Os braços que a recebem são os mesmos que anunciam sua morte

E lá estava ela novamente olhando debochadamente para mim.

Mesmo de longe eu podia sentir o cheiro que exalava. Uma mistura rançosa de sujeira acumulada e perfume barato.

Quando a deixei há tantos anos, fiz uma promessa que jamais voltaria a vê-la ou saber dela.

Por isso havia me blindado ao longo dos anos. Construído paredes emocionais, fortalecido meus alicerces psicológicos e saneado ano após ano, minhas memórias e impressões mentais.

E agora, neste momento onde eu me questionava sobre tantos aspectos da vida. Quando eu me embrenhava nos labirintos da minha importância e fazia perguntas sobre o sentido de ser em uma clara e perigosa crise existencial, ela ressurgia.

Trazia suas conhecidas unhas carmim e sua boca escancarada em vermelho vivo.

Vinha plena em suas roupas espalhafatosas e sua arrogância doentia.

Chegava com seus miasmas cobertos de soberba em uma decadência tão antiga quanto sua própria história.

E do alto de sua robustez fabricada à base da minha repulsa, ria das minhas tentativas toscas de ficar a distância dos seus dedos decrépitos e afoitos da minha alegria.

E eu, por mais que quisesse me manter imune às suas investidas, a simples visão da imagem daquela meretriz tão pungente quanto a mais bem traduzida alusão à Grande Rameira da Babilônia transformava o que havia de melhor em mim no mais profundo e angustiante pesadelo.

Era o sacramento do inferno transformado na polidez mais hipócrita.

O desgaste da lucidez traduzido em sons antigos de risadas e sorrisos dementes regados a muito álcool.

De fantasias luminosas à meia luz de bares vulgares e festas elitistas de almas decadentes.

A manifestação ressuscitada de valores enganosos e egocêntricos a definir comportamentos, modos, roupas, condutas, relacionamentos e vidas.

A repugnância total e incontrolável que eu sentia crescia na mesma proporção que o ódio pela contrariedade de ter que, compulsoriamente, enfrentá-la mais uma vez.

E com o ódio vinham as lembranças de tantas madrugadas insones, onde eu, enrodilhada e em pânico, me via muito pequena, muito diminuta em busca do significado das suas investidas cruéis a extinguir a pureza e a ingenuidade dos meus anos mais caros.

E assim, ciente de seu poder sobre mim, ela se refestelava com gargalhadas gordas de presunção e com o deleite da angústia que me consumia e que antecipava o macabro encontro.

E no sono que passava a ser permeado pelos pesadelos sombrios há muito abandonados no divã psicanalítico eu voltava a encará-la em lembranças que me deixavam consumida e descontruída diante dela.

Impotente me descontrolava diante de seus olhos. Lutava contra a náusea e o pânico do enfrentamento. Ficava irritada, agressiva, ameaçadora e por fim exaurida.

E então, já vencida pela dor e aniquilada pela impotência, sucumbiria mais uma vez e me entregaria aos seus braços diabólicos.

Ela me receberia exultante.

Faria estragos irreparáveis em mim. Alguns seriam tratados e minimizados com o tempo. Outros transformariam mais uma vez meus sonhos e tirariam um pouco mais da minha alegria.

Para quem via aqueles encontros, nada mais eram que a filha pródiga retornando ao lar.

Para mim, eram passos irreversíveis em direção à dor.

Mas no dia correto lá eu estaria pelo bem maior. Há situações que só (e apenas) o amor supera.

Ela seria avaliada com o mesmo desapego e o velho e bom desprezo de sempre.

Eu respiraria seus vapores pútridos e corrompidos. Absorveria suas cores decrépitas e suas tentativas toscas de ser fazer atraente, bela, interessante e cheia de novidades.

Por fim, me ergueria como sempre fiz e me veria altiva, forte e até sorridente, pois não há nada pior para seu inimigo na batalha, mesmo que ela seja só sua, que perecer com altivez e de certa forma, até formosura...

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 05/06/2017
Reeditado em 05/06/2017
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