Crime oriental

Num rico palácio, enquanto às onze horas a sultana dormia, em seu suntuoso quarto, um grupo armado entrava (atropeladamente). Uma fúnebre intempérie começava a ser prenunciada através de seus iatagãs. Toda a deformidade era exposta à vista do caudilho. Corcéis bem selados e adornados no esmero de joias, de desespero relinchavam. Uma nua odalisca era decepada pelo recurvo sabre dum flagelador. Outra de pescoço cortado esvaía na cama, de lençol vermelho e, absorvia seu cálido sangue. A pálida face do cavalo era irrompida por relinchantes soluços e, suas patas estremeciam ao tocarem o ar do crime. E, uma das servas caía na almofada, enquanto outra, a sua boca amordaçava, ante ao tormentoso jorro de abafados soluços.

Enquanto um dos cavalos se acalmava, um escravo amainava-o pelas rédeas, diferente dum outro que do outro lado da cama, tinha um cristal estilhaçando-se-lhe ante os olhos.

Dois homens nus e apavorados, por socorro clamavam ao deleitado sultão em seu travesseiro ao lado doutra esposa, que ajoelhada ao lado duma mesinha, com uma jarra incrustada em ouro e rubi, queda-se sem muito o que pensar e fazer.

Um decepado corpo é erguido nu ao lustre tão negro quanto as escamas duma serpente à noite. E, todas as presilhas dos braços das mulheres foram tiradas e lançadas ao redor do quarto.

No baú era apoiado os joelhos desamortecidos da pobre infeliz de cabeça arranhada, ao passo que o turbante do indiferente sultão, reluzia, ante a noturna luz como (se fosse) um reflexo pictórico dum quadro pintado numa aflitiva noite. E, os seios das falecidas mulheres cessavam o fluxo de vida, pela luta de laminas dos imberbes guerreiros.

A onda que fôra causada pela soturna aparição, pôs a cornija no mais completo desaparecimento, que se refletia no sono das cabeças dos bordados elefantes no rico lençol.

E tida a morte das voluptuosas odaliscas, afamadas pelos contatos do marido e amante, que há pouco tempo roçava a sua barba nos brincos incrustados das lânguidas mulheres, um magnético terror pairava definitivamente na atmosfera.

Um negro trajando um traje carmesim, carícias roubava com a sua adaga duma cadavérica odalisca, que para o desespero do eunuco, com seu frágil brado, rompe além-pulmões suas cordas vocais um mísero pedido de piedade.

As medalhas que adornavam o peito do soberano renderam-se a tamanha lei horrível, que cortava os elos vitais das esposas (e amantes) em fractais perolas.

Coroas, perolas e adornos de espécie fria riram e entre si desfrutavm, a quem iriam adornar por mais tempo ou agora, odaliscas doutro império; sendo amigo ou inimigo, não vem ao caso, todas convém, menos duma meretriz aldeã, que se oferecesse aos astutos olhos dalgum comandante casado.

Apenas o lenço filigranado a ouro, por uma mãe duma odalisca morta, chorava seco, ao maligno desfrute do corpo e do vinho. Uma apenas restava. Era a sobrevivente dos dizimadores, no tempo que o sultão se contraia, prazeroso e preguiçosamente em sua calada reclusão no leito.

***

São Paulo,

31 de outubro de 2008

*Foi baseado no quadro 'A morte de Sardanalapo', do pintor francês Delacroix.

Felipe Valle
Enviado por Felipe Valle em 31/07/2016
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