Zero Hora. Essa é a Hora

Theobaldo, agora que já partiu fora do combinado (combinado não comigo, mas com quem se interessa pelos assuntos de morte) havia sumido da cidade, indo sucumbir os seus segundos de vida no pináculo “Ventos Tira Chapéu”; sua antiga moradia, um pequeno castelo nas confluências das ruas Barra Funda com av. Angélica estava vazio e supõe-se assombrado, porque é impossível uma construção desse porte ficar vazia numa cidade grande por tanto tempo, sem que algum invasor a adentre.

- Uuuuuaaaaaaaaauuh, acertou em cheio escritor. Quer fazer parte do acervo do museu de caveiras que temos aqui? O único que se salvou foi o Theo; logicamente, que se salvou daqui, mas você sabe muito bem no que deu. Aqui ele era chamado de Theo sangue de barata, por isto, conseguiu sobreviver uns dias a mais. Uuuuuuuaaaaaaauuh!

- Credo em cruz! Sangue do cordeiro tem poder.

- Também acho. Por sinal, os meus amigos voltaram frustrados por saber que Theo não tinha sangue, coisa que eles mais gostam. São vampiros. Estou vendo...você tem um sanguinho!....de primeira. Hummmm!

A construção data do inicio do século, ambiente que muitas almas habitaram, mas que pelos infortúnios da vida, nenhuma delas sobreviveram. “Todas, ratifico, todas foram tragadas pelos males de habitar um castelo nessas condições; porque, você pretende vir para cá? As portas estão escancaradas”.

- Ou eu escrevo e narro ou você, sei lá quem és, porque os outros ficaram lá no pináculo “Ventos Tira Chapéu”.

- Rendo-me. Somos parceiros e temos muito trabalho por longos anos. Vou fazer silencio porque a noite está caindo e pode ser que alguma mosca caia na teia, aí a aranha além de ter trabalho, terá sangue e comida farta. E a vozinha asquerosa, renitente e mal cheirosa, com cabelos rastafari ensebados, lambeu os beiços e afiou um grande garfo que guardava a soleira da porta da cozinha.

- Parceiro do Lúcifer. Vozinha do além!

Fim de verão. Calor intenso. Previsão de temporais com granizo, trovões e relâmpagos. Debaixo do Minhocão, três amigos e moradores de rua confabulavam seus desprazeres. Um deles relatara que antes de sua vida cair em desgraça, perdendo família e os trapos velhos que possuíam para vestir e cobrir, fora morar em um sítio lá nos cafundós da mata densa. Confessara aos amigos que o medo sempre foi o seu inseparável parceiro de caminhada; porém em oposição, sua mulher era machona e destemida e numa tarde de sol escarlate, foi à fonte buscar água para tomar e ao chegar de volta em casa com o pote, sua mulher o esperava na soleira com pedaço de madeira e um interrogatório na boca: “Demétrius filho de quem o aceita, porque veio aqui na porta, bateu as botinas, parecendo limpá-las. Quando vim ver o que estava acontecendo você saiu correndo e sumiu na moita. Além de borrar as calças, quer também meter medo em mim? Da próxima vez, enfio-lhe aquele espeto rabo-adentro. Faço de você um frango assado. Você me conhece; falo uma vez só”!

- Perdão, perdão! Apenas brinquei...

Os dois caíram na gargalhada, enquanto que o relator possuído por um mal súbito, notava a transmutação em seu corpo. Formigamento dos pés à cabeça; mas para não sofrer sozinho, pôs as mãos nos demais, que imediatamente, começaram a reclamar dos mesmos sintomas. Um dos camaradas soltava golfadas de sangue pela boca. Coisa horripilante de se ver e relatar. O terceiro falou: “Isto não é nada, é o fígado dele que está uma rosa hepática, contaminado pela cirrose. Quem manda encher o latão de manhã até dormir”!

- Escritor relate o que está lhe sendo passado, mas bico calado; pois, já deu para perceber que terei trabalho excessivo esta noite. Não se meta, como tens feito; a menos que não se importe e não valorize a sua vida.

E confirmando o previsto pela Metereologia, os ventos ciclones varriam a cidade, com chuva torrencial, trovões e relâmpagos de arrepiar soltando labaredas de fogo no céu. Os três, principalmente, o medroso foram arrastados por um lufada, indo parar no castelo. Em uníssono, berraram: “Ô de casa; tem alguém aqui? Estamos entrando”!

As aldrabas bateram fortemente, junto com elas, cerraram-se as tramelas. Tudo hermeticamente fechado. O cidadão que soltava sangue pela boca sentiu algo torcendo-lhe o pescoço e sussurrando em seu ouvido, ouviu: “Seu merda, imundo que tem medo até da sombra, aqui morre o mais medroso, porque os destemidos nos pertence. Agora você corre e conta para eles, depois saberás o resultado”. Isso travou-lhe a fala ainda mais, engolindo em seco e caso delatasse para os demais o que ouviu, além da reação dos demais, o que poderia lhe acontecer? Ficou pensativo e subjetivo: “Qual é o sistema métrico para medição do medo? Será que é o tamanho da merda que se deixa nos fundos da calça”? Todo sujo, optou pelo silêncio; pois morrer antes da hora é para os porcos, perus, patos e frangos em véspera de natal.

Vasculharam a casa, procurando lamparinas e velas; e mesmo com as portas e janelas fechadas, o vento era aterrador. Barulho infernal: “Papapatumtumpapapatumpá”.

- Ei, me solte! Está igual ao desenho, com o Salsicha trepado no colo

do Scooby. Sente mais medo que o Psicólogo criador do medo. Solte minha calça! Não ouviu? De agora em diante vai se chamar Demi-borrador! Tá louco!

Às duras penas e contorcendo-se formando um círculo, conseguiram acender umas velas, saindo para fazer o reconhecimento do castelo. Os três davam dois passos para frente e um para trás. Feita as diligências, reuniram para discutir onde e como iriam dormir; depois de muito bate boca, o mais destemido impôs aos demais que dormissem em quartos separados; logicamente, muito a contragosto do medroso, no entanto, em virtude do que ouviu, teria que aceitar.

- Tenho minhas individualidades e não suporto dormir ao lado de cheiro de chulé, sovaco vencido, urucubaca de bode velho, bafo de onça e rabugem de toda espécie. Flato, (comumente chamado de peido fedido, respirando fundo, com a cabeça encoberta e enrolado em grossos cobertores aquece as noites frias) o meu até aturo, mas dos outros é foda com PH. Todos, inclusive um quarto hóspede, incondicionalmente, gargalharam da imbecilidade e liberalismo de linguagem do cidadão que puxava a fila.

Aos atropelos e debatendo-se contra as paredes e móveis rotos chegaram ao saguão de festas. Os ambientes alternavam uma bulha infernal e silêncio de morte. – Que coisa mais estranha: do nada o silêncio do inferno invade o castelo parecendo que veio fazer a chamada derradeira; nem demora um minuto, é a vez das trombetas dos anjos anunciando que estamos sendo atraídos por forças ocultas e maledicentes. Quanto suspense há neste castelo!

No canto, onde havia um enorme mezanino e uma estante, também haviam sapatos e roupas rigorosamente passadas e dobradas. Ao lado um ferro aquecido à brasa. Os três vistoriaram as vestimentas e rendendo-se à limpeza delas, foram pegando e vestindo. Quando estavam calçando os sapatos, uma voz angelical, doce como flautim, encheu o espaço: “Essas roupas e sapatos não lhes servem. E o pior, uma dessas peças prenuncia a morte; portanto, meus amigos, pelo amor que tens ao mais sagrado, não vistam. Se assim o fizerem, estarão encomendado o caixão”.

A barriga do medroso trovejou: “Trururururururuu”! “o que foi isso”? Entretanto, não deram ouvidos à voz e a barriga do medroso; vestindo as roupas e sapatos.

- Insisto: vistam os trapos velhos que estavam usando. Se permanecerem com essas roupas, a morte espreitará um de vocês até consumi-lo vivo; nunca ouviram falar que nem tudo que reluz pode ser vendido como ouro? Fiquem espertos!

Os três se olharam admirados. Porém, com quem estaria a incógnita da morte? Saíram dali e caminharam até a cozinha; pegaram uma faca cada um e foram para os seus aposentos. Vez para outra, um retumbar de portas e janelas. Já na madrugada velha, telhas começaram a despencar do telhado, espatifando toda com os cacos pontiagudos indo espetar o corpo deles. Assustado, o mais destemido esgoelou: “Corram, acuda-me; fui atingido por cacos de telhas”! Nesse mesmo instante, os demais também haviam sido atingidos. Passados uns minutos, novamente o silencio tomara conta do castelo; bem como, os despencares de telhas.

Seis horas da manhã. “Em primeira mão, o CS – Café com Sangue - jornal da manhã informa: Policiais à paisana abordaram dois andantes de rua pelados próximo a um castelo, disseram que dormiram ali, que estavam em três; mas que não sabiam dizer o que acontecera com o outro. Feita as diligências e buscas no castelo, encontraram o terceiro com a buchada para fora, os olhos furados e sem uma única gota se sangue; fato que deixou os militares perplexos com o tamanho da crueldade do crime”.

- Duvidaram porque quiseram! Adentrou meus aposentos, é morte na certa. Vou aos poucos para não acabar com a clientela de uma só tacada; no caso deles, poderia ter dizimados todos, porém preferi dar vida para os dois, o que não será por muito tempo.

Os policiais dispararam a correr dando tiros, acertando um quadro com a foto de OCÍ, que imediatamente estatelou o olho, iluminando todo o castelo. Atropelando-se ao passar pelo portão, que por um triz não teria trancado-os, ouviram: “Até breve! Ocorrências aqui é o que não faltam, pois sempre aparece uma mosca distraída para cair no laço da teia e alimentar com sangue a aranha”.

E todas as aldrabas de portas e janelas bateram em nome da liberdade. Com isto, quem passava pelo local pôde ver a seguinte inscrição em cima do batente do portão principal: “Quem se arrisca ser próximo”?

- Eu não... ter que suportar essa sociedade decadente, provinciana e hipócrita, somado a políticos corruptos é um pesado karma! Basta de terror! Se não fosse OCÍ, o Verme da lua cheia, atacar no pináculo "Ventos Tira Chapéu" iria morar lá.

- Quero mais é que vá; se for, saciará a minha fome e sede por mais uns dias.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 02/04/2015
Reeditado em 05/04/2015
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