TRILHOS DE SANGUE (PARTE 01)

Enquanto o sol se punha, Marcos, João e Jhonatan seguiam viagem na parte de cima de um dos vagões do velho trem de carga da cidade de Lucena, na Paraíba. Era comum para os rapazes, todos com 15 anos, trilharem para os mais diversos lugares, escondidos e não ligando para os riscos iminentes. Levavam lanches, revistas, um rádio decrépito, e tudo o que achassem necessário para que passassem uma bela tarde de recreação e aventura.

No dia em questão, os três já estavam voltando para a pequena cidade em que viviam. – Geralmente nessa fase da viagem todos ficavam deitados olhando para o céu enquanto debatiam qual seria a próxima aventura. – Apesar de se conhecerem desde crianças, realizavam essa peripécia somente há dois meses. Marcos tinha o cabelo loiro e porte físico mirrado, e quase sempre era quem incentivava as aventuras; João, ao contrário de Marcos, era rechonchudo, rosado e sem dúvida o mais medroso entre os três; por fim, Jhonatan, mulato de cabelo curto e crespo, era do tipo que sempre concordava com tudo para agradar, mesmo que na maioria das vezes não quisesse realmente fazer o que fora proposto.

- Ei Marcos, o que você pensa pra próxima viagem? Me disseram que terça de manhã o trem passa por ótimos lugares! – Disse Jhonatan

- Cara, pode ser, pois hoje foi uma droga. Só mato, mato e mais mato! – Respondeu.

- Turma, sei não, se minha mãe souber que estou zanzando dessa forma por aí, vai dar sujei... – Antes que terminasse a palavra, surgiu uma vaia uníssona foi vociferada pelos dois outros amigos.

- Uuuuuuuuu!

- Ei gordinho, é uma vez por semana só, relaxa. E outra, você pensa mesmo que sua mãe realmente liga pra você? – Marcos brincou, enquanto Jhonatan do outro lado gargalhava sem parar.

João estava prestes a responder quando um grande estrondo soou seguido de um impacto devastador. O trem estava tombando em grande velocidade. Jhonatan fora arremessado para longe, enquanto Marcos conseguiu se segurar bravamente em um dos ferros cravados acima do trem. E João, sem tanta habilidade, se debatia com a perna enroscara em um deles. Os gritos duraram alguns segundos, pelo menos até que o trem parasse de deslizar pelo matagal ao lado dos trilhos.

- Cof! Cof! João você está bem? – Perguntou Marcos ainda meio confuso devido à queda.

- Não, que droga, acho que me borrei todo! Onde está o Jhonatan? – João apesar de apavorado, havia apenas se ralado um pouco, nada grave.

Marcos levantou-se devagar, e retomando aos poucos suas forças foi procurar o amigo. João, ainda choramingando pela roxidão de sua perna, não se mexeu. Mesmo com a poeira abaixando, a noite já dava as boas-vindas e o ambiente não se encontrava mais propício para uma busca minuciosa. O garoto mirrado não se intimidou com a penumbra, pegou sua lanterna que estava na mochila, e saiu caminhando pelo lado de fora do trem em busca do amigo.

- Ei sei rechonchudo, me ajude a procurar! Venha, vamos ver se o maquinista está bem!

- Ai, tá certo, mas antecipo que devo ter quebrado a perna. – Disse João mostrando um leve arranhão superficial em seu joelho.

Os dois garotos foram em direção para onde seria a cabine do maquinista. Marcos escalou o trem tombado e começou a pisotear a vidraça que o separava de onde o maquinista estava, até que que este se partiu. O comandante do trem estava deitado de bruços e parecia inconsciente. O menino tentou cutuca-lo algumas vezes, mas seu corpo permanecia estático. Marcos aproximou-se mais do homem e com certo esforço virou-o com a cabeça para cima. Todo seu rosto estava coberto por fendas causadas pelos estilhaços do vidro dos painéis, e estas ainda permaneciam grudadas em sua face. A visão era tão horripilante, que fez João, logo atrás de Marcos, mas ainda fora do vagão, vomitar freneticamente. Ele nunca vira tanto sangue em sua vida. Já Marcos, sem demonstrar medo, colocou dois dedos no pescoço do corpo lívido e concluiu:

- o maquinista está morto.

Continua...