A Deterioração Da Mente

O que tem a escrever o homem às portas da morte? Um assassino tem o direito à sua redenção? Pode ser um homem assim, perdoado? No além da vida, qual será o destino traçado àquele que não satisfez a vontade de deus? Um assassino sofre em vida como qualquer outro pecador.

A alma de um ser humano não descansará até ser completamente purificada, ora um imoral nunca terá direito essa purificação ou a esse descanso eterno, por isso, assombrará o mundo dos mortais para sempre.

E assim, após este desabafo metafísico, posso agora relatar uma história sobre a mente humana, que por inconveniência, acabou por ser o que me aconteceu durante as minhas últimas horas de vida.

Qual a razão de um ser humano matar outro ser humano? Uma pergunta pertinente, não é? Bem, eu fui vítima deste atormento durante toda a vida e acho que é escusado revelar aqui a razão pelo qual eu o faço, pois demoraria uma eternidade, e isso é muito tempo. A insanidade tomou posse de todos os meus dias até hoje. Nunca fui feliz. Ao analisarem o meu quarto, poderão comprovar isso mesmo – comprimidos para a depressão e cápsulas para enxaquecas amontoam-se pelas gavetas, desordenadamente.

Afogado num monótono dia a dia, procurei formas de escapar à realidade, já que de forma contrária, provavelmente, seria o suicídio a única saída. E encontrei o mundo das drogas. Uma dose pequena todos os dias e era satisfeita a minha vontade. Sentia-me vivo e bem. A prisão do meu quarto levava-me à loucura, mas, uma dose pequena no braço e era automaticamente projectado para um mundo com luz e cor, até voltar à realidade. Mas por momentos, era feliz.

O problema surgiu quando aquela dose pequena era superada por uma maior e, por aí em diante até dar por mim sem controlo na minha vida.

Acabei por ser preso, por homicídio e posse de droga. Ouvi a sentença de pena de morte e não me senti triste. Não sei bem o que senti, sinceramente. Talvez, não senti nada. Estava sem reacção em relação à realidade.

Uma hora antes de ser realizado o ato em que a justiça pune um assassino matando-o, solicitei que me pudessem levar a minha casa para despedir-me dos meus bens, uma vez que é a única coisa que tenho.

Dentro de casa, pôs a tocar "Moonlight Sonata" de Beethoven, pois é a minha música preferida. Ao som das arrepiantes melodias da peça, ejectei a minha última dose de LSD. A dose foi a maior até hoje e, honestamente, não pensava em acordar.

Praticamente inconsciente no chão, o meu corpo começa a gemer e a tremer. Um ensurdecedor ruído ecoa na minha cabeça, mas eu consigo me levantar com ambas as pernas e abrir a porta frontal da minha casa.

Assim que abri, não havia nada. Tudo era preto. E eu despenhei-me naquele abismo interminável, um abismo ausente de cor que direccionava para o infinito, como se estivesse num daqueles pesadelos de infância.

Não via o fim da queda. E o momento prolongava-se, e eu tombava como uma pena. Toda a vida que passou não fazia diferença naquele momento. Ansiava pelo fim. Conseguia ouvir Beethoven que ainda tocava e aí alguns momentos depois, perdi os sentidos, mesmo sem chegar ao fim da queda.

Acordei com três polícias a segurarem-me pelos braços. Eu não conseguia ouvir nada, apenas vi cadáveres no meio do chão e pela mancha de sangue que tinha na camisa e pela faca ensanguentada que segurava na mão, apercebi-me da monstruosidade que tinha feito.

Agora, já nos meus últimos suspiros pergunto se alguma vez um homem assim poderá morrer perdoado? Poderá alguma vez um homem assim não se sentir mal pelo olhar que os outros lhe direccionam e desejar que ele estivesse morto? Poderá um homem assim adormecer eternamente com um olhar doce de alguém especial do outro lado da cortina, e poder-lhe sorrir pela última vez?

Sérgio Peixoto
Enviado por Sérgio Peixoto em 08/03/2015
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