AKIRU

O sol se levantava em seu esplendor. Sempre admirou o Sol, porém hoje em especial, o seu brilho nas folhas das sakuras e dos lagos tinham um significado maior, Akiru brilhava com ele.

Akiru era um jovem ronin que ansiava se tornar um samurai. Treinou sempre com o máximo de afinco e guardava o bushido com toda a dedicação. Apesar de seu esforço nunca conseguiu uma chance. Até hoje.

Em sua peregrinação pelo Japão lutou com vários homens de valor, porém quando em um desafio matou o irmão de Ai, o grande samurai, conseguiu o que sempre sonhou – uma luta até a morte com um mestre.

Começava a subida do Fuji-san, conhecia aquele caminho que sempre lhe trazia temor, temor pela sua grandeza, sua constância e beleza serena. A riqueza que o Fuji representa está em seu poder de se tornar notável pelo exemplo que dá aos samurais. Ser um homem que se faz perceber pela presença marcante e imutabilidade de caráter, pela justiça e senso de moralidade, sua coragem, compaixão, sinceridade, honra, lealdade e amabilidade. O Fuji-san era o samurai exemplo, exemplo que levou Ai a fazer dele sua morada e lugar para o duelo. Fuji-san é a natureza do Samurai, Ai era o seu resultado.

Akiru chegou cedo ao topo do Fuji-san, queria chegar primeiro que seu oponente para estudar o lugar, mas Ai já estava lá, sentado em posição de lótus, parecia distante. Realmente era um homem que, sem falar, transmitia paz. Akiru sentiu pela primeira vez medo, estava diante do maior samurai do Japão, um homem conhecido pela sua capacidade não só como espadachim, mas acima de tudo pela sua vontade de servir ao próximo. Era inabalável sem perder a polidez. Seus admiradores eram muitos, seus inimigos dormiam debaixo de seus pés.

- Preparado Akiru-san?

-Sempre, Ai-san.

Ai se levanta, parecia muito maior do que seu irmão, Akiru lentamente retira sua katana e, com a cabeça, cumprimenta Ai.

As espadas se tocam, a batalha começa. O suor corre pela fronte de ambos combatentes, as mãos tremem a cada golpe. Ai parece não sentir o esforço da peleja. Akiru sente o cansaço e já começa dar sinais de querer desistir.

- Levante, Akiru-san, um samurai jamais deita sua katana. Talvez esta seja uma lição aprendida tarde demais, se é que o aprender possa em algum tempo tardar.

- Realmente você é um oponente formidável, Ai, mesmo tendo me colocado ao chão ainda se preocupa em me ensinar. Sei o que há de ocorrer, fui vencido, lave minha honra com meu sangue.

- Tome sua espada, faça o haraquiri, estarei aqui a sue lado, Akiru, para diminuir sua dor.

Akiru, humilhado, toma a sua espada do chão. Sabia que, como derrotado, só lhe restava abrir o próprio ventre e expor suas entranhas para o vencedor e, este em um gesto de compaixão e aceitação, lhe deceparia a cabeça. Sua ambição e todo esforço terminariam ali. Samurai não se tornou, o sol e seu esplendor jamais voltaria a ver.

Apontou a lâmina para o próprio ventre, olhou para Ai, este procurou seus olhos, mas Akiru desviou o seu olhar, não queria morrer, sua vontade era muito maior do que o bushido ou qualquer outra pessoa.

Ai, como assim mandava a regra, havia guardado sua espada em respeito ao jovem ali ajoelhado a sua frente. Sabia que a batalha estava terminada e que a missão de um homem honrado não está no resultado da batalha, nem na posição que se encontra, pois estes são apenas momentos de um todo que não está nas mãos de mortais. A missão é desenvolver aquilo que é maior que o homem ou a morte ou a vida, é desenvolver durante esta curta e nefasta caminhada a essência da justiça, da bravura, benevolência, cortesia, sinceridade, honra e lealdade. Uma vida que valha a pena ser vivida é uma vida devotada a incutir estes preceitos na alma do homem, somente então a morte poderia ser encarada como uma linha de chegada.

Volta os olhos para Akiru, via ali um jovem que não sabia qual era a missão. Era um jovem que hesitava na presença da morte. Ele sabia qual seria o resultado. Um homem que hesita diante do inevitável é um homem disposto a trair o objetivo de sua existência.

Akiru, pelo reflexo de sua lâmina vê a espada guardada de Ai, pensa em tudo que lutou até ali, pensa em como a honra só pode ser definida por aquele que vence, independente como a vitória ocorre, hesita e diz:

- Adeus, Ai-san.

Ai fechou os olhos e sorriu:

-Até logo, Akiru.

Akiru então deu o golpe, Ai cai com o profundo corte que sorrateiramente Akiru lhe desferiu na perna, mas mesmo assim mantendo o sorriso lhe diz;

- A batalha então começa.

Akiru suava, não mais de cansaço ou humilhação, mas de raiva, então de um só golpe perfura o coração daquele que o vencera. Sua raiva estava em ter notado no sorriso de Ai a antecipação do golpe traiçoeiro e, mesmo sendo traído, se deixou matar para não ter que quebrar o código de honra – não se mata um homem de joelhos preste a fazer o haraquiri.

Ai caiu morto, Akiru se levanta e, tomando a espada de Ai começa a decida, O sol brilhava em seu esplendor. Admirava o sol, porém agora algo em seu brilho nas folhas das sakuras e dos lagos tinham um significado diferente, Akiru tinha seu semblante apagado.

A notícia se espalhou rapidamente por todos os feudos, havia um samurai tão poderoso que derrotou o grande Ai. Discípulos de Ai desafiavam Akiru e um por um caíram diante de sua katana. Akiru atingiu todo o sucesso que um samurai poderia conseguir. Akiru desenvolveu técnicas e sempre com muita facilidade derrotava a todos. Tornou-se conhecido por sua violência em combate e sua crueldade de nunca deixar seu oponente lavar a derrota com o haraquiri. Ele fazia questão de abater seu oponente com um golpe certeiro no coração, mesmo estando caído sem sua espada.

Akiru tinha então alcançado o topo. Mas o topo lhe dava náuseas. Ele não tinha coragem de levantar os olhos para o Fuji-san. A cada oponente abatido a imagem de Ai sorrindo lhe vinha à mente. Akiru se refugiou então na Aukigara Jukai. Sabia que ali ninguém lhe procuraria por causa das lendas que circulavam sobre a floresta, viver em suas cavernas tornava Akiru cada vez mais no que as pessoas diziam ele ser: um monstro, um fantasma.

O temido samurai se entregou à meditação, ao jejum, ao pensamento, ao objetivo de se purificar e encontrar um sentido que superasse sua fama e seus grandes feitos. Qual era a essência de tudo aquilo que ele construiu com a espada? O que tinha que fazer para adquirir o sorriso de Ai?

Ele não queria mais ver a luz do sol, ele não queria a opulência do Fuji-san, ele queria a escuridão das cavernas daquela região tão temida pelo seu povo. Região conhecida pelos fantasmas que ali vivem, monstros e histórias dos muitos suicídios que lá ocorrem. O mar de florestas afogava a todos que lhe desafiavam.

Akiru suava, suas roupas fediam, pensava estar alucinando por causa da fome, sede. Sentia-se confuso por passar tantos dias (se passaram dias?) ser ver luz. Não se levantava da posição de lótus.

- Akiru... Ouviu um sussurro.

- o que, como. Quem?

- Akiru...A batalha então começa...

Akiru conhecia aquela voz, primeiro um sussurro, depois forte e nítida. Abriu os olhos e procurou seu maior amuleto – a espada de Ai, mas ela não estava no pedestal que ele tinha feito. Sentia um olhar por trás dele. Levantou e sacou de sua espada, enxergou um vulto.

- Quem é você?

- Akiru...A batalha começa....

Ele se atira com toda sua ira contra o vulto, desfere golpes, mas o vulto é mais rápido e se esquiva com facilidade de seu agressor, Akiru nota que o vulto traz empunhada a espada de Ai.

- Você voltou para me assombrar? O que você quer de mim? Eu te venci!!!!!!

O vulto aponta para trás de Akiru, ao se virar ele vê um velho que lhe olha profundamente.

- Senhor, me diga se estou louco, consegues ver aquela sombra?

O velho não responde, apenas saca de sua espada e aponta para o ventre de Akiru.

- Será muito fácil te matar, seu velho louco, me diga seu nome para escrevê-lo em sua lápide.

- Gi, respondeu o velho, fui o primeiro a ser morto quando sua batalha começou.

Akiru não entendia o que estava acontecendo, ele sabia que nunca tinha visto aquele velho antes, como poderia tê-lo matado? Ele tenta ir para uma das paredes da caverna, se sente coagido pelo vulto e pelo velho, então ele sente um braço.

- Sou Meyo, irmão de Makoto, fomos mortos enquanto descias do Fuji-san.

- Loucos, mentirosos, nunca os vi, me lembro de todas as minhas batalhas, eu nunca duelei contra vocês eu...

- Você não nos conhece, mas já duelou contra todos nós, sua derrota foi ter nos matado.

- Quem é você? De onde saístes? São demônios que vêm me assombrar?

- Sou Chugo, este é Yu e aquele, á entrada da caverna é Jin, temos te acompanhado, mas nunca sequer tentastes nos entender....

- Pois eu posso com todos vocês, matarei um a um, nenhum de vocês levará as minhas glórias, as minhas vitórias, eu sou o maior, eu sou o melhor, venham, venham e conheçam minha lâmina.

- Nunca fales assim com visitantes, antes que perguntes deixe-me apresentar-me, sou Rey.

- Estou cercado, vocês são em sete mais a sombra, a sombra posso com todos vocês, preparem-se para morrer!

Atirou-se contra os sete visitantes com todas as suas forças, porém seu golpe fora bloqueado pela espada que tão bem conhecia, olhou para a sombra, a encarou e, aos poucos, a sombra começou a tomar forma, era humana, tinha cabelos e traços, ele conhecia aquela face, pálido de medo exclamou:

- Akiru...

Olhou para os visitantes, com eles estava Ai, com o mesmo sorriso apontou para sua espada que estava nas mãos da sombra. Akiru a tomou. Um grito acordou toda a floresta.

Esta lenda se tornou conhecida por todo o Japão, desde pequenos nos é lembrado o exemplo da vitória de Ai e da derrota de Akiru. Os mestres sempre enfatizam ao final que, mesmo vencendo, podemos nos perder na complexa batalha que nossas mentes nos impõem a todos os momentos. Tornei-me samurai, mas em meus sonhos sempre tive a certeza que só o seria se conseguisse recuperar a espada de meu avô, o tão famoso samurai Ai. Aqui dentro desta caverna sua história se torna tão vivida e amedrontadora que meu fiel companheiro akita se recusa a adentrar. Procuro e, depois de alguns minutos para meu espanto, encontro um esqueleto com a mandíbula aberta, caído no centro da caverna com uma espada atravessando suas costelas. Retiro a espada que traz a inscrição milenar de minha família. Olho para aqueles ossos e, sorrindo, deixo em voz alta minha mente se expressar:

- A batalha então começa.

Daniel Medeiros
Enviado por Daniel Medeiros em 06/07/2007
Código do texto: T553905
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