TRABALHO FÁCIL

Mateus estava gostando do novo trabalho. Um trabalho fácil, como informara aos amigos quando estes perguntaram. Há quase um mês integrava a equipe de segurança do Shopping Charbonneau em Vila Magnólia. Trabalhava oito horas por dia, tendo incluso no meio disso um intervalo de uma hora e meia. Chamava de trabalho fácil porque consistia em ficar sentado em uma sala junto a três outros parceiros observando a movimentação dos clientes através dos monitores. À sua frente havia um paredão de cinquenta televisores. Caso verificasse algo suspeito deveria informar, através do rádio, os seguranças que transitavam fazendo a ronda pelo shopping. Dentro desse quase um mês de serviço só precisou alertar uma vez os seguranças, quando um rapaz tentou roubar um aparelho de uma loja de informática. Fora isso, nada de extraordinário havia acontecido, de modo que passara a perseguir pelos monitores algumas pessoas excêntricas sob seu ponto de vista.

Era uma tarde de sexta-feira — dia em que o shopping já passava a ficar bastante movimentado — quando notou aquela mulher que, de início, classificou como excêntrica. Fazia pelo menos meia hora que ela estava parada em frente à Florence, uma loja de joias que trabalhava com revendas de usadas e em bom estado de conservação.

A mulher estava simplesmente parada lá. Vestia-se com um vestido preto e solto, os cabelos lisos e escorridos caiam por sobre os ombros, de modo que não era fácil adivinhar qual era sua idade. Mateus ficou observando-a. Vez ou outra olhava para algum dos outros monitores, mas nada de anormal acontecia, exceto aquela mulher parada lá.

De repente, uma mão lhe tocou no ombro sobressaltando-o. Era Edgar, outro rapaz que trabalhava no turno com ele, juntamente com Bruno, que era o mais velho na empresa, já estava nela há dois anos.

— Que foi? — perguntou Mateus.

— Vamos nessa? — disse Edgar.

— Já? — indagou Mateus consultando o relógio, eram quase seis horas, a noite começava a se derramar lá fora. Olhou de novo para o monitor, a mulher continuava lá. Olhou novamente para o seu relógio e fez as contas: a mulher estava parada frente à loja há mais de duas horas. Enquanto os rapazes do turno da noite entravam, pegou o rádio e acionou o segurança mais próximo da Florence e pediu para ele dar uma olhada na mulher de preto que estava parada em frente à loja.

Depois disso, apanhou sua mochila e saiu com Edgar e Bruno.

Passaram em uma fast food para apanhar um pacote de batatas fritas cada. Enquanto seguiam para fora do shopping, Mateus fez questão de percorrerem o corredor da Florence. A mulher não estava mais lá.

***

No sábado, em horário similar ao do dia anterior, Mateus constatou que a mulher retornara para a frente da loja novamente, trajava o mesmo vestido e apresentava o mesmo comportamento. Esperou por meia hora. A mulher ficou lá por todo esse tempo sem se mover. Sem demoras, acionou um dos seguranças que transitavam pelo shopping e informou sobre a mulher.

Observou pelos monitores enquanto o segurança se aproximava. O homem caminhou até a frente da Florence, parou a poucos centímetros da mulher e olhou para os lados confuso. Puxou o rádio e contatou Mateus.

— Pra onde ela foi? — indagou o segurança.

— Como assim? Ela está aí do seu lado! — informou Mateus apreensivo.

— Tá de brincadeira comigo, novato?

O segurança desligou. Olhou mais uma vez para os lados e se afastou da vitrine da Florence. Durante esse tempo todo, a mulher permaneceu lá, sem movimentação alguma.

Mateus ficou boquiaberto. Por que o segurança não vira a mulher? Ou melhor dizendo: como era possível que ele não a tivesse visto?

A compreensão começou a invadir sua mente.

Havia uma explicação para aquilo, mas era antinatural frente à narrativa através da qual interpretava a realidade.

Sem mais questionamentos para si mesmo, saiu da sala de monitores e caminhou para dentro do shopping em direção à Florence.

Não havia ninguém parado em frente à loja. Mas, de alguma forma, sabia que ela estava lá. Cauteloso, aproximou-se da vitrine. Quando chegou perto do exato ponto onde sabia que a mulher estava parada, sentiu um súbito resfriamento do ar arrepiar sua pele. Exposto na vitrine havia um colar, era para este colar que a mulher parecia olhar quando vista através do monitor. Consistia em uma corrente de ouro branco com uma pedra negra de tamanho médio como pingente.

Mateus entrou na loja e perguntou sobre o colar. Uma vendedora lhe informou que se tratava de uma peça usada que a loja adquirira há algumas semanas. Informou que o marido de quem pertencera o colar entrara em contato algumas semanas atrás procurando um lugar para doar os pertences da esposa que falecera. Uma tal de Silvia Mascarenhas. Antes de sair da loja, Mateus já puxava o celular do bolso e procurava pelo nome de Silvia Mascarenhas.

Teve a sensação de que o coração deu uma súbita parada ao ver a foto da pessoa. Era a mesma mulher, dada como desaparecida há mais de 15 anos e, posteriormente, dada como falecida. Saíra de uma festa na alta sociedade e nunca mais retornou para casa, a foto que abriu mostrava o dia da referida festa, Silvia usava um vestido igual ao que a mulher que Mateus vira pelo monitor estava usando.

Com a boca seca, o jovem olhou para a vitrine da loja novamente e teve uma ideia da qual se arrependeria instantes depois. Ligou a câmera de seu celular e, trêmulo, apontou para a frente da loja.

A mulher continuava lá!

Mateus sentiu as pernas bambas. Ela começou a virar lentamente a cabeça em sua direção. Antes que o encarasse, ele saiu correndo shopping afora. Nunca mais retornou àquele lugar, nem mesmo para fazer o acerto com a firma de segurança.

FIM