Caído

Acordei de sobressalto. Ele estava parado, em um dos cantos do quarto, sentado na velha poltrona, encarando-me. Ao avistá-lo, fui tomado por um choque de angústia. Aquela que costuma assaltar-nos diante de surpresas agourentas. Meu coração atropelava-se em meu peito doído de medo, jorrando a adrenalina que alimentava seu galope tresloucado. Num breve surto de forças, reunidas pelo desespero, consegui perguntar.

- Que..Quem é você?

Seus olhos estavam iluminados por uma fita de luz que rasgava a penumbra do meu quarto, através da janela. A ilusão da ótica, somada às todas as possibilidades levantadas pelo meu estado emocional, mostrava dois orifícios amarelos radiantes, com o centro fendido felinamente. Um meio sorriso escapou para a periferia dos lábios, aparentemente finos e descorados.

- Um amigo - (respondeu, num tom grave e arranhado. E logo fez sumir aquele rascunho de sorriso que se havia formado)- Um amigo que aprecia, muito, provocar.

Naquela altura, tomado pelas mais confusas sensações, ungido por sentimentos que só conheciam a aflição, eu só consegui balbuciar frases desconexas, próprias dos que estão sofrendo a expectativa de algo ruim. De algo próprio do que é mal. Até que uma outra pergunta, com certa coerência, fez-se, da minha parte:

- Como..é...seu...nome? - (outro sorriso. Desta feita imbuído em, parecia, prazer. Um que nós procuramos e raras vezes encontramos).

- Tenho muitos. Escolha uma cultura. Um momento na História. Uma civilização. Cada uma, com sua incrível imaginação, tratou de dar-me uma alcunha, um rótulo.

- Você é - hesitei, engolindo dolorosamente a saliva que não queria descer - o...- Não tive coragem de continuar. Seus olhos recrudesceram a intensidade do brilho. Estavam fulvos! Iridescentes! E, mais do que os lábios finos, riam efusivamente. Então, respondeu.

- Como lhe respondi, meu amigo, quero provocar. Hoje, o pavor. O máximo que for capaz de fazê-lo sentir. Até a sua alma, que não passa de uma licença poética, criada para aplacar a covardia da sua espécie, arrebentar em tantos pedaços, que nem mesmo o filho da puta do meu pai seria capaz de juntar.

A agonia havia aumentado. Agora já tomava não só meus pensamentos e apertava meu peito. Crescia, rápida, cavando, de dentro para fora, querendo escapar. Não havia como pará-la.

Antes do barulho ensurdecedor, precedido por uma dor inclassificável, e dos restos que grudariam por todo quarto, vislumbrei, no rosto do Outro, a mesma expressão que costumamos ver nas crianças que, após enjoarem do brinquedo novo, sentam-se, entediadas, fitando o nada.