Mortos Que Andam

Assim, naqueles dias as pessoas procurarão a morte, todavia não a encontrarão; desejarão morrer, mas a morte fugirá deles.

Apocalipse 9:6

Toda primeira sexta feira de cada mês Paulo tomava o voo Recife Brasília, essa era única condição imposta por sua namorada Elisa. -Se vai trabalhar em outra cidade pelo menos um final de semana a cada trinta dias temos de ficar juntos; Disse ela se conformada quando recebeu a notícia do novo emprego do seu namorado. Depois de cinco anos de altos e baixos no relacionamento não seriam duas horas de voo que iriam separa-los. Também o novo emprego do Paulo era um tipo de sonho, depois de tanta espera finalmente ele ocuparia uma função pelo qual havia ralado tanto, e seus pais quase conseguiu convencê-lo a largar o curso de engenharia naval e fazer direito tributário, adorou ver a cara dos velhos quando ele deu a notícia que iria chefiar uma das equipes no porto de SUAPE para construção de navios. Poderia finalmente por o plano de casar com a Elisa, depois de penar por tanto tempo como auxiliar de escritório de uma pequena firma de advocacia. Paulo era concentrado e muitas vezes quase que obcecado em seu objetivos e quando decidia uma coisa nada o tirava do foco. Hoje mesmo ele estava levando a aliança de noivado, seria uma surpresa para Elisa, Anel de ouro branco com rubi, dois mil e oitocentos pagos a vista, isso sim era um anel de noivado digno e a altura dela, Paulo estava orgulhoso dele mesmo, vinte e oito anos e tinha um excelente emprego e uma noiva linda e agora estava indo para casa firmar o famoso compromisso.

-Você não fica nervoso em voos? Perguntou o homem careca bem vestido, visivelmente suado.

-Um pouco mas estou acostumado. Respondeu Paulo ajeitando-se na cadeira.

-Eu não me acostumo mesmo, qualquer erro do piloto será o dia dele e o nosso. Aliás meu nome é Gervásio.

-Paulo. Respondeu ele estendendo a mão para cumprimentar o homem suado.

-Dizem que o avião é o meio de transporte mais seguro do mundo, eu não acho, num ônibus por exemplo a responsabilidade é do motorista, se algo acontece com o veículo ele pode descer e fazer algum conserto, já num avião são muitas pessoas pra dividir a responsabilidade e qualquer defeito grave, pimba! Direto pro chão. Disse Gervásio fazendo um gesto de subida com a mão e depois uma descida brusca.

-Bem eu costumo tentar relaxar e não pensar nisso. Respondeu Paulo dando um sorriso amarelo.

-Só pego avião por conta do tempo mesmo, duas horas de Recife a Brasília é bem melhor do que cinco dias de ônibus, eu sempre fico com prisão de ventre em ônibus é horrível. Comentou Gervásio que parecia ainda mais suado.

Paulo não costumava conversar durante voos, preferia ficar quieto e se concentrar em sua chegada mas Gervásio estava decidido em mudar seus hábitos e continuava a expor suas opiniões em relação a as viagens aéreas. Depois de alguns momentos Paulo conseguiu desligar o áudio da voz do seu interlocutor e tudo ficou um pouco menos chato. Mas nem todos perceberam uma pequena movimentação no fundo da aeronave, duas aeromoças fecharam as pressas a cortina da sala do serviço de bordo, só o Paulo viu por quase uma fração de segundo antes da cortina fechar o rosto de uma delas suja de...

-Sangue! Exclamou Paulo.

-Sangue! Onde? Saltou Gervásio.

-Uma das aeromoças está com o rosto sangrando. Disse Paulo baixinho.

-Tem certeza? Talvez seja um acidente, isso é muito comum em aviões.

-Eu também vi, era sangue, a aeromoça estava com o pescoço coberto. Disse um homem bem vestido que estava sentado logo atrás de Paulo.

-Bem vamos nos acalmar deve só ser um acidente. Disse Paulo tentando voltar a calma. Mas o fato ainda ficaria um pouco mais confuso quando de dentro da sala de serviço de bordo saiu toda apreensiva uma das aeromoças, que foi logo questionada pelo homem bem vestido que estava atrás do Paulo.

-Um pequeno acidente Sr. nada que não possamos resolver. Respondeu a aeromoça visivelmente nervosa.

-Bem eu sou médico, posso ajudar em alguma coisa? Disse o homem bem vestido.

-Sendo assim por favor, me acompanhe. Respondeu ela. Fez se um pequeno silêncio depois que os dois entraram na sala das aeromoças, depois de cinco minutos o médico e duas aeromoças saíram de lá, uma delas estava chorando. Todos no avião começaram a ficar nervosos e começou a enxurrada de perguntas. Gervásio ao lado de Paulo não parava de tagarelar sobre acidentes aéreos e uma pequena confusão estava armada. O homem bem vestido se prontificou a falar para acalmar a todos ali.

-Pessoal meu nome é Otávio Mendez e eu sou médico cirurgião e depois de examinar a aeromoça eu pude constatar que ela faleceu. Segue-se outro falatório entre os passageiros, mas o médico continuou: Não é preciso alarme nem preocupação, a tripulação está treinada para esse tipo de emergência e eu mesmo me voluntariei para qualquer coisa. -Do que ela morreu, é contagioso? Perguntou uma moça com um filho pequeno no fundo da aeronave.

-Bem pelo que eu pude ver, parece que ela teve algum tipo de acidente doméstico e não relatou a ninguém... -Que tipo de acidente doméstico? Perguntou um senhor de cabelos grisalhos. Parece que foi um tipo de mordida no braço, o ferimento pode ter infeccionado e deve ter causado algum tipo de reação mais forte, mas só um exame pode determinar a causa da morte. Alguns não se convenceram com as explicações do médico e exigiram a presença do capitão, depois de alguns instantes tensos o capitão vei até a frente para explicar a situação. -Gente eu peço a calma de todos, estamos a quarenta minutos de Brasília e logo resolveremos tudo com a mais perfeita ordem. Não é preciso alarme e nem confusão, lembrem-se que estamos num avião e devemos seguir os protocolos de emergência.

Durante o discurso do capitão os ânimos ficaram menos exaltados, Paulo estava um tanto preocupado, será que por conta disso ele se atrasaria para o seu encontro, do seu lado Gervásio estava ensopado de suor, todos estavam tensos mas daqui a quarenta minutos todos estariam em terra e esse contratempo seria resolvido. Mas num ma fração de segundos de dentro da sala das aeromoças saiu uma delas sangrando muito, ela estava ferida no pescoço, foi muito rápido que mal deu tempo do piloto se virar para ver o que estava ocorrendo, em segundos o caos estava instaurado, mas tudo ficou ainda mais confuso quando a aeromoça que estava morta saiu de dentro da sala também, ai sim o pânico se espalhou. A aeromoça supostamente morta toda coberta de sangue coagulado partiu velozmente para cima dos passageiros, ela tinha a aparência de um cadáver e seu cheiro era de alguém que estava morta a dias. Dois homens tentaram segurá-la mas nada pode ser feito, durante a confusão algumas pessoas foram mordidas por ela, depois de algum tempo a aeromoça enlouquecida foi contida e colocada dentro do banheiro devidamente trancada. Paulo estava atônito ao presenciar aquela cena, tentou manter a velha calma mas não sabia se daria certo, todos estavam muito assustados, no fundo da aeronave alguns passageiros estavam espremidos tentando se proteger do ataque da tal aeromoça, durante a confusão cinco pessoas foram atacadas a mordidas, inclusive o piloto que foi o primeiro a ser atendido pelo doutor que lhe fez um curativo na mão esquerda, logo em seguida os demais foram socorridos pelas aeromoças restantes. -Mas o que houve aqui alguém pode explicar essa porra! Gritou Gervásio com a careca brilhando de suor.

-Sr. Por favor sente-se e tente se acalmar. Respondeu uma aeromoça baixinha de traços orientais que estava enfaixando o braço de uma senhora gorda.

-Alguém tem que explicar como alguém dado como morto se levanta e ataca a todos, estamos dentro de um avião como isso pode acontecer?

-Senta ai cara, estamos tentando nos acalmar isso não vai ajudar. Falou Paulo puxando Gervásio pelo braço.

-Sr. estamos todos nervosos ainda, daqui a pouco estaremos em terra, o aeroporto de Brasília já foi notificado e tudo ficará bem. Respondeu a aeromoça chefe.

Mas é claro que enquanto não chegassem em terra nada estaria bem, havia ali um quase desespero e dentro de um objeto fechado a uma altura de sete mil metros, qualquer coisa poderia ser o estopim para um caos total e Paulo sabia que precisava acalmar seu companheiro de poltrona antes que todos ali perdessem o controle. Mas cada vez que ele tentava acalmar aquele homem que passou metade da viagem falando sobre acidentes aéreos mais ele se desesperava. Mas em algum momento a primeira aeromoça que foi atacada caiu no chão e começou a se debater. -Vejam isso não está sob controle! Gritou Gervásio, isso é contagioso, precisam parar esse avião. Todos ali estavam bem assustados. Um homem que estava no fundo começou a gritar para segurarem a aeromoça que se debatia freneticamente, uma mulher que também fora mordida entrou em pânico e começou a gritar que também iria morrer. Nesse momento um barulho enorme veio do banheiro onde a aeromoça que fora dada como morta estava presa, a porta havia sido derrubada e ela estava fora, nesse mesmo momento um homem que também fora ferido caiu igual a aeromoça. O caos estava instaurado definitivamente na aeronave. Paulo tentou segurar Gervásio mas ele estava histérico, a única solução foi ir para o fundo da aeronave e tentar se proteger das pessoas que estavam tentando abrir a cabine do capitão, tudo estava muito confuso mas piorou quando a aeromoça que havia caído levantou-se e começou a atacar as pessoas. -Meu Deus o que está havendo aqui. Gritou a moça que segurava forte seu filho pequeno, no mesmo instante ela foi atacada pela aeromoça que saíra do banheiro. Paulo correu para o banheiro, achou que era um lugar seguro para se proteger mas outros dois passageiros também tiveram a mesma ideia. Uma mulher alta que durante toda a viagem parecia estranhamente calma e um sujeito baixinho com cara desconfiado. Eles trancaram a porta por dentro e se espremeram ali como podiam, de dentro podiam ouvir gritos e muito barulho, estava realmente assustadora a situação ali. Nesse exato momento alguém começou a arranhar a porta pelo lado de fora, talvez tenha sido impressão do Paulo mas ele pode ouvir nitidamente alguém pedindo para entrar mas logo essa voz foi parada por alguma coisa.

-Alguém sabe como tudo isso aconteceu? Perguntou a mulher visivelmente assustada.

-Parece que foi a aeromoça, ela deve estar infectada com raiva ou sei-lá. Respondeu Paulo tentando se manter calmo.

-Como assim raiva? Perguntou a mulher.

-Bem o médico disse que ela foi mordida, talvez seja raiva. Respondeu Paulo.

-Eu não sou médica mas desde quando alguém que está com raiva morre e depois volta?

-O que vamos fazer? Perguntou o homem baixinho?

-Vamos ficar aqui até chegar em terra. Respondeu Paulo olhando para o relógio.

-Eu não sei, você não notou que o piloto também foi atacado durante a confusão?

-Sim foi mesmo. Respondeu a mulher confirmando.

-Bem eles podem tentar um pouso de emergência ou algo parecido. Respondeu Paulo ficando nervoso.

-Alguém tentou ligar pra casa? Perguntou o homem baixinho.

-Bem eu estava com o notbook ligado e vi umas notícias estranhas sobre algo parecido acontecendo em São Paulo. Respondeu a mulher começando a demonstrar medo.

-Como assim parecido? Perguntou Paulo. Súbito os barulhos pararam e todos os três notaram, Paulo fez um sinal de silêncio e logo em seguida o avião deu um forte solavanco jogando os três contra a parede. -Meu Deus estamos caindo! Gritou a mulher. Um forte zumbido os deixou quase surdos e tudo começou a tremer. Paulo pensou em abrir a porta mas tudo estava chacoalhando tanto que ele mal pode se movimentar, o homem baixinho começou a gritar pelo nome dos seus filhos e a mulher o seu lado desmaiou. A última coisa que Paulo viu foi o teto do avião sob sua cabeça começar a rachar, era o fim, pensou. Dizem que nos seu últimos momentos toda sua vida passa diante dos seus olhos, não foi isso que Paulo viu, ele viu centenas de corpos serem sugados para o alto e depois se precipitarem para a terra. Deus! Pensou ele enquanto tudo ficou escuro a sua volta.

Joe Alvez
Enviado por Joe Alvez em 25/11/2015
Código do texto: T5460753
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