Hemorragia

O bar e restaurante funciona vinte quatro horas, mesmo no inverno glacial que tem feito. A dona do estabelecimento visivelmente de saco cheio dos frequentadores , apoia os cotovelos no balcão e fica a escutar as asneiras de seus clientes. O sujeito careca e de barba amarelada é o que mais fala na roda de cinco que bebem e fumam charutos horrorosos. A hora é avançada e Malu boceja aguardando a boa vontade dos homens de caírem fora.

- Em cinco minutos vou fechar.

- Eu nunca vi esse bar fechar. - diz um sujeito sem os dentes da frente.

- Hoje eu resolvi mudar, porque? - Malu ergue o busto.

- Nada não, galera, vamos embora, hoje a Malu acordou de mal humor. - orienta o barbudo.

Nesse meio tempo entra no bar um homem alto, com sua casaca preta e um chapéu da mesma cor. Ele se aproxima do balcão onde Malu se encontra cochilando.

- Com licença!

A mulher acorda e se assusta com o aspecto do sujeito.

- Pois não? - engole seco.

- Gostaria de provar um de seus bifes mal passados.

Malu olha para o relógio que marca vinte e três e vinte. Ela prende a respiração para não explodir e assente com um geste de cabeça.

- Aguarde!

- Me sentarei lá no fundo.

Os homens param de conversar alto e observam o andar do estranho. Ele se acomoda no fundo do bar. Retira seu chapéu que revela um cabelo negro e bastante liso. Olhando ao redor o estranho contempla um crucifixo e imediatamente ele solta um grunhido baixo. O pedido chega. Malu trouxe o bife mal passado e o deixa sobre a mesa.

- Bebe o que?

- O que temos? - a voz do sujeito é macia e pausada.

- Refrigerante, vinho, conhaque, sucos, cachaça pura…

- Vou querer duas taças de vinho, uma pra você e outra pra mim.

Malu aperta os olhos. Ela já está acostumada a ser cantada, mas dessa forma é a primeira vez.

- Fala sério, uma hora dessa você querendo arrumar alguma coisa comigo.

- Aceite, por favor, sente-se.

Malu olha mais uma vez para o homem sentado a sua frente. Até que ele tem lá seus encantos.

- Ai, meu Deus, vou buscar.

Os homens pagam a conta e se despedem da Malu prometendo voltar amanhã. Reclamando bastante a dona do bar dispensa os “malas”, fecha a porta e pendura a placa “fechado”. Ela se dirige a mesa do cliente segurando as taças e a garrafa de vinho.

- Pronto! - deixa as taças sobre a mesa. - vou tomar apenas uma taça, depois terei que fechar, tudo bem?

- Sim! - o homem olha para o busto exagerado de Malu e sorrir.

Percebendo os olhares do homem, Malu fecha o casaco de lã e termina de tomar a bebida.

- Morena, pele macia, olhos negros, cabelos cacheados e meio mandona.

- O que disse?

- Lhe descrevi, só isso.

- Com que permissão fizeste isso?

- Malu, sou um homem apaixonado, apenas isso.

A mulher faz ar de riso.

- Apaixonado, você?

- Sim! - entrelaça os dedos.

- Por quem?

- Por você.

Ela não acredita no que acabou de ouvir.

- Eu acho que tenho idade para ser tua mãe.

- Ou minha mulher. - sorriso de canto de boca.

- Você é abusado hein, vamos, caia fora do meu bar.

- Senão?

- Senão vou sacar minha arma que está em minha cintura e a tirar.

O estranho abre os braços.

- Tente!

Malu xinga várias vezes e coloca a mão na testa.

- Meu amigo, é o seguinte, hoje eu não estou legal, eu…

- Já sei, TPM, sou louco por mulher esse estado, tensão pré menstrual. - deu ênfase no menstrual.

- Seu porco, nojento, saia daqui agora. - puxa o trinta e oito.

- Terá que atirar.

Malu continua apontando a arma para o sujeito.

- Não brinque comigo, cara, eu atiro mesmo hein!

- Aperte logo o gatilho minha rainha.

A paciência de Malu se esgotou. Ele chegou ao bar as sete da manhã, se irritou com o fornecedor que trouxe a mercadoria errada, limpou o vômito que inundou o banheiro masculino, atendeu, deu troco errado, suportou as chatices dos clientes e muito mais. Tudo que ela mais queria era ir embora, tomar um banho e se jogar na cama. Agora, no último momento aparece um cara de pele pálida, unhas cumpridas e olhos sem vida lhe cantando. Paciência tem limites. Ela atira duas vezes contra o peito do sujeito que continua rindo.

- Santa mãe de Deus, rogai por nós, o que é isso?

- Ai, ai , ai, esses humanos e seus artifícios. Malu, você vai descarregar toda a arma em mim e eu permanecerei rindo pra você e depois disso, vou lhe possuir e te matar.

- Quem é você? - gagueja.

- Pense o que quiser, agora, pode começar a gritar, por que não ficarei só no vinho e no bife. FIM

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Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 04/10/2016
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