A Maldição da Lua Cheia

A chuva cessou, mais o frio continua batendo forte. O andarilho com seu agasalho do exército e calças surradas caminha pela estrada a passos largos. A mais ou menos quatro horas que ele anda sem parar e até agora veículo algum passou. Uma carona, é tudo que ele deseja no momento. Vez por outra o andarilho olha para trás na esperança de avistar um carro. Nada. A noite logo chegará e seu estômago já começa a roncar. O frio aperta e suas mãos congelam. Ele as enfia no bolso do casaco. A mochila pesa em suas costas. Suas pernas começam a vacilar e seus passos que outrora eram rápidos e firmes, agora estão oscilantes.

Mais a frente uma cabana. Na fachada uma placa escrita de forma rudimentar informa, cantina. Pela primeira vez em horas ele sorrir. O andarilho retira a mochila das costas e do bolso lateral ele pega sua carteira. Confere se há alguma grana.

- Droga de vida, dez reais. – resmunga.

Mesmo assim ele entra. Lá dentro o fedor de tabaco e suor se misturam. Pelo menos está quente. Os frequentadores do lugar são, andarilhos como ele, prostitutas, bandidos e bêbados. O dono da cantina, um italiano gorducho e bigodudo se aproxima limpando as mãos num pano mais sujo que o agasalho do andarilho.

- Vens de onde seu moço?

- Do sul, o que temos por dez reais?

- Dez reais? Bom, sopa de quiabo. – continua a limpar as mãos.

- Sopa de quiabo, com o que?

- Galinha caipira.

- Vou querer um prato, onde posso me sentar, acho que todas as mesas estão ocupadas.

- Venha comigo, vou tirar aquela piranha dali.

A piranha a qual o italiano se refere é Zuleica, famosa por sua garganta profunda.

- Se incomoda de ceder o lugar para o...

- Miro, me chamo, Miro.

Zuleica olha para Miro com cara de nojo.

- Vai querer meus serviços depois que jantar, gostosão?

- Acho que vou deixar para uma próxima oportunidade.

Lorenzo trás o prato fumegante. Dois sérios problemas com a sopa de quiabo; falta sal e quiabo. Miro releva, afinal a fome é maior. Em cinco minutos ele termina a sopa. Paga e quando vai saindo Lorenzo o chama.

- Tem onde passar a noite?

- Não!

- Não quer passar a noite no quarto da Zuleica, é apertado, mas dá para o gasto.

- Fica pra próxima, preciso ir.

- Tem certeza? É noite de lua cheia.

- O que tem isso?

Lorenzo o puxa para um canto e cochicha.

- Há uma criatura rondando por ai, faminta por carne fresca, só aparece em noites de lua cheia.

Miro franze a testa.

- Lobisomem?

- Exatamente, por isso acho melhor passar a noite aqui.

- Agradeço a preocupação seu Lorenzo, mas tenho ir mesmo.

- Deus lhe proteja. – dá de ombros.

Miro ganha mais uma vez a estrada escura. A chuva é intensa e atrapalha a visão. Ele levanta a gola do casaco e aperta o passo. O barulho de um motor chama atenção. Logo seu corpo é iluminado por faróis altíssimos. Miro estica o braço e levanta o polegar pedindo carona. A Rural passa em alta velocidade obrigando Miro a se jogar no acostamento.

- Desgraçado! – vocifera.

Ainda com raiva Miro segue seu rumo. De repente um uivo o faz parar. A chuva estia. Mais um uivo e o medo gela sua espinha. Será que o maldito velho tinha razão? Miro então saca seu trinta e oito e espera. O uivo vem do meio das árvores. Seu coração dá fortes galopes parecendo querer sair do peito. A chuva volta. Miro correr. Sua respiração é irregular, correr de barriga cheia não dá. Cansado ele para. Se apóia nos joelhos. O uivo está cada vez mais perto, Mais que merda, por que não aceitei dormir com aquela piranha fedendo a suor. Miro volta a correr. Algo ou alguém o segue, ele sente isso. O mato na lateral da estrada mexe. Miro atira. Nada acontece. Seu estômago dá um nó e mesmo correndo ele vomita toda a sopa de quiabo. Atira mais uma vez. Quando se recupera, Miro consegue ver uma criatura enorme que ele não sabe distinguir direito, será um cachorro, uma onça ou um lobo. Ele confere a arma, quatro balas.

Volta a correr. A criatura rosna e uiva. Uma lágrima escorre no canto do olho esquerdo de Miro. A criatura sai do meio do mato e avança pra cima do andarilho. Miro grita, chama por Deus, Jesus, sei lá o que. Atira acertando o bicho peludo. O lobo gigante salta com suas patas ferindo Miro no ombro. O andarilho cai aguardando ser devorado quando outros disparos acertam o animal que cai morto.

- Você está bem moço? – pergunta Lorenzo ao lado de outro velho.

- Estou, acho que estou. – diz se levantando.

- Foi ferido? – pergunta o outro velho de chapéu de palha.

- Não.

- Não falei que era para você ficar na cantina com a Zuleica, sorte tua eu ter lhe seguido.

- Eu lhe agradeço, seu Lorenzo.

- Vamos, passe a noite lá na cantina, amanhã pela manhã você pega a estrada.

- Ótimo.

De volta a cantina, enquanto Lorenzo esquenta a sopa de quiabo, Miro toma banho. Ele termina a ducha e se olha no espelho. A ferida no ombro é superficial, mais queima feito brasa viva.

A cantina fechou. Lorenzo, Chico e Miro comem e jogam conversa fora. Chico faz uma observação.

- Dizem que quem é ferido pelo lobisomem, mesmo de leve, na próxima lua cheia ele se transformará na criatura uivante.

Miro engole seco.

- Mais tudo acabou bem, matamos o bicho e salvamos a vida do nosso amigo aqui.

Todos riem, menos Miro sentindo a ferida arder.

Fim

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Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 27/02/2016
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