MISTÉRIOS DA MEIA NOITE (título em homenagem ao Zé Ramalho)

- Eu ainda lembro! Ainda lembro do maldito dia! – resmungava o homem sentado na cadeira, parecia enlouquecido, os olhos vidrados olhando para as paredes brancas, seu corpo, em constante movimento, tentava livrar os braços amarrados nas costas. – Soltem-me eu quero sair daqui! Preciso sair daqui! – gritava o homem se debatendo na cadeira.

- Há quanto tempo ele está neste estado, Doutor? – perguntou um dos jovens que observavam o homem atrás do espelho.

- Desde que chegara na constituição – a voz do médico era cheio de pesar e compaixão. Gabriel – era o nome do homem infortunado na sala.

- Existe algum registro sobre o paciente, Doutor? – perguntou uma das garotas.

- Nada de anormal. É um homem de negócios...

- Stress?! – interrompeu um dos alunos.

O médico olhou para todos os alunos – eram seis no total, apenas duas garotas, que aparentemente pareciam mais sensatas – Não. Não é stress. – o médico virou-se para o paciente que continuava a gritar e se debater na cadeira, continuou – Geralmente os sintomas do stress são completamente diferentes. As pessoas ficam nervosas e inquietas. Mas, neste caso... – ele fez uma pausa, procurando a palavra certa – não é como os demais pacientes. Além do terror da escuridão, toda vez que se depara com um cachorro, fica completamente incontrolável.

Os alunos começaram a fazer anotações em suas pranchetas. Mas Lilian, observava o homem em silêncio.

Naqueles olhos alucinados existia algo que a incomodava, e, em seu intímo sabia que ficar ali, do lado de fora, apenas observando, nada lhe adiantava. Seu desejo era entrar, poder ouvir aquele homem, ela sabia que existia muito mais do que gesto desconcertantes. Por fim disse – Doutor?

- Sim Lilian – respondeu o médico chefe arrumando os óculos.

- Será que poderia entrar na sala?

- Lógico que não pode entrar – respondeu o médico com certa autoridade, continuou – não sabemos qual seria sua reação, é violento quando se sente ameaçado.

- Se não podemos Ter contato com o paciente. Qual a finalidade de nossos estudos? – questionou a garota, continuou – Teremos que descobrir nossas próprias teses por intermédio de livros e depoimentos de outros médicos? Não podemos, por si próprios, criar nossas teses, discuti-las em grupo e assim, encontrarmos algo que não seja predefinido?!

- Admiro sua atitude, Lilian – respondeu o médico com certo respeito – mas, não sabemos o que pode acontecer. É um homem violento, e tudo que sabemos sobre ele são apenas hipóteses. Nada diz além do que ouvem.

- Ao menos podemos tentar – disse a outra garota – Ele esta amarrado. Não poderá fazer absolutamente nada contra nós.

O médico olhou para os alunos que esperavam pelo seu veredicto. Olhou para o paciente, ele já não gritava, parecia atento para a decisão do médico. Especulou se o paciente, de alguma forma, soubesse do intuito dos alunos, e num suspiro, respondeu:

- Posso colocá-los na sala, mas terei que seda-lo.

- Mas assim não terá condições de responder nossas perguntas – interrompeu um dos jovens do grupo.

- Calma, Richard, calma. – disse o médico – a dose do medicamento não será tão forte assim.

O médico olhou para os alunos antes de abrir a porta por completo. Ele ainda hesitou antes de entrar. Temia um ataque de nervos do paciente, também, o médico não se lembrara de nenhum dia, desde que havia chegado ali, que vira aquele homem sem estar amarrado, mas, para sua surpresa, continuou imóvel, observando as pessoas que o olhavam através do espelho, o médico se aproximou lentamente, certificando do bom funcionamento da seringa, o paciente o olhou e o médico parou, temendo algum gesto violento, mas Gabriel, nada fez, pelo contrário, pela primeira vez em todos aqueles 24 meses, tomou a medicação sem um ataque.

Após dado o remédio, os alunos entraram, um a um, ficaram em volta da mesa, observando Gabriel.

Seus olhos já estavam mostrando o resultado da mistura, ele balançou a cabeça de forma negativa, como se tentasse recobrar toda sua visão, mas seu corpo inteiro estava adormecido.

- Qual é seu nome? – perguntou Lilian com certa simpatia.

Gabriel olhou para a garota, seus olhos estavam pesados, quase fechando, seu corpo, parecia um pêndulo, indo de um lado para o outro lentamente.

- Ele não responderá – interrompeu o médico – suas únicas palavras são: me tire daqui! Maldito dia! Não apaguem as luzes. Vamos embora, existe outras alas para serem vistas, deixem-no em paz.

Os alunos começaram a sair um atrás do outro, com exceção de Lilian, que ficara observando o homem em seu delírio.

- Vamos Lilian – chamou o médico – Não há nada para ser feito com ele.

Lilian começou a caminhar. Gabriel ergueu os olhos e, para a garota universitária, pareciam súplicas inaudíveis.

- Não irei Doutor – disse Lilian voltando para a frente de Gabriel – É uma espécie de senso de ética. Este homem precisa de ajuda...

- Todos nós precisamos de ajuda garota – disse o médico alterado. Ele sabia, aquele homem não a ajudaria em nada, pelo contrário, apenas a frustraria e poderia estar perdendo uma grande psiquiatra, mas Lilian parecia não compreender, continuava parada encarando o homem cada vez mais abobado – Venha Lilian – disse o homem tocando em seu braço carinhosamente – Admiro sua coragem, admiro mesmo. Fico até constrangido, pois tentei de diversas formas entrar em contato com este homem, mas todas minhas tentativas foram em vão.

Lilian, percebeu que nas palavras do médico haviam, compaixão e sinceridade, e deixou-se encaminhar até a saída, mas voltou automaticamente ao ouvir:

- Por favor. Deixe-a ficar um pouco – disse Gabriel numa voz mole e inconstante.

O médico ao ouvir aquelas palavras sentiu um alívio percorrer seu corpo. Era um psiquiatra, e havia escolhido sua profissão para ajudar as pessoas, e o caso de Gabriel, era algo a parte, se sentia frustrado por não conseguir compartilhar aquele mundo misterioso, o mesmo mundo que Lilian, acabara de abrir a primeira porta.

Todos os alunos voltaram a sala. Gabriel olhava para todos que formavam um meio círculo em sua frente. Lilian estava sentada à sua frente e o Doutor, apenas observava por traz dos alunos.

Gabriel começou a contar sua história, com certa dificuldade na formação e colocação das palavras, efeitos devido ao sedativo.

– Sempre fui um homem cético. Não acreditava em Deus, muito menos no demônio. Ao meu ver as coisas apenas aconteciam devido a uma ação primária.

– Também não acredito que exista algo sobrenatural. – concordou um dos alunos – Acredito que as pessoas buscam nestes mitos, justificativas para perguntas que não conseguem compreender. É natural buscarmos uma resposta.

Gabriel olhou para o rapaz com uma sombra de sorriso nos lábios ¬– Alguém mais pensa desta forma? – indagou o paciente.

Os alunos assentiram, com exceção de Lilian.

¬– Também pensava assim... até aquele dia.

Os alunos ao ouvirem a própria contradição, se silenciaram. Gabriel por alguns momentos ficou apenas observando, conseguia avistar através do prisma dos olhos dos descrentes, achavam-no um louco, isso, o incomodava, pois sabia que a insanidade não fazia parte de sua vida. O que vira naquele dia era tão real quanto ele mesmo.

– Então conte-nos. – pediu Lilian com certa excitação – conte-nos o motivo para lhe fazer acreditar que entre o céu e a terra existem coisas que vão além do nosso entendimento.

Gabriel, sentindo o desejo de conhecimento de Lilian, se emocionou. Seus olhos não tinha o mesmo brilho de seus amigos, era algo terno, quase carinhoso. Não esperava que o respeitasse como um homem completamente são, mas com certeza, sentia que para chamá-lo de louco, haveria de dizer muitas coisas sem nexo.

Com certa dificuldade começou a explicar o que havia acontecido.

– Meu antigo trabalho exigia muito de meus pensamentos. Era uma agência de publicidade, e, um publicitário, mesmo caminhando na rua, está, de alguma forma trabalhando, em outras palavras, eram 350 dias trabalhando, os quinze dias restantes tirava para um rápido descanso, que procurava os lugares mais calmos para descansar, ou melhor, o lugar mais tranqüilo. Minha família é de uma cidade do interior, quer dizer, nem sei se posso chamar aquele amontoado de casas de cidade.

– Após seis horas de trânsito, chuva e neblina, cheguei na cidade. Minha cabeça estava prestes a explodir. Cumprimentei minha avó que estava assistindo suas novelas. Ficamos abraçados por alguns momentos. Éramos muito apegados, ela era minha madrinha e havia acompanhado da infância à adolescência, quando troquei a paz e tranqüilidade da cidade, pela agitação da capital. Conversamos durante uns quinze minutos, todos os primos haviam casados e moravam em outras cidades vizinhas, com exceção do primo caçula de apenas 14 anos. Tomei um banho refrescante, purificou até a alma, fazia tempo que não sentia-me tão limpo. O ar puro, a brisa que soprava lá fora, era bem diferente dos dias claros de uma capital. A poluição parecia impregnada nos poros. Vesti uma roupa leve, uma camiseta, uma calça jeans e um tênis que há muito tempo esqueci que existia. Dei uma volta pela praça, e para minha infelicidade, não tinha ninguém, estava completamente vazia, o silêncio poderia ser completo se não fosse pelo barulho da água na fonte. Fiquei um pouco decepcionado, mesmo assim sentei-me num dos bancos e tentei não pensar em nada. As folhas das árvores com a brisa fina que soprava geravam uma espécie de harmonia, meus pensamentos estavam povoados de paz e quietude. Mas, de repente comecei a ouvir passos, era um amigo que havia crescido comigo.

Conversamos um pouco e acabei sendo convidado para jantar em sua casa. Estava casado. Não fiquei surpreso em saber da notícia, mesmo sabendo que Daniel – era o nome de meu amigo – nos tempos dourados era um dos maiores garanhões da cidade. Conheci sua mulher e suas duas filhas. Eram gêmeas, Palas e Atenas, lindas garotinhas, seus olhos eram claros, quase esverdeados, os cabelos dourados, cacheados e sedosos, não puxaram o pai, isso estava na cara.

Após o deliciosa jantar, ficamos conversando e bebendo. Milene – esposa de Daniel – não estava gostando do rumo da conversa e foi dormir, levando as duas filhas pequenas. Estávamos conversando sobre nossa adolescência, sobre mulheres e sobre minha sorte de não estar casado. A conversa estava tão boa que não havia percebido que muitas horas haviam se passado. Já eram quase uma hora da manhã.

Levantei-me com certa dificuldade, devido ao excesso de bebida, gracejei pelo fato de não precisar dirigir, despedi de meu amigo e comecei a caminhar pelas ruas iluminadas pelas lâmpadas amarelas. Aquelas luzes não iluminavam muito bem as ruas, e criavam uma espécie de clima escuro, algo tétrico. As sombras pareciam dançar nas calçadas, tomavam formas estranhas, mas, minha mente estava completamente enxercada pelo álcool, então relacionei as visões ao meu estado.

Comecei a andar pela rua principal. Estava cansado de caminhar pelas ruas estreitas da cidade. Era uma pista de mão dupla, e para evitar qualquer acidente, caminhava no canteiro que separa as duas vias, de repente, as luzes começaram a falhar, parei por alguns instantes, fiquei olhando as luzes dos postes piscarem até sumirem por completo – Que bom! Só faltava esta agora – pensei, continuando o caminho. Não tinha medo da escuridão, pelo contrário, parecia que meus olhos enxergavam muito mais.

Sentia-me um filho da noite, eu e a escuridão éramos uma só essência, sentia algo percorrendo meu corpo, parecia uma forma de energia, aquilo agitava meus pensamentos, mas, de repente, uma garoa fria começou a cair lentamente, a brisa começou a soprar e as árvores, começaram a chorar baixinho, tentei ouvir a mesma sinfonia da praça, mas pareciam mais com lamentos, e nada mais. Tudo estava normal, até que de repente, há uns dois metros, vi um cachorro completamente negro revirando um saco de lixo. Pensei em chamar sua atenção, qualquer companhia seria ótima naquela noite, mas, poderia ser raivoso, decidi deixar as coisas como estão. Passei pelo animal sem desviar o olhar, mas percebeu minha presença, desviou sua atenção do saco de lixo e ficou por alguns instantes apenas me observando.

Seus olhos eram grandes e vermelhos, de sua boca, uma espécie de líquido espesso escorria lentamente, não respirava pela língua como os outros cachorros. Nossos olhos ficaram em sintonia por alguns momentos, até que apertei o passo. Deixando o cachorro para traz com seu lixo. Suspirei num alívio, sinceramente, pensei que seria atacado pelo animal. Acendi um cigarro e continuei o percurso, até que tive a sensação de estar sendo perseguido, olhei para traz e, para meu desespero, o cachorro caminhava lentamente. Subitamente senti um aperto no coração, a garoa agora caía mais forte e o vento era gelado e intenso. Comecei a andar mais rápido, as ruas apagadas e aquela silhueta negra, podendo ser calculado a distância, entre ela e eu, pelo brilho daqueles olhos avermelhados. Olhei para traz mais uma vez, e para minha surpresa o cachorro estava sentado em plena rua, fiquei olhando por alguns instantes, até que o cão, que até então estava parado, após um uivo ensurdecedor que mais parecia com um grito, começou a correr em minha direção.

Por alguns momentos fiquei sem ação, o animal avançando parecia uma fera incontrolável, seus olhos pareciam mais vermelhos – infernais – e de sua mandíbula grunhidos que pareciam mais com vozes em um dialeto estranho.

Comecei a correr em desespero. Não havia mais nenhum sinal da bebida em meu corpo, bem que gostaria de estar completamente alcoolizado, perdido em ilusões, saberia que tudo aquilo que estava se passando era apenas uma alucinação, mas não era, ao contrário era real. A garoa havia se transformado em chuva e o vento soprava contra meu corpo, o que dificultava a corrida. Não aguentava mais, estava prestes a desistir e entregar-me à sorte, olhei para os céus, procurei pelas faces do Deus que todos diziam, mas como poderia ouvir minhas preces? Eu, que sempre fui um homem que acreditava na ciência, que tudo não se passava de uma evolução atômica, agora me via precisando daquela força, daquela fé, e foi naquele momento que chamei pelo seu nome e ao olhar para traz a fera havia desaparecido.

Permaneci parado por alguns momentos. Precisava recuperar o fôlego. Após alguns poucos minutos – pouquíssimos para ser franco. Não seria louco para permanecer ali por muito tempo –, sentindo-me descansado, tomei o rumo de casa. As ruas estavam úmidas pela chuva repentina que havia caído, cessara, não por completo, a garoa fina e gelada insistia. As luzes continuavam apagadas, tudo era silêncio. Acendi outro cigarro e após uma longa tragada, relaxei por completo.

Estava próximo da casa de minha avó. A praça estava apenas há alguns metros. Comecei a pensar em minha cama, na segurança que teria debaixo daquele teto, sem cachorros negros me perseguindo, sem aquela garoa chata molhando minha roupa e cabelos.

Ao olhar para praça senti um sentimento estranho percorrendo meu corpo, um vento forte soprou. As folhas sacudiram furiosamente, alguns pássaros voaram. Os cães latiam e uivavam. Algumas luzes se acenderam, mas ninguém ousou por os pés na rua. Continuei caminhando, tentava tampar meus ouvidos, mas o som era ensurdecedor, até que, subitamente, tudo se silenciou por completo.

Olhei para os lados, e por alguns instantes desejei que os sons estridentes voltassem. O silêncio parecia esconder algo nas sombras, não sabia o que poderia acontecer, mas algo era exalado de todos os lados. Uma névoa branca começou a nascer de repente, tomando a rua por completo, já estava difícil a visualização na escuridão e agora para completar aquela bruma pesada. Mesmo com medo, continuei o percurso, passei pela praça, mas ao chegar ao cruzamento, olhei para os lados – como se alguém passasse por ali.

Primeiro olhei para o lado direito, mas ao olhar para o lado esquerdo...

O cão – o mesmo cão completamente negro – caminhava lentamente ao meu encontro. Nos olhos grandes e vermelhos uma fúria que fazia minha alma tremer de terror. Alguns sons eram expelidos, não era grunhidos, pareciam com palavras em um outro dialeto. Comecei a caminhar mais rápido, e a fera começou a correr, no mesmo instante um relâmpago clareou tudo, e o som do trovão ecoou pela noite.

Minhas pernas estavam, aos poucos se entregando ao cansaço, e a besta, mais obstinada à me atacar. Seus latidos ecoavam. Eu tentava gritar por socorro, mas minha voz era abafada pelo som do trovão, a garoa começou a cair mais forte, unindo sua força ao vento. Não conseguia enxergar direito, e por duas vezes, senti a respiração quente do animal próximo de minha mão. Naquele momento disse o nome de todos os santos e de todos os deuses que conhecia, mas nenhum deles parecia ouvir minhas palavras, mas, não os culpei, afinal, como podemos nos lembrar de alguém que nos procura somente quando precisamos? Mas o pensamento religioso deixou meus pensamentos, deixando ela completamente livre para a imagem do cão.

Ele brincava comigo. Sabia que o temia, e isso o deixava satisfeito. Se realmente fosse o desejo, teria feito muito antes. Talvez seu desejo fosse realmente sentir o cheiro de meu suor, o teor de meu medo exalado pelos poros de meu corpo, temperando minha carne para seus dentes grandes e afiados, e, se fosse realmente uma besta; o que aconteceria com minha alma após Ter o corpo completamente desmembrado?

Cheguei em casa aos gritos, mas ninguém ouviu. Bati no portão, e ao olhar pra traz, vi a fera caminhando lentamente, como se fosse um gato, sorrateiramente. Estava prestes a deferir seu ataque mortal, quando num relance desesperado, arrombei o portão e logo após a porta. Arrastei o sofá e coloquei na porta. A fera poderia tentar entrar. Com o barulho minha vó acordou, e percebeu que algo não estava bem.

Expliquei toda a história, percebi que forçara-se a acreditar, ela abriu a janela sob minha negação e não viu absolutamente nada. Disse ainda que poderia Ter sido efeito da bebida – ainda estava com certo odor na boca –, que tinha avistado um cão e pensei Ter visto outra, com um sorriso, beijou meu rosto e foi dormir. Por instantes sentei-me no sofá e percebi que minha avó tinha certa razão, poderia Ter sido apenas uma visão e nada mais, foi então que decidi olhar pela janela, e para minha surpresa, o cão estava parado do outro lado da rua, sentando, ele apenas me observava, com uma espécie de sorriso nos lábios, de repente as luzes voltaram e a rua ganhou o brilho amarelado de sempre. E, de repente, o cão tornou-se uma fumaça negra, com grandes olhos vermelhos.

E após aquela noite minha vida nunca mais fora a mesma, tive pesadelos terríveis, a escuridão, que tanto adorava, parecia uma prisão, sempre avistava aqueles olhos ofensivos observando, apenas observando. Com o tempo, as coisas começaram a acontecer até mesmo na luz do dia.

E por isso, estou aqui.

- Puxa! Mas que história horripilante. Não queria Ter passado por isso – disse Lilian com um brilho nos olhos – então foi aquela visão que o trouxe até aqui. O que podemos dizer sobre o caso, Doutor?

- Loucura e propensão a visões – zombou um dos alunos – Pára com isso Lilian! Você acredita que exista coisas deste gênero? Inferno e Céu? Anjo e demônio? Qual será a próxima? Fim do arco-íris?

Todos os alunos caíram na gargalhada. Gabriel acabou tendo outro ataque e acabou sendo retirado da sala. O médico nada disse, apenas balançou a cabeça, pela ousadia dos alunos descrentes. Ele olhou no relógio e disse – Alunos. Sei que a história foi muito boa. Espero que tenham tirado algum proveito, mas já são quase sete horas da noite, e temos que voltar para a faculdade.

Os alunos saíram debochando das coisas que haviam ouvido. Imaginavam a vida repleta de lobisomens, vampiros e coisas do gênero. Lilian caminhava logo atrás, com vontade de gritar e dizer que todos não se passavam de pessoas insensíveis e limitadas, que não acreditavam em essência, pois, para Lilian, todos os fenômenos eram uma forma de manifestação da força. Ela parou por alguns instantes, deixando os amigos se distanciarem ainda mais.

Ela começou a caminhar mais rápido ao ver seus amigos saindo do instituto. Abriu a porta com receio de perder a carona, mas, ao chegar na rua, para sua surpresa, todos estavam parados, olhando para o outro lado da rua.

Um cachorro completamente negro estava parado do outro lado da rua, parecia observar cada um cuidadosamente. Lilian, lembrou-se da história de Gabriel, e percebeu que aquele homem realmente dizia a verdade, era um enorme cão negro, com grandes olhos vermelhos e com uma espécie de sorriso nos lábios.

– Não pode ser verdade – sussurrou um dos estudantes.

– Pode ser uma alucinação coletiva – respondeu a outra garota – A história do Gabriel talvez tenha surtido algum efeito em nosso subconsciente.

– Sei não – disse Lilian calmamente – Existe muito mais entre o céu e a terra. A matéria nada mais é que a essência condensada. Nada mais. Vimos tudo isto, mas, existe algo além da nossa compreensão.

– Ainda prefiro a alucinação coletiva – comentou o primeiro aluno – além de tudo, é inofensiva. E sendo ou não, passa um sentimento hostil e maléfico.

O silêncio se fez em todos os alunos, o cão lentamente caminhou até o meio da rua, e após transformar-se numa nuvem densa e negra, passou entre os espectadores entregando-lhes um sentimento de maldade e fúria.

fim

adriano villa
Enviado por adriano villa em 15/08/2007
Código do texto: T607717
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