O Causo do marido traído

“Seu” Manuel, homem já na casa dos quarenta e pançudo era dono de um mercadinho no centro da cidade era considerado por todos como um homem “de bem”. Entretanto, as primeiras impressões podem ser enganosas, pois seu Manuel era uma pessoa cruel, embora escondesse essa face de todos.

Tinha sua esposa, quase quinze anos mais nova que toda vez que saía na rua atraía os olhares dos homens, solteiros ou não. Mas calma, não quero que vá pesando que Vânia, enfeitava a cabeça de seu marido. Não senhor, dona Vânia era um exemplo de mulher que vivia somente para o lar. Apesar de ser casada desde os dezessete anos com seu Manuel, ainda não conseguira engravidar, o que era motivo de angustia para o casal. Bem, vamos ao que interessa. Vamos ao caso que chocou a cidade e fez o casal famoso.

Manuel, como todo homem trabalhador sempre sai cedo de casa para o trabalho. Como o trajeto é um pouco longo, o homem se dirige ao trabalho no seu Opala, uma relíquia, embora mal cuidada. Enquanto Manuel enfrentava um turno exaustivo de quase dez horas por dia, Vânia cuidava dos afazeres domésticos, e para passar o tempo sozinha ia assistir novelas mexicanas mal dubladas e programas sensacionalistas que invariavelmente terminam em briga dos participantes.

Foi num dia em que ela iria assistir a um desses programas que o gás de cozinha acabou. Vânia percebeu que havia perdido o número do “homem do bujão”, por isso decidiu saber se o vizinho tinha o número de alguém que fizesse a entrega em domicílio.

O vizinho tinha chegado na rua há pouco mais de quinze dias, e ainda não conhecia os moradores da rua. Vânia bateu na porta, quando foi atendida, admirada ficou. O homem era esteticamente o oposto de Manuel. Enquanto seu marido era baixinho, pançudo e atarracado, o novo vizinho era alto, esbelto e era por demais bonito. Certamente ele percebeu o olhar de Vânia, era evidente.

Após recuperar se do constrangimento inicial dona Vânia explicou-lhe a situação. O gás tinha acabado ela não dispunha do número do telefone do vendedor. O vizinho alegou que não possui o contato, mas se ofereceu prontamente para ir pessoalmente à venda da esquina. “É muito perto, eu mesmo vou”.

Acontece que depois desse caso a dona Vânia sempre tinha algo a se consertar em casa, pois seu Manuel não parava em casa por causa do trabalho exaustivo. Logo, sempre que esses entraves surgiam, ela chamava o vizinho para ajudar. Era uma lâmpada queimada, um cano entupido, uma telha quebrada, e o vizinho atendia prontamente.

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Certo dia então seu Manuel guiou seu Opala até a garagem da casa. Aí não se sabe o que ocorreu lá dentro. Um vizinho que varria despreocupadamente a frente de sua casa notou que depois de um quarto de hora depois da chegada de seu Manuel ele saiu da casa muito apressado, entrando no carro e arrancando a toda velocidade, queimando pneu.

Seu Manuel não voltou mais pra casa, e os vizinhos já desconfiavam. Um mau cheiro já dispendia da casa, e grande foi a surpresa dos curiosos. Na cama do casal, jaziam dona Vânia e o vizinho bonitão. Ela, com a garganta cortada e os intestinos para fora; ele, com o crânio esfacelado e sem as partes íntimas. A polícia não demorou a constatar que era mais um caso no qual o marido traído acaba por matar a mulher e o amante. Alguns dias depois, foi encontrado na periferia da cidade e quando abordado pelos policiais reagiu à voz de prisão e sacou um revólver contra os policiais. Não deu em outra: seu Manuel acabou morto pelo policial, sob alegação de autodefesa.

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Sentada confortavelmente em sua poltrona enquanto lia Poe, Catarina quase cochilava. Já havia se recuperado do luto por seu marido, Jonas. Havia se passado um mês desde o incidente. Soubera que o Manuel tinha sido morto pela polícia.

Jogou a cabeça para trás e riu ao lembrar-se daquele dia.

Entrou sorrateiramente pela porta dos fundos que seu marido tinha descuidadamente deixado aberta, após saltar o muro baixo com a agilidade de uma gata. Encaminhou-se para o quarto dos amantes; seus passos não emitiam nenhum som, mas seu coração batia tão alto que o som parecia vibrar os objetos em volta. Quando adentrou no quarto, eles nem perceberam de imediato, o que deu algum tempo para apreciar aquela cena. “Então era esse o tipo de ajuda que ela queria, né?”

Riu novamente da expressão que eles fizeram enquanto morriam. “Misericórdia!”. O melhor de tudo foi o idiota do corno: levou a culpa. Riu novamente, dessa vez mais alto, pensando em registrar esse caso e o vender para um escritor amador.