O Prisioneiro

Arrumo-te bons lençóis, não para que te cubras, mas para que te enforques. És tu um espírito livre, um vagabundo. Vejo como encontra-te bem em teu cárcere. Já vi como dormes, tranquilo e pacífico. Fruis, pois, de nova segurança.

Oh, carcereiro sombrio! – contrapõe o prisioneiro – Admiras como durmo? Queres trocar de lugar comigo? Seria uma experiência primorosa. Podes trazer os lençóis que me oferecera e fazer deles bom uso.

Temo entristece-lo, sujo prisioneiro. Não desabo frente às tuas arapucas. És ardiloso, bem sei. Soube como enganou homens e mulheres. Roubou-lhes o que tinham, fruto de duro labor.

Pasme carcereiro, antes de roubá-los, esses homens e mulheres, já haviam roubado à mim. Roubaram-me a vida tecendo mentiras. Disseram-me: “Somos iguais perante a lei, somos iguais perante a Deus.” Ora, por que então banqueteio-me da miséria? Delicio-me com os restos, e quando não os tenho procuro ratos para me saciar.

És desafortunado sim, pobre prisioneiro. – Anuiu o carcereiro – Não és igual a ninguém, és a pior das espécies. Larápio. Devo dizer-te, porém, que não há justificativa para teus crimes. Roubas porque queres. Tens bons braços e pernas, dê-se ao trabalho.

És cego, pobre carcereiro? Não vês minha barba alva? Dei-me ao trabalho antes mesmo de tu nasceste. Desde menino – Replica o prisioneiro – Desmantela-me o orgulho. Não queria o labor juvenil, queria o saber, o aprender. Não justifico meu furto, porém sou coagido pela miséria a praticá-lo.

Não sonhes prisioneiro, nada de sonhos. Tu és o que é. E te resta agora apenas o confinamento. Querias o saber? Devias ter aprendido com a vida. Sim, a vida muito ensina. Tens longa barba, mas pouco conhecimento. Viveste entocado como um monge? – Caçoa o carcereiro.

Alegra-me que se divirta. – Sorri o prisioneiro – O orgulho pelo vosso ofício é encantador. Vossa moral e ideal parecem-me intocáveis. És um homem temente a Deus, vejo pelo crucifixo pendurado em teu pescoço. Diga-me, porém, quantas vezes puxaste o gatilho da arma que carregas?

Cala-te, vagabundo. Sei bem o que queres fazer. Não me sorverás para as trevas. Queres turvar meus pensamentos e inebriar minha alma. Não permitirei. Antes de me fazer o mal, tirarei tudo de ti, velho senil. – Enche-se de cólera o carcereiro.

Não há mais nada que possas tirar de mim, bom homem. – O prisioneiro levanta as mãos lado a lado e expõe seus machucados causados pelo tempo.

Há sim o que tirar de ti, vagabundo. Sangue.

A chave destranca as grades. Um homem, de vestes prestas, portando um cassetete adentra à cela. Nos olhos de um velho há o horror e o medo profundos. Choros de suplica enchem o espaço, mas só se escutam os sons do porrete na carne magra. Pontadas de dor atravessam os ossos. A cada golpe fibrila o coração. Gritos dos mais roucos ecoam nos corredores de um presidio. Findam-se. Há silêncio. Silêncio fúnebre. Silêncio de morte. Silêncio de paz.