A Tempestade Parte I

Capítulo I

Nas avenidas claras em uma manhã de primavera, Esperança caminha de cabeça altiva, observando o ninho de pássaros e as outras crianças que se divertem nos brinquedos da pracinha. O sol com raios suaves pareca acariciar a sua pele inocente, que busca o abraço de rajada luminosa.

— Esperança!?! — Onde diabos se meteu essa menina?

— Eu falo pra você colocar limites nessa guria, mas você não me escuta.

— Cala a boca e faz algo que preste. Encontre sua filha.

Já está quase naquele horário em que as famílias de bem costumam se reunir para tomar o café. Nunca gostou muito de café. Mas sentar a mesa e sentir o aroma do pó e o chiado da água fervendo. Sem contar aquelas generosas fatias de bolo de fubá. Todos devem estar dormindo, já que existe um silêncio incomum. Não parece que irá chover.

Ao chegar na pracinha, uma garotinha cabisbaixa está isolada do grupo de crianças, tateando a areia com a ponta dos dedos.

— Essa areia deve ter cocô de gato.

A menina continua deslizando o dedo e formando algo que parece ser um esboço de rosto triste.

— Você desenha mal. — Deve ser burra.

— Ela é retardada. Não deveria estar aqui.

— Qual o seu nome?

— …

— Você não tem nome? Como se chama?

— Solidão.

O carro de polícia parado, enquanto o policial se diverte assistindo um vídeo no celular. Na outra esquina é possível ver um cão vira-lata coçando as pulgas e bebendo um pouco de água da valeta. O dia está ficando mais quente do que é costume nessa época do ano.

— Quando eu encontrar essa menina ela vai ver só uma coisa.

Embaixo da viatura da polícia um gato malhado dorme sossegado, abrindo de vez em quando um dos olhos e espreitando o movimento. O garoto de bicicleta desvia o olhar do policial e procura acelerar as pedaladas. Poucas quadras a frente, uma barbearia recebe um antigo cliente, com corte tradicional.

— Nada de máquina. Quero o cabelo cortado todo na tesoura.

— O senhor é quem manda.

— Com esse preço que cobram é preciso dar trabalho a vocês.

— O freguês sempre tem razão.

Os tufos de cabelo vão formando um tapete grosseiro aos pés do barbeiro, que pensa sem mudar a expressão do rosto:

— Esse filho de uma puta vem sempre aqui com esse papo furado. Deveria furar os olhos dele com essa tesoura e mandar ele passar máquina no rabo para ver se isso seria do agrado dele.

A banca de jornais aberta desde cedo e o movimento fraco de compras e grande e curiosos pelas capas com manchetes sobre corrupção. O gosto do salgado comido na lanchonete ontem e a sensação de asia logo cedo. Um copo de água e quase vem o vômito. Dois deods de prosa. Nunca são dois dedos. Pelo menos leva-se os pés e as mãos com todas as suas falanges.

— Você soube que o filho da Débora está desempregado de novo?

— A crise não perdoa ninguém.

— Que crise que nada. Aquele ali sempre teve sina pra vagabundo.

— Deve ser herança de família.

— Hahahahahahahahahaha!!!

— E a Joana, você soube?

— Não estou sabendo de nada.

— Vai operar mais uma vez.

— Sorte que conseguiu finalmente ser chamada da lista de espera.

— Quando consertar e se consertar o problema logo aparece outro.

— Essa é a vida.

— E como é.

Imaginando um mundo onde todas as pessoas são felizes. Como aqueles cartazes estampados em vitrines ou mesmo propagandas de TV. Todos aqueles sorrisos fossilizados nas faces. Nenhum animal saberia o que é rosnar, apenas virando de costas para o chão e esfregando para receber um carinho na barriga. Não haveriam gritos e nem agressões. Apenas palavras macias e gestos carinhosos. Cada um vivendo pendurado em seu cabide, exposto aos ditames alheios.

A biblioteca abre as portas e seus pouco visitantes começam aselecionar locais de leitura. Um garotinho parece estar dedicado a Júlio Verne e uma menina está precocemente dedilhando áginas de filosofia. Nunca se é pré em nada.

— Aceita um drinque?

— Atualmente tenho bebido menos e comido mais.

— Aceita um canapé?

— A única coisa que estou afim na minha boca nesse momento é o que você tem entre as pernas.

— Você é mesmo um cavalheiro.

— Apenas indo direto ao ponto, já que o preço é pago pela hora corrida.

Foi anunciado o lançamento de um jogo que está passando por sérias críticas e a censura está de olho, já que incita a violência. Alguns críticos dizem que as cenas são fortes, muito agressivas e que podem comprometer o caráter dos jovens. Por via das dúvidas estamparam na capa que é um jogo para maiores de dezoito anos, embora os pais tem feito a felicidade dos filhos pequenos ao presenteá-los com esse mais novo sucesso. Ontem no programa daquela apresentadora que pousava nua e chupava o cacete de homens de meia idade em filmes de baixa categoria, ela censurou os jogos e disse que pro filho dela não compraria algo assim, já que afirmou que tais novidades atentam contra a moral e os bons costumes das famílias tradicionais, ou seja, heterossexuais.

— A senhora não beijou aquela atriz na boca, quando a entrevistou?

— Aquilo foi um selinho. Uma bobagem que nem se deve levar emc onsideração.

— Novelas não possuem conteúdo ainda mais pernicioso do que esses jogos modernos?

— Já fui uma grande atriz de teledramaturgia e garanto que a programação da TV segue rigorosos padrões de censura, para não oferecem qualquer risco a moral das famílias de bem. São puro entretenimento.

— Quando o especialista irá se pronunciar?

— Se você sofre de prisão de ventre, não deixe de comprar o famoso ABRAOCU. Um medicamento testado em renomados laboratórios e aprovado por médicos credenciados. Desespero minha amiga, nunca mais.Viva a vida com satisfação e prisão de ventre, NUNCA MAIS!!

Se você sofre demais, ♫♪♪♫♪

a solução está aqui, ♫♪♪♫♪

viva bem, viva com paz, ♫♪♪♫♪

ABRAOCU te faz sorrir...♪♫♪♪♫♪♪♪♫♫♫♫

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 28/10/2015
Reeditado em 08/11/2015
Código do texto: T5429956
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.