A MISTERIOSA CASA DE NHÔ ZINHO - DTRL 25

A MISTERIOSA CASA DE NHÔ ZINHO - DTRL 25

Foi naquela casa antiga que Ralf descobriu o tamanho de seu medo. Estavam adormecidos e foram acordados por um pesadelo arrepiante.

Desde criança, Ralf nunca acreditou em assombração. Susto? Nunca! Cemitério? Simplesmente a casa que abriga corpos em descanso permanente. Nada mais. Gato preto com olhos brilhantes, no meio da noite, ele era capaz de correr atrás. A vovó da meia-noite, noiva assassina, o boi que engolia crianças desobedientes, a cabra de quatro chifres e outros seres apavorantes, ele considerava balela.

Mas aquela casa de cor vermelha e cômodos misteriosos conseguiu despertar e levantar os poucos fios de cabelo nos seus braços, até então inertes.

A calçada de cerâmica escura e o jardim com flores vermelhas e imortais aparentavam algo sobrenatural.

A enorme e luxuosa residência foi, aparentemente, deixada de herança pelo seu avô, o Sr. Gentil, mais conhecido como Nhô Zinho. Os familiares de Ralf ignoravam o valioso patrimônio. Ninguém teve coragem de morar ali ou ao menos passear na casa desde a suposta morte de Nhô Zinho.

Comentavam na família que desde o falecimento da Sra. Lana, companheira de cinquenta e poucos anos de Nhô Zinho, ele conversava horas com pessoas que ninguém via. Mesmo com visitas, ele continuava a prosa e sorria, consciente. Chegaram a levar Nhô Zinho para avaliação médica e não foi constatado nenhum distúrbio. Pediram ao médico do bairro para fazer um acompanhamento, uma visita semanal na casa, mas o doutor recusou. Passou a missão para as duas enfermeiras e ambas disseram não. Preferiam abandonar o emprego. Os funcionários assumiram o compromisso de atendê-lo no posto com dedicação e carinho, mas nunca entrariam na mansão.

Os familiares de Nhô Zinho tentaram alugar a casa mas não conseguiam clientes. Entraram em acordo e decidiram vender e dividir a fortuna. Não encontraram compradores. Baixaram o preço e nada. Nem a imobiliária teve interesse na compra. Durante as visitas para apresentação do imóvel, os pretendentes desistiam sem mesmo conhecer todos os cômodos.

Ralf exibia e orgulhava-se da fama de corajoso. Decidiram que ele seria o responsável pelo imóvel. E ele foi sozinho conhecer a residência. Ao chegar se impressionou com as flores imortais e com a única calçada escura daquela rua. Ficou parado em frente a casa vermelha alguns minutos. Observou que transeuntes não pisavam na calçada e evitavam olhar para a residência. Por inúmeras vezes Ralf viu a cena e sempre balançava a cabeça. Seguiu em frente.

Ao cruzar o jardim sentiu um frio invadir seu corpo. Roçou as mãos uma na outra e continuou a caminhada. Bem próximo da porta de madeira, contou os degraus. Eram cinco. Número que ele não gostava, porém ignorou. Novamente sentiu algo estranho. Suas pernas pareciam recusar seguir adiante. Pela primeira vez em seus 34 anos de vida teve um certo receio do perigo, para não falar medo.

Antes de enfiar as mãos no bolso, Ralf fechou os olhos e torceu para ter esquecido as chaves. Porém na primeira tentativa, seus dedos gelados tocaram aqueles dentes finos que o levariam adentro da casa misteriosa. Não tinha mais jeito. Era entrar ou… entrar. E entrou. Com as mãos trêmulas e corpo frio, abriu a porta e começou sua inspeção.

A enorme sala ainda tinha alguns móveis. Limpos e sem poeiras, apesar de informações que há mais de um mês ninguém entrava na casa. Pensou em voltar e deixar a visita para outro dia, porém lembrou-se dos filmes de terror que havia assistido e teve a intuição que poderia não encontrar a saída daquele local sinistro. Fato que aumentaria seu tormento. Respirou fundo. Decidiu subir as escadas rumo ao segundo andar.

A passos lentos e macios, como quem tinha receio de acordar alguém, chegou ao último degrau da escada. Deparou com um corredor comprido, onde, o último quarto era o cantinho do Nhô Zinho. Encorajou-se e foi direto ao cômodo. Intuitivamente bateu à porta e só depois lembrou que estava sozinho. Sorriu timidamente. Depois fechou os lábios com seriedade e logo sorriu novamente de nervoso. Por fim atravessou a porta.

Assim como a sala, o aposento do Nhô Zinho estava limpo, apesar de algumas teias de aranha. Ralf caminhou pelo quarto e seguiu em direção a um quadro com moldura dourada na parede com a foto em preto e branco e a face tranquila do seu avô. Tentou tirar para limpar. Usou toda sua força e nada. Não conseguiu. Achou estranho. Passou só a flanela por cima.

Ralf levou os olhos a passear por toda a extensão do cômodo e observou um calendário na parede. Notou que a folha estava com o mês vigente. Estremeceu. Imaginou e inventou uma mentira para si mesmo, fazendo valer a crença e acreditando fielmente que alguns dias alguém visitou o local e atualizou o informativo do tempo. Sabia que não era verdade, mas aquela mentira serviria para conforta-lhe a alma. Chegou próximo a escrivaninha e viu um caderninho de anotações com letras do avô e outras desconhecidas, uma espécie de perguntas e respostas. Pensou em ler, mas considerou que aquele momento era inoportuno. Já tinha visto o suficiente. Rapidamente saiu do quarto.

Ralf reuniu forças, desceu as escadas e foi até a cozinha. Uma xícara de alumínio cheia de café chamou sua atenção. Atrevido, chegou perto e enfiou o dedo no líquido preto e logo tirou. Estava quente. Ficou estático. Sem energia para correr. Pensou em gritar, mas não adiantaria. Fechou os olhos e apertou as pálpebras bem forte. Sentiu algo quente incomodar seus braços frios. Abriu os olhos lentamente e para seu alívio percebeu que havia na janela de madeira, uma greta onde a luz do sol dirigia diretamente para a xícara de alumínio, aquecendo o saboroso líquido negro.

Sentou-se e respirou forte e alto, recuperando-se do susto. Refletiu e chegou a conclusão que era melhor ir embora. E decidiu que não voltaria. Queria continuar com a ideia bem resolvida que assombração e paranoias do gênero não existiam. E os ocorridos na casa deixada pelo seu avô Nhô Zinho colocavam seus conceitos em risco.

Ralf levantou-se da cadeira para retirar-se da mansão. Sentiu uma certa desconfiança e incerteza invadir seus pensamentos, que o fez agilizar os passos rumo a sala. Começou a procurar a única porta que o deixaria liberto daquele local misterioso. Andou de um lado a outro, porém, para seu desespero, não encontrou a saída.

Para gelar de vez a temperatura do seu corpo e congelar sua alma, Ralf ouviu a voz rouca e inconfundível de Nhô Zinho pedindo calma e chamando-o pelo nome. Uma, duas, três vezes. Mesmo temendo o pior, Ralf abriu os olhos e viu seu avô a sua frente, mais vivo do que nunca. Carinhosamente, Nhô Zinho acariciou-lhe a face e explicou que ele foi vítima de um pesadelo. Ralf sorriu e consentiu com a cabeça, concordando com o seu avô. Logo abraçou-lhe bem forte, ainda desconfiado da situação.

TEMA: PARANÓIA

Cláudio Francisco
Enviado por Cláudio Francisco em 06/11/2015
Reeditado em 17/12/2015
Código do texto: T5440352
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