A Cabana Na Trilha

A chuva continuava a cair pesada por sobre a velha estrada de terra. Um caminho antigo, tortuoso, que recortava as estreitas faixas de terra plana existente por entre as ancestrais montanhas da região.

O relógio já passara das 18 da noite. O velho Rekord E continuava vagaroso, cambando de uma via secundária, totalmente inutilizada pelo mau tempo, para aquela que poderia ser chamada de principal, se é que alguma delas pudesse ser chamada de via, quiçá principal.

As pálpebras da motorista pesavam. Seus olhos, cansados pelas horas insones, perdiam constantemente o foco. “Irei bater se não parar” ela dizia a si mesma enquanto perscrutava o horizonte em busca de algo que pudesse lhe servir de abrigo.

O verão já era a muito conhecido por ser uma época propicia do ano a grandes tempestades. Aquela, porém não era uma tempestade qualquer: sua fúria avassaladora lhe fazia merecer uma nomeação própria, que caracterizasse de maneira fidedigna seus raios lacerantes, seus trovões ensurdecedores e seu monstruoso volume d´água. Sem dúvida aquela era uma tempestade de fazer inveja ao dilúvio bíblico.

Mais alguns minutos se passaram. O desespero tomava conta da alma da motorista, que pressentia sua morte iminente. Suas mãos não conseguiam mais segurar com firmeza o volante. O coração palpitava em ritmo acelerado, quando finalmente a esperança se reascendeu quando seus olhos distinguiram no horizonte as formas de uma cabana.

Seu aspecto era rude, sim. Porém as luzes que saiam de sua janela e a fumaça que saltava por sobre a chaminé indicava que havia uma presença humana naquela casa. Uma presença humana! Humana! Uma pessoa que poderia lhe acolher, que poderia lhe ajudar que poderia lhe fornecer abrigo, comida e calor. Alguém que poderia escutar a sua história, de porque fugira tão desesperadamente da cidade para uma região tão inóspita quanto aquela.

Os pneus carros dançavam pela pista, a tempestade parecia que ganhava um novo vigor, mais forte e poderoso que o anterior, que em momento algum havia minguado. O tempo e a proximidade faziam aumentar sua ansiedade.

Não demorou muito, a motorista então se viu de frente a cabana. Não era uma cabana grande. Sem sombra de dúvida pertencia a algum mecânico ou aficionado, visto a quantidade carcaças e peças de carros que se amontoavam ao lado da construção.

“Ô de casa”, ela gritava em vão, pois os fortes trovões ensurdeciam qualquer tentativa de comunicação. Ao longe a única coisa que podia se escutar era o rangido, provavelmente de um velho gerador que provinha eletricidade a cabana.

Encharcada, tremendo de frio, ela rodeou a casa em busca da visão de um rosto em alguma das janelas. Um rosto humano com a qual pudesse clamar por ajuda.

A casa não era grande, por isso mesmo com o forte vendaval não demorou em contorná-la.

Ela sabia que era errado adentrar sem autorização a propriedade alheia, porém seu senso de sobrevivência falou mais alto e ela adentrou a cabana. A luz não era forte e provinha de quatro lâmpadas bem distribuídas, além de uma lareira na extremidade oposta. O fogo tremeu, e ela com dificuldade ela fechou a porta. Segurança! Ela já não mais estava exposta à tempestade.

A decoração da casa era simples. Alguns quadros ornamentavam as paredes. Duas camas de madeira se posicionavam próximas, uma delas apropriada para um casal e outra destinada a uma criança, devido a seu tamanho. Uma mesa bem servida e arrumada figurava ao centro da casa. Fora isso duas portas se mostravam, a direita e a esquerda, uma dando para um banheiro pequeno e outra para uma cozinha. Sem dúvidas, era um ambiente aconchegante e que diante dos últimos momentos lhe parecera o paraíso.

Mais uma vez ela chamou e mais uma vez não houve resposta. Tremendo, viu que duas roupas estavam encharcadas. De frente para a lareira ela tentou esperar de uma maneira mais educada e menos intrusiva o regresso dos donos da cabana, afinal eles não poderiam ter ido longe afinal!

O calor da lareira, porém não era suficiente, Abusando da boa vontade que futuramente lhe seria oferecida por seus anfitriões, ela se despiu de seus trajes, se dirigiu ao banheiro, onde dedicou alguns longos minutos a se deliciar em um fumegante banho quente.

Revigorada, procurou por algumas roupas femininas que pudessem lhe servir para tampar sua nudez e lhe proteger do frio, que ainda assim adentrava a construção. Não precisou procurar muito para que encontrasse um simples, porém belo vestido que de imediato o colocou.

A fome, era o penúltimo de seus flagelos. Educada, se serviu com moderação do apetitoso banquete, embora seu estômago lhe dissesse que seria possível devorar todo ele.

Passaram vários minutos e seus anfitriões ainda não haviam retornado para conhecer e se dar conta de sua convidada a surpresa. O sono já forte se tornou insuportável e ela então se deitou e se pôs a dormir em uma das camas.

A paz reinava em sua mente. Sono... Seu tão merecido sono, repleto de sonhos dos tempos mais felizes. Sua alegria mesmo momentânea era completa, quando de súbito o mundo dos despertos a convocou através de uma voz infernal que gritava “Monstro”!

Tanto ela esperou e ansiou por ouvir uma voz humana, e agora uma voz tenebrosa, pronunciada por uma garganta que apesar de humana parecia não ter sido feita para falar e sim para grunhir. Um erro, um projeto abortado da natureza! Essa voz lhe trouxera de volta dos braços de Morfeus e a chamava de Monstro.

Havia um rosto, humano como ela, a quem pertencia a garganta e a voz. Atrás deste outros dois vultos humanos se escondiam em um canto. A expressão no rosto era a inconfundível de medo e ódio. Esse mesmo humano furioso carregava em suas mãos um pesado e afiado machado.

Ela tentou falar, porém sua garganta falhou. Seus peludos braços e garras tentaram em vão aparar o machado que vinha em sua direção, o que se mostrou ser outro movimento em vão.

Fora questão de segundos, e sua cabeça fora separada do resto de seu corpo. A paz, proteção e calor desejados duraram pouco, e ela morreu, com a visão de outro humano descontrolado fora a sua última antes de ser expulsa, sumariamente, do mundo.