Águas
Dilma acorda com os soluços do marido que apesar da hora não pregou os olhos.
- Antônio. – se vira para ele. – vá dormir, pelo amor de Deus, o dia já foi turbulento demais, já não chega ter que enterrar a nossa Flavinha.
- Mais Dilma, eu adorava aquela menina. Era o meu xodó.
- Eu também estou sofrendo bastante. – a lágrima escorre. – quando eu lembro daquele sorrisinho sem vergonha dela, ah, meu coração se desmancha.
Antônio volta a chorar como criança. Dilma o abraça forte e também chora. De repente o homem do campo para de chorar.
- Dilma, lembra daquela história?
- Que história homem?
- Das águas do milagre, lembra, minha mãe contava.
- Sim, ela dizia que atrás daquelas montanhas que ficam aqui perto existe um rio que ressuscita as pessoas.
- Isso mesmo e se eu levar a nossa Flavinha lá e banha-la nas águas desse rio? – Dilma balança a cabeça negativamente.
- Antônio, isso é lenda meu amor, invenção do povo, larga mão disso homem. – Antônio se levanta.
- Toda lenda tem um ponto de verdade querida.
- Antônio, pare com isso, você está me assustando homem, volte para a cama.
Antônio volta para a cama mais não dorme, diferente de Dilma que logo pega no sono.
***
Às seis da manhã Dilma desperta. Olha para o lado da cama e Antônio não está.
- Deve ter ido à padaria. – boceja.
Procurando as sandálias com os pés que ficam na beira da cama ela escuta o portão de madeira bater. Se espreguiçando ela abre a janela. Em seu rosto sofrido pelos anos trabalhando no campo ela recebe o vento fresco da manhã sem sol. Ao se virar para a entrada seu coração gela ao ver Antônio ainda de pijama, com os pés cheios de barro e feridas, suado, ofegante e com uma criança no colo em volto de panos sujos e molhados. A criança tosse e ela reconhece a tosse.
- Flavinha!