Entre Escombros

Na mansão despedaçada, o desejo de moradia. O quarto alugado, ainda contendo cada objeto da garota morta, que era a antiga moradora. A cama de casal e aquele monte de potes em cima de uma cômoda. O trinco velho que corre sobre o beiral e não tem apoio. Do lado de fora dedos podem se esgueirar pelas brechas da perade e abrir a tranca. Olhando pela fresta eé possível ver a movimentação de pessoas nos corredores. Parece que ainda mantém um ar de lugar comercial. Pessoas vão e vem. Um homem gordo de bigode preto encara a minha porta. Talvez seja um curioso, um criminoso, o assassino que matou a antiga moradora.

Pegando no molho de chaves encontro um chumaço de cabelos castanhos claros, quase loiros, preso no chaveiro. Seria essa a última herança? Nunca me importei em saber como era a antiga moradora, mas agora vejo que tinha vasta cabeleira e quais pistas mais poderia encontrar? Na quarto da frente apenas escombros, entulhos amontoados e vejo pássaros que entram pelo vão do teto, piando e voltando para o lado de fora. Na janela vejo o movimento do comércio na rua abaixo, o vai e vem de pessoas, presto atenção se conseguem me ver aqui em cima. Sou uma paisagem entre tantas. Fodam-se eles e foda-se eu.

Sento na privada sem assento e sinto a cerâmica fria. O rolo de papel higiênico no chão, sem suporte. Ligo o som e deixo tocar jota Quest, e começo a me fazer de cantor. Empolga e nu, sobre a cama, como se fosse meu palco e todos lá embaixo minha platéia. Embora me assegure de não estar sendo visto. Tendo pegar a base do ventilador para me servir de pedestal, mas fica baixo, inadequado. Vou à cômodo e pego um ponte de creme para cabelos da morta e uso como microfone e vou cantando enlouquecido. A senhoria empurra a porta e o trinco cede, adentrando de uma vez e me vendo em cima da cama nu, com o pote de creme na mão. Digo que estou apenas arrumando as coisas e que irei abaixar o som. Droga, estou nu e constrangido. Mas quando reparo bem, vejo que ela também está nua. Uma bunda velha e seca. Ela revira as coisas como se estivesse procurando algo e sai, me ignorando. Tranco a porta novamente e volto a aumentar o som, subo na cama e continuo cantando. Agora os olhos sempre se voltam para a porta, imaginando quando ela o outra pessoa irá novamente invadir meu espaço.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 03/01/2016
Código do texto: T5498815
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