MARATONA HALLOWEEN MALDITO #4 INCÊNDIO NA CAPELA

Crucifixos não são capazes de deter vampiros, balas de prata não matam lobisomens, em si, objetos não tem poder algum. O verbo tem poder, as palavras tem poder.

“Também farás um candelabro de ouro puro; ouro batido se fará este candelabro; o seu pedestal, as suas hastes, os seus cálices, as suas maçanetas e as suas flores formaram com ele uma só peça.”

“Seis hastes sairão dos seus lados; três de um lado e três do outro.”

Êxodo 25:31-32

“Nossa cidade esta passando por uma das piores secas da história, pedimos à população que evite as queimadas, preserve a natureza e colaborem com os bombeiros avisando de possíveis focos incêndio.”

Pedido do Secretário de Meio Ambiente numa rádio local. Itaúna MG 09/10/2014.

“A igreja perde o poder. Na Itália, diminue o domínio dos estados cristãos. O Papa Pio IX se vê obrigado a fazer concessões.”

Semanário d’Napoli, 1848

“Refletindo os problemas enfrentados em todo o país, as represas de Itaúna e Para de Minas estão no nível critico de seus reservatórios, começa a faltar água nas torneiras, em Minas o Velho Chico Agoniza.”

Jornal Local, setembro de 2014.

“Aumentam os casos de crianças mortas pelo calor no país. Em Belo Horizonte um pai que deveria ter deixado o filho de três anos na creche esqueceu a criança na cadeirinha no banco de trás do carro por seis horas enquanto trabalhava. O óbito só foi descoberto ao chegar em casa. A família esta em choque.”

Jornal da Tarde, outubro de 2014

“O Morro do Bonfim, na cidade de Itaúna, região central de Minas Gerais sofreu a perda de uma grande área de mata, provocada por um incêndio de causas desconhecidas que durou cinco dias, mesmo com a ação dos bombeiros na madrugada desta quinta-feira, a população recebeu a triste notícia: A capela do Senhor do Bonfim, situada no alto do morro havia sido tomada pelas chamas. O telhado veio abaixo e o interior da igreja ficou totalmente destruído, não foi divulgado se houve perdas de vidas.

Em nota enviada à imprensa, a prefeitura lamenta o ocorrido e pede à população que se sensibilize pela causa.”

Notícia retirada da Internet, 16/10/2014

“O chão se abrirá, as chamas do inferno purificarão a terra, as falsas igrejas cairão e quem não se curvar ao verdadeiro mestre passará a eternidade num tormento profundo. Queimai-vos ditos filhos de Deus, pois as chamas arderão por quarenta dias e quarenta noites enquanto Os Sete Príncipes do Inferno juntaram seu rebanho, o tempo há de breve chegar.”

Panfleto Apócrifo confiscado em Veneza 1850.

Quando apenas havia o caos Deus não tinha pás nem picaretas, mesmo assim Ele criou o mundo, mas tudo era confuso. A escuridão dominava, então se criou a luz.

As trevas existiram antes da luz, então Ele as separou. A luz se chamou dia e nele se abrigou os de espírito puro. As trevas se chamaram noite e nela se esconderam os que temem o Criador.

O homem inventou ferramentas e com elas tentou mudar a obra divina, porém sem bênçãos elas de nada servem.

Quando rebeladas, as criaturas das trevas cobiçaram as maravilhas da luz, eis que objetos foram forjados para proteção das crianças do Pai. Ferramentas são inúteis sem o poder do verbo, poucos possuem o dom da palavra.

O inimigo também faz milagres, ele sabe como seduzi. Sutilmente caminhou entre os homens, se ocultou nas pequenas atitudes. Ele também criou suas armas, mas a luz era mais forte, as trevas foram vencidas. Muitas desses objetos foram perdidos, alguns destruídos outros são protegidos, ocultos até hoje.

Se a luz é boa, o diabo a distorce, se a noite fria é seu lar enquanto o dia morno o afugenta, ele o subverte.

“Ao infiel será dado a tarefa de martelar o ouro. Farás dele um castiçal. Deverás descansá-lo no sangue ainda de sete infantes; o primeiro tendo sua carne. Por dez dias assim ficará; em seu pé a figura do cordeiro; terás também três hastes, a do centro chamada orgulho, a sua direita a inveja, a sua esquerda a irá; que deste ouro possa brilhar a luz.”

Grimorium Lexus (O Livro de Salém)

Amanda era má influência. Disso ninguém tinha dúvidas. Ele mesmo, no íntimo, as vezes não acreditava em seu amor. Enfim, era só a primeira namorada e tudo acontecia rápido demais para alguém sem experiência.

Quando se conheceram, sentiu medo, ficou intimidado com pessoa tão singular. Foi algo surreal, uma peça do acaso.

Domingo pela manhã, após a missa das nove, os fiéis saiam apresados em busca de um dia de laser ou para o almoço que prometia ser especial. A praça tornava-se movimentada, crianças comiam pipocas, o vendedor de balões recompunha seu estoque. Perto do coreto alguns garotos conversavam. Estranho, ali os dois se cruzariam. Duas pontas de um mesmo novelo que jamais poderiam se unir.

Apesar da distração costumeira, seus olhos não poderiam ignorá-la.

A garota de cabelos azuis, pele branca, lábios negros e olhos amarelos. Quem não veria? Em verdade sua atenção foi despertada pelo grande número de pircings pelo rosto, durante tempos nunca pode precisar quantos seriam. Tudo contribuía para destacá-la entre os moleques. Foi neste dia que o namoro começou. Iniciativa dela, evidentemente.

Não tardou muito ao jovem Breno para aventurar-se nos jogos da intempestiva Amanda. Três dias após se conhecerem, pela primeira vez visitou sua cama, ali experimentou muito sem jeito os pecados da carne.

A família da garota não era nada comum, não conheceu o pai, sua mãe lutava sozinha para educá-la. Durante o dia se desdobrava na lida da casa, a noite obtinha seu sustento numa fabrica de tecidos. Nunca conheceu descanso. Amanda por sua vez em nada colaborava, pelo contrario, sempre fútil só fazia exigências; roupas, celular, sapatos, brincos, dinheiro, sugava tudo que a pobre mulher ajuntava. Ultimamente a velha parecia uma alma desencarnada, seus olhos fundos e rosto magro eram a prova de seu sofrimento.

Como sua personalidade aquele quarto também era obscuro, soturno até. Paredes negras cobertas de figuras macabras, pôsteres de bandas de rock, anúncios de filmes de terror, roupas jogadas por toda parte, livros grossos de capa surrada sobre a mesa, a única fonte de luz parecia vir do monitor de um computador que nunca era desligado.

A cama, a muito não era trocada apesar de exalar um doce e excitante odor afrodisíaco. Quantos outros ela em sua pouca idade receberá naquela alcova?

Para Breno nada importava, era sua primeira vez, realmente foi muito bom, nunca havia experimentado algo tão intenso, se amaram a noite toda até que em êxtase caiu vítima da fadiga.

O caminho estava preparado, o campo estava aberto. Amanda tinha tudo o que precisava, não se passou mais de um mês e Breno cada vez mais apaixonado. Era chegado o momento.

Quando de sua próxima visita, Breno sem cerimônias entrou direto pela casa chamando pelo nome da garota, do quarto ela o convidou a entrar, já era tarde, ele estava na porta. Junto à janela ela se trocava, pelo canto do olho o rapaz ainda pode ver o que parecia uma mensagem no monitor do computador:

“A noite será apropriada. A lua deixa tudo mais claro. Sei que você vai encontrar. Faltam apenas quinze dias, temos que ser rápidos”

Não conseguiu ler mais nada, ela estava pronta. Saíram para um passeio noturno como de costume, porém desta vez ela lhe ofereceu um capacete, do lado de fora havia uma moto emprestada por um amigo. Nesta noite queria amar sob as estrelas, queria o cheiro do mato, ar puro longe da cidade, quebrariam a rotina subindo o morro do Bom Fim. Lá no alto não havia nada além da pequena igreja que apesar de pouco visitada era muito bem cuidada.

No topo do morro, Breno se encantava com a beleza noturna. Ao longe focos de incêndio crepitavam no cerrado. Estavam seguros. O capim ali estava bem cortado, uma suave brisa espantava o calor do mormaço.

Passava-se de meia noite, Amanda muito curiosa beirava a capela, tentou forçar a porta apesar dos protestos do namorado, seria uma invasão. Pior, seria uma profanação.

Sedutora, sabia como persuadir o incauto rapaz. Convencido, por varias jogou seu corpo de encontro à porta que finalmente não resistiu. No interior alguns bancos de madeira relés denotavam a simplicidade do local, nada de valioso encontrava-se ali, no altar apenas imagens de gesso barato, se algum dia houve riqueza, esta fora bem antes saqueada.

Algumas velas parcialmente queimadas descansavam aos pés da imagem do padroeiro da capela, foram acessas para iluminar o ambiente. Breno prostrou-se aos pés do Senhor do Bom Fim, em suas preces implorava perdão.

Caminhando de um lado a outro, a garota parecia procurar por algo. Frustrada, ela se juntou ao namorado, parecia não estar contente por ter sido em vão sua empreitada.

Para os homens uma centena de anos é muito tempo, duas pode ser uma eternidade. Nós amamos e odiamos, vivemos e morremos, tudo que nos é contado um dia será esquecido ou então se tornam bobagens que nos assombra na infância. Por fim já acreditamos não precisar de Deus, o Demônio se torna uma lenda que nos obriga a conter nossos instintos. Mas para Ele um milênio pode ser apenas um dia. Ele nunca esquece sua ambição, Ele colhe e junta estas mentiras noturnas, como um detetive fareja o que perdeu, ou apenas faz testes até que por sorte algum dê certo.

Quando a capela foi erguida, servia como marco regional, sempre guardada por um membro do celibato, depois por homens que temiam o mal, nos últimos anos apenas vigias noturnos contratados pela prefeitura rondavam o local. No fim ninguém mais se importava.

Durante anos lendas foram criadas, mentiras foram contadas, mas o ímpio é paciente, ele se faz de morto, se deixa esquecer, permite que os homens ajam por sua própria conta até que do nada em meio à desolação ele ressurge.

Como tudo parece acontecer por acaso, Amanda havia desistido, estava pronta a partir quando seus olhos venceram as artimanhas da pouca luz revelando pistas de seu pequeno tesouro. Uma marca insignificante abaixo da imagem lateral, aquilo mais parecia o x do mapa pirata.

Foi até a moto, voltou empunhando uma faca. Breno se assustou, não tinha conhecimento objeto que provavelmente estava oculto na bolsa da namorada. A jovem aprendiz de bruxa enfiou a lâmina numa fenda da pedra, esforçou-se bastante, gotas de suor rolavam por sua face. Estático, o rapaz observava. A pedra cedeu. Como indicado, numa caixa impermeável repousava em água abençoada um precioso castiçal de ouro. O maldito tesouro cobiçado.

Era o máximo que poderia fazer, agora era a vez do rapaz. Exigiu que ele pegasse o objeto.

Aquilo pertencia à igreja, era vandalismo, um pecado que ele não desejava cometer. Coagido, mergulhou suas mãos na água retirando o castiçal.

Os olhos da mulher brilhavam de uma forma maligna que em sua inocência Breno não pode notar. Do bolso da jaqueta retirou três pequenas velas negras, ele segurava o castiçal sem se dar conta do que estava por vir. As velas foram encaixadas cada uma no seu copo.

Amanda tomou-o em suas mãos. Acendeu empunhando firme a luminária. Orou invocando o Anjo da Luz como mais cedo havia decorado as instruções:

“Consagro a ti senhor dos descaídos a alma deste mortal, entrego em tuas mãos este cordeiro corrompido. Aceite como oferta este pobre mortal, queime em sua glória esta pobre alma. Aceite Breno como seu cordeiro, queimai vós dito filho de Deus.”

O infeliz garoto usado para coletar a relíquia maldita das águas bentas dos santos sentia-se arder, um calor terrível brotava de suas entranhas, em desespero tentava arrancar suas vestes. Aos berros implorava clemência divina, como um animal rolava no chão, sua carne queimava fedendo enxofre, lentamente as chamas do inferno tomavam seu corpo. Seus gritos se dissipavam ao vento.

Amanda sorria docemente vendo queimar o iludido rapaz escolhido ao acaso. Um doce prazer fazia seus ossos tremerem.

Era uma noite de dezesseis de outubro, quinze dias antes do festival do hallowen, em breve os mortos caminhariam entre os vivos.

Aos poucos a antiga construção era tomada pelas chamas, o corpo do rapaz ardeu até que o vendo espalhou suas cinzas, sua alma eternamente queimaria nas chamas do inferno. Amanda passou a noite com amigos em Divinópolis. Breno foi dado como desaparecido, sua família culpa a garota mas a polícia sem pistas nada pode fazer.

Um grupo de samaritanos recolhem doações para reerguerem a histórica Capela do Bom Fim. Os servos do mal agora estão de posse de uma das mais cruéis armas criadas.

Poucos irão acreditar nesta história, poucos acreditam que o demônio esta entre nós, se ocultando nos pequenos detalhes, se disfarçando nas coincidências. A história oficial pode ser encontrada pesquisando “Incêndio na capela do Bonfim - Itaúna MG”, a escondida nas entrelinhas será revelada apenas no dia em que os justos serão julgados. Até lá sinais serão decifrados, um combate oculto esta sendo feito, cada um tem seu papel a desempenhar.

Gilson Raimundo
Enviado por Gilson Raimundo em 28/10/2016
Reeditado em 28/10/2016
Código do texto: T5805731
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