Devoradores

Se ao menos a lua iluminasse um pouco mais a noite aquele jovem de corpo franzino conseguiria reencontrar a trilha para o acampamento, a lua escondia-se tímida atrás de um véu de nuvens que se preparavam para trazer chuva enquanto, logo abaixo, o jovem caminhava ofegante e cambaleante sem enxergar a sua frente, pisando sobre galhos secos e folhas úmidas. O vento começava a ulular sobre a copa das árvores produzindo um som tenebroso como se mil vozes falassem ao mesmo tempo, o jovem caminhava mais depressa enquanto seu corpo aguentava, enquanto a fome e a sede não o matasse, já perdera a noção de tempo e nem ao menos lembrava há quanto estava perdido.

Um fato interessante de ressaltar é a nossa total incredulidade e ignorância cultivados desde a mocidade que nos impede de ao menos vislumbrar através da cortina da razão aquele mundo deslocado, há tempos esquecido e veementemente ignorado, que mesmo assim nos rodeia a todo momento. Os antigos já sabiam e escreviam sobre os terríveis encontros com aquelas “coisas” (se assim podemos descrever) vindas de sabe-se lá onde, “coisas” vis e asquerosas banidas há muitas eras do nosso mundo para às profundezas de lugares esquecidos, frios e abomináveis. Tais “coisas” ocupam-se exclusivamente de rastejar sobre os pecados, dores, e desesperos de homens e mulheres atormentados, bebem do fel da ira de assassinos sanguinários, deliciam-se na carnalidade hedionda de psicopatas e outros tipos asquerosos, são como vermes, regozijam e chafurdam na lama fétida da alma daqueles que aspiram o mal.

Quando mais o vento ululava, urdiam-se entre as árvores sombras e formas desconexas que de tempos em tempos assumiam características familiares, o que provocava mais terror ao pobre jovem, seu peito apertava, seu rosto convulsionava, e o choro. As lágrimas escorriam nas suas bochechas pálidas e voavam com o vento, a todo momento era como se algo já estivesse prestes a alcança-lo. Densas nuvens encobriram o brilho doentio da lua e jogaram sobre a floresta o véu da escuridão. Nada mais podia-se ver. O jovem desesperado para, exausto, sem saber onde está, continua chorando e tremendo, não sabe que rumo tomar, não vê nada ao seu redor. De repente um feixe de luz proveniente de um raio ilumina de súbito a floresta, os olhos arregalam-se com aquelas formas entre as árvores, ao seu redor, sente o vento frio cortar mais fundo a sua alma, outro raio ilumina a floresta, agora seguido pelo som ensurdecedor do último, o jovem desabou com o susto, estava atônito, novamente viu aquelas formas mais próximas, sentiu algo gelado tocar-lhe o braço, outro raio corta o céu, imediatamente ele salta e começa a correr para qualquer direção, corre desesperadamente apenas guiando-se por flashes dos raios, a floresta parece infinita, opressora, indiferente, mas correu ainda mais esperançoso em direção ao fraco e trêmulo foco de luz que avistou entre as árvores.

Não se pode prever as ações de uma pessoa se a mesma estiver em uma situação de terror, principalmente se vários fatores contribuam para que o estado mental e espiritual estejam deveras abalados, mas aquele senhor de uns cinquenta anos sempre procurou manter-se sóbrio, contudo, lá estava ele, voltando da caçada com seu perdigueiro, vinha a passos largos seguido de seu cachorro que mantinha o ritmo atento a todos os lados, algo os tinha apavorado, algo de totalmente diferente e abominável fez com que o estado de espírito daquele senhor experiente saísse do normal, talvez fosse a tempestade, os raios, a escuridão, ou talvez fosse os corpos mutilados dos cinco familiares mortos em um pequeno acampamento no interior da floresta, ele nunca vira algo tão horrendo quanto, não lhe saía da mente aqueles rostos pálidos e retorcidos. Seu cão late em direção às árvores a sua direita, um raio ilumina a floresta, as formas se revelam entre as árvores, o velho levanta seu rifle deixando cair o lampião e dispara um tiro certeiro entre os olhos da criatura que corria em sua direção que tomba aos seus pés imóvel.

Os cabelos do jovem são manchados pelo seu próprio sangue, a chuva os lava e escorre até o solo, aquele líquido viscoso e rubro, outro raio ilumina o céu, o rifle cai no chão, e junto, os joelhos do velho ao lado do corpo do jovem. Sons surgem ao redor, galhos quebrando e folhas sendo amassadas, não há mais tempo para pegar o rifle. Um raio ilumina o céu, o inferno ganha mais duas almas.

Aqueles que caminham sobre a terra e trazem consigo a noite observam cada um de nós.

Daniel Gross
Enviado por Daniel Gross em 08/09/2016
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