Esquizofrenia Parte VII

Capítulo VII

Sozinho. Nada mais resta nesse mundo de merda. Merda de mundo. Só existe eu. Mas dizem que o outro é que faz o eu existir. Ainda assim, estou aqui.Esses objetos falam comigo. Maldito abajur, não importa se aceso ou apagado. Se faltar luz, quem liga? Logo tudo acabará. Esse é o destino de tudo. Tudo é nada. Confesso ter procurado por outras pessoas. Cansei de andar em vão. Entro com carro e tudo em uma loja de bebidas, abro a garrafa e bebo no gargalo uma cerveja não muito gelada, ignorando o anúncio que pede para não consumir nenhum dos produtos dentro da loja. Fodam-se os anúncios. Acordo e saio pelado de casa, indo até a padaria no outro quarteirão, batendo punheta em frente ao balcão e gozando sobre o vidro. Como isso aconteceu? Não sei explicar. Não me refiro a punheta e sim ao fato de estar sem companhia. Algum desastre. Quem sabe um castigo divino. Na falta de explicação, apelamos ao sobrenatural. Caguei na caçamba de uma caminhonete velha estacionada em uma rua afastada. Nem os malditos pombos estão cagando sobre a minha cabeça. Talvez isso seja um aviso de sorte. Ou não.

Nunca havia atirado.Agora posso praticar. Atiro nos carros, nas vitrines, em manequins. Deixo que as balas acabem, para poder treinar com flechas, facas ou qualquer outra coisa que se possa atirar. A sensação é ótima. Invadi uma casa e quebrei ela inteira. Chutes na TV de plasma, pedradas nas janelas, marretadas na privada. E se eu passar mal? Sem médicos. Malditos mercenários. Antes morrer sofrendo e livre, do que enjaulado em um quarto com aquela camisola ridícula. Mijo na fonte que não tem mais água, feito um Manequinho, só que meu pinto é maior. Posso estender a roupa na rua para secar. Mas quem liga para roupas? No frio são importantes. Sem energia. Nada de ar condicionado, aquecedor, TV aberta e internet. Que paraíso. Sinto falta de gente. Talvez por ter me acostumado ao convívio. Mas não existem outros animais. Se crescesse apenas entre os objetos, nem deveria pensar. Mudo e rígido por uma eternidade, a supremacia da passividade. Bebo até vomitar e durmo sobre o vômito. Quando acordo, mergulho no rio que passa próximo ao local onde vivo. A água corre pelo meu corpo, o rio não é o mesmo e nem eu, ou será que ambos continuamos os mesmos e essa impressão não passe de um relance? Bebo da água corrente e saio das águas feito um Adão moderno.

Passando pelos prédios é possível observar uma mulher espiando da janela. Poderia subir as escadas e matar aquela pessoa, sem motivo algum. Para matar, basta estar vivo. As memórias. Recordações de um pescoço degolado e todo aquele sangue. Tomar um banho com o sangue de alguém que matei. Nada sinto. As pessoas são como bonecos que utilizo na realização das minhas vontades. Cortar um nervo aqui, asfixiar ali. Tudo muito natural. Amor. Talvez sinta algo parecido com isso ao realizar minha vocação. Um dia também vou morrer. Se puder ser de forma violenta, será uma dádiva. Não me importo comigo mais do que com os outros. Não me importo com nada. O ritual de matar, sumir com os vestígios, dissolver a carne junto com a gordura, triturar os ossos. Dá trabalho e a parte mais gratificante é a mais breve, ou seja, a morte. Mas vale a pena. Tudo vale a pena se a alma do morto não é pequena. Eu decido. Quem vive e quem morre. Deus não influi nos meus atos. Cada corte é a pincelada de uma obra de arte. Cada sulco é uma nova maneira de esculpir.

É possível prever o próximo ato. A incompreensão dos céticos marca sempre a posteridade do valor de um artista. Cada encontro e desencontro da lâmina forma uma nova perspectiva. Matizes. Beijo os lábios mortos e assopro como se fosse um balão que pudesse voar e voltar a vida. É possível perseguir os pecados quando não passam de luzes que fazem brilhar o desejo mais oculto. O milagre da morte nada mais é que a consequência magnífica da vida. Leões não deveriam ser enjaulados, jamais. Mas como é belo vê-lo escapar e destroçar a primeira vítima que cruzar seu caminho e demonstrar explicitamente a sua natureza.

No zoológico, pulando a mureta de proteção, os dedos atravessando as pequenas frestas da grade e tocando o pelo do imenso felino. Dizem que o gorila da outra jaula joga mijo e merda nos visitantes. Isso que merecem. Crianças chatas de pais enjoados, enchendo a porra do saco dos animais. Na sala de cinema aquele cheiro de pipoca com queijo que fede a peido, misturado ao aroma do mofo. O filme começa e alguns retardados não param de tentar chamar mais a atenção do que a tela. A culpa é sempre das malditas estrelas. Eis o que diz o manual de auto-ajuda dos retardados. Busca-se tanto a solução para os próprio problemas através das atitudes idiotas de quem apenas desejar ganhar dinheiro fácil. Criam-se livros, igrejas e cada vez busca-se um pastor, já que pastar parece ser a lei. A lei só existe para os que desejam pastar. A justiça é essa mentira que foi inventada com o intuito de fazer com que as pessoas sigam as regras. Mas nem todos seguem e ainda são beneficiados justamente por não segui-las. Essa fraude é o que chamamos moral. A educação do rapaz que é garçom de um restaurante, não passa de embuste para de forma dissimulada cortejar a moça acompanhada, já fitando as pernas da mesma quando entraram no estabelecimento. Fora na cozinha arrumar o pau dentro da cueca e sem lavar as mãos, arrumar os talheres e preparar os pratos para servir. Na lanchonete do shopping, o cliente reclama que sua comida não está bem temperada. O atendente pede desculpas e volta com o prato. Na cozinha, quem preparou a refeição, cospe, escarra, esfrega o piru, depois joga um pouquinhos mais de sal, assoa mais uma vez e chama o atendente, pedindo que leve o prato de volta a mesa insatisfeita. Agora o cliente aprovou o tempero.

Naquele bar, bebendo sozinho, apesar da companhia dos amigos. Mais uma dose. Olhando aqueles rostos vazios. Poderia foder qualquer uma dessas mulheres ou desses homens. Hoje não importa o sexo. Mijando no banheiro imundo, procurando alagar em volta da privada. Pra que mirar no vaso se o resto já está detonado. Guarda o pau a sai sem lavar as mãos. Pede mais uma dose. A música não é das piores. Acende um cigarro e fica soltando pequenas nuvens. Uma conhecida se aproxima. Sabe que aquele olhar diz que quer foder. De volta ao banheiro mijado. Uma mulher gorda, de peitos grandes e flácidos. Mãos sobre a privada, levantando o vestido e fodendo aquela boceta. Cheiro de mijo. Alguém força a porta. Se está apertado, que espere. Antes de acabar, pede que a mulher se vire. Ela engole o pau do sujeito ajoelhada na poça de mijo e ele deixa a porra sai em jatos naqueles peitos. Ela ainda passou os dedos naquela porra e lambeu. Agora que saímos do banheiro é possível ver quem estava querendo entrar. O cara entra com tanto ímpeto que com certeza seu lance era dar uma cagada. Mais uma dose. Sem paciência para ficar conversando com aquela mulher, que só falava merda, apesar de saber chupar bem. Prefiro sair e tomar um ar. Acender mais um cigarro.

— Está afim de fumar um baseado ou cheirar com o pessoal?

— Vamos cheirar.

A vida podia ser simples assim.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 02/08/2015
Código do texto: T5332235
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