Alguém Bate à Porta (Parte I)

Mais uma manhã sombria se passa na pequena casa. Ele se senta no sofá puído e afasta um pouco as almofadas. A xícara fumegante em sua mão é a única coisa que lembra um pouco o calor do mundo dos vivos, dos amantes e dos sonhadores.

Mesmo possuindo total liberdade de dar voz aos seus pensamentos, prefere continuar calado. O simples imaginar de suas palavras ecoando nas paredes e sabendo que a única reação seria a das aranhas passeando por suas teias já mostrava a ele a inutilidade de tal ato.

- Não me importa se não vai fazer diferença alguma. - Disse ele para o vazio a despeito dos pensamentos anteriores. - Alguém ouve o que eu tenho a dizer. Eu mesmo.

- Em tempos passados isso seria impensável. Logo eu, que sempre fui cercado de risos, de beijos e de prazer. - Diz olhando para a mão que segura a xícara. - Mas os risos se tornaram deboches, os beijos mordidas e o prazer, tortura.

- Se ela me visse agora ficaria satisfeita. - Ele fecha os olhos e suspira profundamente. - Ou será que não?

- Imagino muitas bocas me dizendo que tive o que mereci, mas não a dela. A desgraça não é suficiente para combater o desamor. Apenas o amor pode fazer isso!

Em um movimento rápido a xícara se espatifa, fazendo uma nuvem de poeira e fumaça se formar na parede.

- Como posso dizer isso?! Poderia escrever cem poemas, enviar mil cartas e aprender a dizer eu te amo em dez mil idiomas e dialetos diferentes e ainda assim ela não amaria novamente. - Ele se encolhe, escondendo o rosto nas mãos trêmulas. - A minha chance de fazer a coisa certa acenou para mim e eu nada fiz além de fitá-la com os olhos.

Horas se passaram sem que ele se movesse. O café derramado já secara, formando poças grudentas. Ele finalmente levanta a cabeça e olha para a xícara quebrada.

- Eis a metáfora perfeita para isso tudo. O amor dela por mim já foi um dia como uma xícara de café. Quente e confortável, trazendo um pouco de ânimo e de energia no começo de um dia ruim. - Ele se levanta, e ao começar a juntar os cacos do chão, corta a ponta do dedo com uma lasca afiada. - E agora tudo que resta é isto, pedaços espalhados que machucam ao tocá-los. Do sentimento que trazia esperança, sobram crostas que nada se pode fazer a não ser esfregar e esperar que não fique mancha permanente.

Coloca calmamente os cacos na lixeira ao lado da porta e ao se aproximar do esfregão num balde é surpreendido por três batidas lentas.

Toc.

Toc.

Toc.

Sente o coração pulsando de forma atordoante nos tímpanos. Quem estaria do outro lado daquela porta? Na verdade não importava. Seja quem fosse, não traria nada de bom. Só uma pessoa poderia. E ela estava bem longe dali.

Ele se aproxima da origem das batidas e calmamente torce o trinco, abrindo aos poucos a pesada porta de madeira e banhando a cabana com a calorosa luz do sol.

Seus olhos se estreitam para enxergar a figura parada a sua frente. Em seguida começa a abri-los mais. E mais. E mais. Em conjunto com o olhar de surpresa o maxilar inferior despenca. Quem visse aquela expressão ficaria confuso. Um misto de espanto, de pavor, de felicidade, de culpa, de ansiedade, de paixão.

Mesmo com a boca aberta não consegue pronunciar coisa alguma. A respiração cessou.

Seu pior pesadelo e seu maior sonho estavam agora diante dele.