O Mosteiro - Parte 1

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Uma leve neblina recobria os campos ao redor do mosteiro. A lua já se mostrava no céu. Tomas caminhava cautelosamente pelos tortuosos corredores de pedra, já gastas pela ação do tempo. O silêncio predominava de tal forma que ínfimos ruídos da noite, como o zunir de uma mosca, eram escutados a distancia e com nitidez. Tomas sabia que tão logo a escuridão também predominaria por aqueles corredores, por isso ele se apressava em cumprir o mais rápido possível a sua tarefa, a de acender todas as tochas que pendiam pelos corredores da ala leste.

Já era noite, quando Tomas atingiu o corredor superior. Poucas vezes ele estivera naquele local antes. Era bonito, inegável, repleto de imagens dos santos e mártires da igreja em tamanho real, alinhadas lado a lado. Durante o dia era um lugar de paz e embora as imagens fossem sagradas, ele devia admitir que era impossível não sentir um leve temor ao caminhar por aquele corredor a noite.

Concluída sua tarefa, ele se pôs a olhar por uma grande janela que se abria ao final do corredor. Por ela era possível avistar ao longe o vilarejo, que ele visitará apenas no dia de sua chegada ao mosteiro. Sua chegada. Sua conturbada chegada. Fora a seis meses atrás, que o abade Jean Baptiste, do mosteiro de Saint Denis o indicara para ser transferido para aquele mosteiro, onde poderia conhecer, trabalhar e estudar junto com Giulianno de Médici, um dos maiores especialista em línguas antigas de seu tempo.

A viagem da França até o norte da península itálica fora por demais penosa, porém fora vencida com sucesso. Ao chegar ele vislumbrou maravilhado o imponente mosteiro que se mostrava a sua frente. Grandes eram as suas expectativas: uma calorosa recepção por parte de seus irmãos, várias horas de conversas com seu novo abade e mentor. Todas, todas em vão.

Sua chegada ao mosteiro fora uma total surpresa para os demais. Desnorteados pela presença de um novo irmão, eles o levaram até um monge chamado Sillas. Este lhe deu tímidas boas vindas e lhe pediu desculpas pela ausência do abade, que se encontrava confinado em sua cela em virtude de uma doença. Pedindo licença a Tomas, Sillas o encaminhou a sua cela, e lhe incumbiu de algumas tarefas a serem realizadas diariamente, até que o abade lhe designasse qual seria sua verdadeira missão naquele mosteiro.

Humilde, Tomas acatou as ordens de Sillas. "Serão apenas por alguns dias", ele pensou. Porém já se fazia quase um mês que ele havia chego ao mosteiro e o abade ainda permanecia ausente. Qual seria a sua doença? Estaria ocorrendo alguma coisa no mosteiro que lhe fosse proibido saber?

"Tolices", ele pensou. Aquele era uma casa de Deus e não um templo de intrigas! O estomago de Tomas roncava, provavelmente o jantar haveria de estar sendo servido no salão comunal. Tomas se dirigiu até ele, e notou a ausência dos monges mais antigos, incluindo Sillas, na refeição noturna.

"Onde estão os demais?", ele perguntou a um jovem frei chamado Bodini, que respondeu com uma voz incerta "Estão em penitencia. Em suas celas. Orando a Deus para este expie os seus pecados.".

Conformado com a resposta, Tomas concluiu sua refeição, uma bela sopa típica de camponeses acompanhada de pão feito com cereais integrais e vinho. Em seguida pediu licença aos demais e se levantou, tomando o rumo de sua cela, na ala leste. Antes de sair porém, ele notou que um dos freis estava a levar potes com sopa e outro, jarras de vinho para a ala oeste. Ainda era cedo para que a refeição fosse recolhida, e mesmo que fosse a hora, as dependências da cozinha ficavam na outra direção.

Fingindo buscar mais um copo de vinho, Tomas aguardou que os freis saíssem do salão, para segui-los. Poucas vezes eles havia ido a ala oeste. Tencionando seus músculos das pernas de modo a caminhar o mais silenciosamente possível, ele seguiu os freios por tortuosos corredores, bem menos iluminados do que os da ala oposta.

Passaram minutos. Minutos cuja tensão fazia com que passassem como horas. A cada passo Tomas se perguntava se aquilo que ele fazia era certo. Seguir seus irmãos pelo mosteiro??? Não demorou muito e ele os perdera pelos caminhos. "Talvez seja melhor assim", ele pensou. Ao dar meia volta para ir embora, um susto! Sillas parado atrás dele, o encarava.

Excetuando se no dia de sua chegada, Tomas tivera poucas oportunidades de conversar com Sillas, mas a primeira impressão era de ele era um bom homem. Rude, porém bom de coração. Naquele momento, porém, Sillas o encarava com uma expressão que faria tremer o mais bravo cruzado, e que obviamente não teria um efeito diferente para com o jovem monge.

"O que fazes aqui", perguntou Sillas, "Não deverias estar em tua cela?". Tomas assustado balbuciou alguma coisa sobre haver errado o caminho. Sillas então disse rispidamente para que fosse embora logo, e que não mais adentrasse aquela ala. Tomas obediente seguiu o seu rumo, cabisbaixo por entre os corredores, o que lhe permitiu encontrar algo inusitado.

Como já fora dito, os corredores daquela ala eram por demais mal iluminados. Por muito pouco, o próprio Tomas não o ignorou pensando se tratar de alguma falha no chão. Graças a Deus ou ao acaso, ele se abaixo e se deparou com um amuleto. Um estranho amuleto. A peça era de ouro puro, suja pelo tempo, e trazia inscrições pagãs de um lado e frases talhadas em uma língua desconhecida de outro.

Passos! Enquanto analisava a peça, Tomas escutou fortes passos vindo pelos corredores. Guardando em sua mente a curiosidade e em seu manto o amuleto, Tomas partiu em disparada, como um felino selvagem, tomando todo o cuidado possível para não fazer qualquer ruído.

Chegando a sua cela ele tratou de fechar a sua porta e passou a procurar um local seguro para guardar aquela peça. Afinal, em seus anos a serviço de Deus ele vira o quanto é perigosa a posse de objetos que ofendam o divino. Após alguns minutos procurando, ele então encontrou uma pedra mal encaixada em sua parede. Retirando-a, Tomas encontrou o espaço ideal para guardar o amuleto.

Com a peça devidamente guardada, Tomas pode então se deitar e repousar. Afinal, o próximo dia prometia ser um dia de muitas descobertas.