente e sabia que as pessoas percebiam, o hospital ficava na periferia, gente pobre vinha ali, a casta miserável do planeta, Mauro conseguiu o emprego na vaga de deficiente, mancava da perna esquerda, tinha a estatura baixa, um metro e cinquenta e escondia a cicatriz da face com uma barba espessa.
Não era supersticioso, mas sabia que a sexta feira treze não causava boa impressão nem mesmo aos céticos , tinha medo de conversa de espíritos, corria dessas conversas sobre o sobrenatural, quando lhe contaram sobre a maldição da sala dez ele escutou, mas ficou com um pavor de entrar lá, o problema é que as pessoas do seu trabalho consideravam Mauro esquisito e ele precisava provar o contrário, tinha que ter coragem.
A maldita sala dez , fica no canto, foi abandonada depois que um ar-condicionado pegou fogo. Ala pediátrica, lá se atendida as crianças que ficavam no repouso esperando a alta médica, ainda havia brinquedos e objetos infantis, mas o que mais chocava Mauro era o espelho quebrado no canto, porque não reformavam a tal sala?Retiravam o maldito espelho, toda vez que precisava ir naquela sala tinha impressão de ver alguém no espelho, uma mulher!
O vento frio e as nuvens cobriam aquele sexta feira de inquietação, duvidas e pavor no coração de Mauro. Ciente do seu dever , porém com as mão tremulas retirou o soro do ultimo paciente da sala de enfermagem, um bêbado, com olhos vermelhos e tatuagens confusas, naquele mesmo instante , uma colega de trabalho, uma menina seca de dentes afastados que trabalhava com ele e mal lhe dirigia a palavra, surrou palavras.
-Só sobrou o dez para você descansar – ela disse com um sorriso porco no face e acrescentou – você não tem medo daquela historia, têm?
Aquela historia!
Foi em 1980, quando o ar-condicionado pegou foco, a lenda contava que duas crianças morreram queimadas, uma delas tinha apenas três meses, ficaram trancadas lá quando todos correram tentando salvar as próprias vidas, quando perceberam o fogo elas já estavam mortas, a mãe foi salva, mas teria se matado dois anos depois.
-Nãoo tetenho medo – gaguejou as palavras, tinha raiva de ser gago, no entanto nenhum tratamento tinha funcionado.
-Ótimo.
Carregou o seu material de dormir pelo longo corredor até a sala dez, seu coração pulava , e as mãos estavam tremulas, pensou na sua mãe e no padrastos , nos tapas que levava na cabeça, cresceu em um meio bruto, agora ganhava o próprio dinheiro, a mãe havia morrido e o padrasto estava em uma clinica de repouso com demência, sentava lá na clinica do padrasto e comemorava o sofrimento dele, sonda, tubos, vômitos, dor , muita dor.
Ele teve um conversa sobre a sala dez uma vez com Oto.
-Contam que sai uma criança de dentro do espelho, meia podre meia queimando, coisa feia, ela se arrasta queimando tudo em volta, muita gente que dormiu ali já viu, muitos nem trabalham aqui, pediram pra sair – disse Oto , o cara da manutenção, um dos poucos que falava com Mauro – é o demônio que habita ali, uma coisa muito ruim, eu não entro lá.
-Não acredito niiissso – disse Mauro, mas acreditava, em seus sonhos via uma criatura de rabo que a perseguia e que tinha a face do padrasto, em todos os sonhos ele matava a criatura.
-Por que eles não derrubaram a sala – disse Kleber, um enfermeiro chefe que fumava maconha escondido.
-Serviço publico, burocracia – disse Oto.
Os passos de Mauro não vacilavam, porém sentiu um aperto no peito quando viu a sala dez com sua porta manchada de preto.
A maçaneta fria, girou e tudo que viu dentro foi alguns objetos no chão, uma boneca, um par de lápis vermelho e roupas de criança e uma maca velha com seu colchão mofado, o espelho estava quebra no meio e refletia a imagem distorcida de Mauro, a sala estava escura e a pouca luz que entrava vinha do corredor central, havia um zumbido eterno vindo da sala de maquinas que ficava bem atrás da sala dez, parecia um miado um grito de criança...
Mauro deitou no chão mesmo, encolheu-se como um bebê e ficou a murmurar orações que mal entendia, depois parou, sentiu uma calma , perfume de rosas.
A sua madrinha Filomena disse uma vez.
-Não se brinca com espirito de criança.
Os pensamentos invadiam a sua cabeça e ele não conseguia dormir, escutava o barulho a sua volta, parecia agora uma musica, balançava as mão e seu pé estava muito frio, sentia que um suor gelado descia de sua testa até correr pela barba, faltava três horas.
Ouviu a voz da madrinha novamente.
-Quando o espirito sai tudo esfria.
Caiu no sono.
Acordou com um toque na sua face.
Pulou e disse.
-Quem é você?
Uma mulher de vestido longo tocou-lhe a face e apontou para fora.
--Que?
Ela tinha olhos triste e uma pele branca .Apontou para a porta de saída, mas não falava nada.
-Quer que eu saiiia – disse controlando o medo e perguntou – quer que eu saiiiiia?
Ela respondeu com uma afirmativa – porém Mauro não saiu, não queria sair, sentiu que a voz fina e a pele suave lhe agrava, quando olhou para o espelho não via o reflexo da mulher, uma criança em chamas se arrastava e uma outra sai do espelho e tudo queimava, o que estava ali foi arrastado pata as chamas, ele tentou fugir, mas estava paralisado pelo medo o fogo consumia as suas pernas, a dor foi intensa.
-É eleeea? - foram as ultimas palavras
Oto foi obrigado pelo administrador a entrar com uma enfermeira no quarto quando o fedor foi maior que o suportável , encontraram Mauro frio.
-Dizem que ele matou a esposa – disse Oto.
-Diziam que ela era bonita – falou o chefe da enfermagem.
-Afinal o diretor vai destruir o quarto – disse Oto.
-É o segundo incêndio...Acho que vai.
Por muito tempo a lenda do monstro no espelho foi contada nos corredores do hospital, para muitos o monstro era a criança em chamas, para Mauro ele mesmo era o mostro que refletia no espelho.
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 14/02/2015
Reeditado em 28/02/2015
Código do texto: T5137203
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