Onde Se Prendem os Fantasmas
 
E naquele mundo entre dois planos, com seus pisos de gigantescas lajotas de cimento, sujas pelas cinzas de lágrimas dos vulcões que ali abundavam, vi naquele planalto extenso que percorria deslizando como o fazem os fantasmas, a figura gigantesca de três corpos de mulheres sem cabeça. Estavam fincadas nas lajotas a partir de um corte abaixo dos joelhos, como que dali nascidas, feitas de um concreto grosseiro repletas de musgos negros como se fossem veias saltadas sobre suas peles ásperas.
            O que mais me chamou atenção foi o ventre de cada uma no qual havia um buraco podendo ver através das mesmas. Notei, aproximando-me que a porção arrancada dos ventres flutuava acima do que seria a cabeça fazendo movimentos circulares muito lentos.
            Sendo um ser de éter, naquela visão, pude locomover-me ao sopro da minha vontade. As estátuas deviam ter a altura de prédios de 30 a 40 andares. No espaço do pescoço cortado, pude notar que deviam ter sido arrancadas à força de algum gigante colossal que temia encontrar, mesmo sabendo que não poderia atingir, talvez me causasse alguma perturbação, pois mesmo os fantasmas sofrem dores e privações devido aos nossos condicionamentos e brutos estados psíquicos.
            Desci em meu voo de inquirição à altura do ventre da primeira estátua. Um forte vento começou a formar-se no seu interior, como um redemoinho que a si mesmo se constrói. A substância, etérea, a princípio, adensou-se e percebi que se transmudava para algo líquido, passando depois a leitoso e, ao final, surgiu diante de meus olhos a visão de uma magnífica galáxia espiralada.
            Tive o impulso de nela mergulhar, porém o medo assaltou-me. Comecei a querer me afastar, mas um abraço invisível agarrou-me atraindo-me para o centro daquela força. Por mais que tentasse, o abraço aumentava sua intensidade e o medo dominou-me. Senti que toda a minha energia, todo o meu ser era tragado para aquele interior e, sem mais ter como lutar, vi-me totalmente absorvido para o seu interior...
            Não sei quanto tempo passou, nem o que sou agora, mas de dentro deste ponto que agora habito, como uma testemunha triste daquilo que não se sabe explicar, vejo, por vezes, passarem diante de mim gigantes com pés medonhos, criaturas bizarras e aladas com olhos negros e vazios em suas formas dantescas, sendo que, vez por outra, aparece um fantasma como eu que se torna prisioneiro daquela forma sendo sugado para celas que não se tocam, sem direito a saber pelo que são punidos e ficando ali, tristes e desamparados, testemunhando a passagem de um tempo que não se conta...