LENDAS URBANAS (Pedrinho, vem brincar comigo) [ pt 1]

É noite de sexta-feira, e alguns jovens ocupam a praça São Tomás, no bairro Alameda. Podemos ver alguns casais enamorados pelos bancos, outros estão pela pista de skate, não necessariamente andando, mas conversando sobre séries e outras coisas de interesse comum. Perto do ponto de ônibus, o pipoqueiro estoura sua última panelada do dia.

Mas vamos nos concentrar no canto mais isolado desta praça. É ocupado por quatro mesinhas e bancos de concreto com um tabuleiro para xadrez e damas desenhados em cada uma. Vamos focar nossa atenção em três adolescentes que ocupam uma dessas mesas sob um dos postes de luz amarelada da praça São Tomás. Eles estão com um tabuleiro, mas não é para jogar xadrez ou dama.

– Me conta a lenda de novo? – Pediu Miguel a Elisa

– Já disse que não é totalmente lenda, aconteceu aqui no nosso bairro há muito tempo.

- É, mas o nome dele não era Pedrinho, você inventou, não é? – Indagou Carlos em um tom de divertimento e acusação.

– Lógico que não inventei, o nome dele era Pedro, chamavam ele de Pedrinho porque tinha dois metros de altura.

– Então deveria ser Pedrão, não é? – disse Carlos com quem aponta uma obviedade.

– Ah cala a boca, que diferença faz, não é real! – retrucou Elisa irritada.

– Se você diz que não é real, porque então pediu pra gente se encontrar aqui?

– Para descobrirmos se é real – informou Elisa.

– Como?

– Peguei isso do quarto da minha irmã. É uma tábua Ouija - informou a garota tirando o objeto da mochila.

– Ei já ouvi falar disso, funciona? – indagou Miguel com curiosidade estampada no rosto.

– Eu testei no meu quarto, começou a se mover, mas fiquei com medo e parei... Vamos tentar chamar o Pedrinho?

– Por que mesmo tem que ser debaixo de um poste? – perguntou Carlos.

– Porque foi embaixo de um poste que o penduraram.

– Não deveria ser exatamente sob o mesmo poste? – retrucou Miguel.

– Miguel, é uma lenda! - exclamou Elisa em tom definitivo.

– E por que foi que o mataram? – perguntou Carlos.

– Francamente! Vocês dois não ouvem nada quando eu falo! – Bufou Elisa impaciente. – Ele estuprou a filha do prefeito. O prefeito pediu para seus homens o torturarem, o espancaram de todas as maneiras possíveis e por último o penduraram em um poste pela boca usando um gancho de açougueiro. Um dos homens puxou o corpo dele a fim de arrancar a cabeça, mas acabou puxando toda a coluna dele para fora. Dizem que ele nunca descansou em paz e que vaga por aí sempre sob um poste a espera de alguém para brincar com ele. Devemos primeiro fazer o contato e depois pedir para brincar.

– Por que brincar? – indagou Miguel.

– Porque ele era um "brincalhão", entendeu?

– Não!

– Ah, esquece e vamos fazer logo isso – disse Elisa encerrando a conversa. A garota posicionou a tábua Ouija no centro da mesa e pediu para os meninos colocarem a mão sobre o cursor. Em seguida ela fez o mesmo. Inicialmente, nada aconteceu e os três ficaram ali parados olhando para o curso. Carlos estava prestes a dizer que estava se sentindo um idiota quando o cursor se moveu deixando-os apreensivos. Mas não era nenhum Pedro, a entidade respondeu que se chamava Anna e morrera afogada; depois foi a vez de um velho. Depois uma criança.

– Chega Elisa – disse Miguel –, foi tolice achar que era real. Nem sabemos se a gente se comunicou realmente com fantasmas aqui. Eu já li na internet que quando se brinca com esse tipo de tabuleiro, as pessoas entram meio que numa vibe compartilhada, saca.

– Com assim? – indagou Carlos.

– É tipo, nós mesmos movemos o cursor, mas não percebemos que estamos fazendo isso, porque nossas mentes se concentram nas mesmas letras e tal. Aí achamos que tem fantasma onde na verdade só tem a gente.

– Mas tu é um nerd mesmo, hein Miguel?

- Também acho – disse Elisa concordando com Miguel. Em nenhum momento ela sentira uma presença ou mudança de temperatura, nem vira nada de anormal. Para ela, isso comprovava a teoria de Miguel. – Vamos embora! – disse por fim. Ela tentou levantar o tabuleiro para guardar de volta na mochila, mas a tábua Ouija estava pesada como chumbo. – Quê isso? – disse ela assustada.

– Para de brincadeira! – disse Miguel

– Não tô brincando! Coloquem a mão no cursor de novo. – Os dois obedeceram e colocaram as mãos trêmulas sobre o cursor que moveu-se rapidamente formando as palavras 'QUERO BRINCAR'.

– Pedrinho é você? - indagou Elisa com uma crescente apreensão na voz.

'SIM'

– Que você quer? – perguntou Carlos.

‘BRINCAR’

– Elisa? – disse Miguel assustado – Qual é o final da lenda?

– Queremos! – disse Carlos antes que Elisa respondesse, ela se levantou tão rápido que a tábua caiu com um estrépito no chão.

– Porque você fez isso? – perguntou a garota sem fôlego

– Porque sei que estava mentindo!

– Eu não estava! – disse ela – E da próxima vez responda por você e não por todos, seu idiota! – disse isso recolhendo a tábua, Miguel a acompanhou. Carlos saiu na direção oposta para sua casa, repetindo para si mesmo que Elisa estava mentindo, mas não podia conter um certo pânico crescendo lentamente dentro de seu peito.

Quando chegou em casa encontrou o pai dormindo em frente à TV, sem fazer barulho subiu as escadas para seu quarto, sentia que alguma coisa o perturbava, ainda entoava o mantra dentro de si que dizia que Elisa tinha mentido. Abriu lentamente a porta do quarto, avistou algo perto de seu armário. Uma sombra escondida no canto escuro. O cheiro de decomposição invadiu suas narinas, o grito subiu pelo peito, mas entalou na garganta onde uma mão podre o apertou. Olhou para o rosto de seu agressor, mas no lugar da cabeça viu apenas ossos. Ossos de uma coluna que subiam até seu teto, na ponta havia um cabeça sem pele e sem maxilar sorrindo horrivelmente para ele. Estava sem ar, a coisa em seu quarto desferiu um golpe com a outra mão e tudo se apagou.

Continua...

Raphael Rodrigo Oficial
Enviado por Raphael Rodrigo Oficial em 11/07/2007
Reeditado em 09/12/2018
Código do texto: T561284
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