Dizem que foi na história do Feliciano que Charles Chaplin se inspirou para compor o personagem Monsieur Verdoux, um dos seus últimos filmes. Monsieur Verdoux era uma espécie de Don Juan assassino que seduzia velhas senhoras ricas, casava-se com elas e depois as matava para ficar com a herança delas. 
Evidente que tudo isso é folclore, pois esse filme é dos anos quarenta e o famoso criador do Carlitos nunca ouviu falar no Feliciano, prosaico caixeiro viajante que nos anos cinqüenta andou pelas pacatas cidades do nosso interior, com uma mala enorme nas costas, vendendo de porta em porta, as bugigangas que comprava nas Lojas do Brás.
Aliás, e mais provável que o próprio Feliciano tenha se inspirado no personagem do Chaplin, pois ele também tinha um talento formidável para descobrir viúvas carentes, sem filhos ou parentes conhecidos, que estavam dispostas a qualquer coisa para ter de novo um homem em suas camas. Não eram, é óbvio, como as viúvas de Monsieur Verdoux, velhas milionárias, algumas delas até pertencentes á nobreza francesa. As suas vítimas, na maior parte, eram funcionárias públicas aposentadas, antigas professoras geralmente, que depois de uma profícua vida profissional e uma experiência marital satisfatória, não queriam aposentar também essa última coisa que sobra de uma vida a dois, que é um arrufo de amor de vem em quando.
Feliciano já estava na quinta vítima. Sempre se dera bem até o momento. Ele era muito esperto. As mulheres moravam em cidades diferentes, muito longe umas das outras. E ele nunca se apresentava com o mesmo nome, e ás vezes, até o aspecto físico ele disfarçava. Para umas ele era louro, usava bigode, tinha dente de ouro; para outras ele se apresentava moreno, de barba cerrada, usando óculos, para outras era careca, etc. 
Tudo tinha dado certo até então. Com nomes diversos, constantes em certidões tiradas em diferentes cartórios do interior, ele casara com cinco viúvas em cinco cidades diferentes. Três delas já haviam batido as botas, em idênticas circunstâncias, e mais duas já estavam a caminho, consumidas pela mesma doença. Tudo isso no espaço de cinco anos, o que rendera a Feliciano três aposentadorias e duas casas, e mais alguns bens, que ele possuía, com nomes diferentes, em cidades diversas, e por conta dos quais levava uma boa vida. Agora, com as outras duas viúvas a caminho do cemitério, ele esperava por mais duas aposentadorias e alguns bens que viriam a engordar sua conta bancária e seu patrimônio. 
O método dele era simples e eficiente. Ele conquistava as viúvas, casava-se com elas, usando diferentes nomes e depois as matava aos poucos, envenenando-as com arsênico. Feliciano era esperto. Ele lera em algum lugar que em fins do século XIX mais de uma centena de pessoas haviam morrido na Inglaterra, envenenadas pelo papel de revestimento que as donas de casa colocavam em suas paredes. Descobriu-se mais tarde que esses papéis eram coloridos com arsênio – em especial aqueles que apresentavam padrões florais. Nesses papéis, as flores eram coloridas com um pigmento chamado verde-de-scheele, que era utilizado para dar uma impressão natural ás folhas e pétalas das flores.   Quando expostos à umidade, esses papéis de parede emboloravam e serviam de meio para cultura de um fungo que liberava trimetilarsina, um gás mortal para o ser humano quando exalado em grandes quantidades, ou quando se é constantemente exposto a ele. 
Para Feliciano foi fácil achar um químico que fabricasse esse composto para ele. Afinal era um sujeito viajado, que comprava todos os tipos de mercadoria nos grandes centros e as vendia pelo interior afora. Inclusive perfumes, os quais eram, aliás, um dos itens que mais o ajudava com as mulheres, inclusive as vítimas da sua felonia. 
Depois, o resto era fácil. Bastava convencer as infelizes esposas a cobrir as paredes dos quartos com os lindos papéis de parede que ele trazia de suas viagens. Eram formosos revestimentos, com vistosas flores coloridas e que pareciam, (segundo quem viu os quartos), até exalar um certo perfume. Tratava-se, evidentemente, de uma ilusão dos sentidos, pois os tais papéis eram de plástico, e por isso mesmo, inodoros. Mas as flores nele pintadas pareciam tão reais, que a sensação de perfume era mesmo real.
Ao cabo de seis meses até um ano, todas as mulheres de Feliciano acabavam morrendo de morte igual. Uma morte dolorosa, causada pela corrosão das paredes abdominais, acompanhadas por anemia, destruição dos glóbulos vermelhos e erupções de pele, que nenhum médico de interior soube diagnosticar e curar. 
Como tais mortes ocorriam em cidades diferentes, ninguém ligou uma coisa á outra. Nenhum perito também chegou a suspeitar que as viúvas tivessem morrido envenenadas, pois em nenhum dos casos houve investigação por parte de um legista experiente. Na verdade, todas as mortes foram computadas como normais, causadas por alguma infecção interna, de difícil diagnóstico. Isso era comum, principalmente nas cidades do interior, onde a medicina, naqueles tempos, não tinha tantos recursos. 
Feliciano era esperto o suficiente para não se expor continuamente ao veneno. Dormia, quando muito, uma noite na casa de uma das viúvas e só aparecia cerca de um mês depois. Sua profissão de caixeiro viajante justificava essas ausências, e assim, sem o contato acentuado com a perigosa toxina, ele não se contaminava. Ao mesmo tempo, isso evitava que alguém desconfiasse que a doença de suas esposas pudesse estar relacionada ao vistoso papel de parede que enfeitava os seus quartos.
Dessa forma Feliciano ia engordando sua conta bancária e enchendo cada vez mais a sua declaração de bens no Imposto de Renda. 
 
Até o dia em que conheceu a Orlandina. Essa era uma professora aposentada, mas também viúva de um fazendeiro, que lhe deixara uma bela herança, na forma de uma grande fazenda, além de inúmeros outros bens. Orlandina não foi infensa aos encantos do Don Juan do sertão. Caiu na sua lábia depois de um baile no clube local, onde o sinistro galã, depois de descobrir que ali poderia estar a mais rica de suas vítimas, lançou sobre ela todo seu charme e a fez logo acreditar que ele era o homem certo para preencher o vazio que o seu marido lhe deixara, no coração e na cama. 
Seis meses depois estavam casados e o Feliciano já começara a praticar o seu macabro plano com ela. Convencera-a a forrar as paredes do quarto com os indefectíveis papéis de parede floridos, que pareciam exalar um perfume de campo em plena primavera. E, enquanto isso, como fizera com todas as outras, vivia viajando a serviço, e só  aparecia em casa para dar um pouco de prazer á sua devotada esposa, a cada trinta dias. E a cada vez que aparecia, a sua esperança era encontrá-la cada vez mais doente e debilitada, como acontecera com as demais. 
Só que com Orlandina, a coisa parecia não funcionar. Ao contrário, a cada vez que ele aparecia, para, como ele dizia, cumprir a sua obrigação, ele encontrava a esposa forte e disposta, parecendo cada dia mais saudável. 
Talvez Orlandina tivesse uma constituição física mais forte e resistente do que as anteriores, pensou Feliciano. Por isso, alegando querer dar um retoque nas flores do papel de parede, para torná-las mais bonitas, ele pincelou de leve as pétalas das flores, aumentando a dose de arsênico presente nelas. Depois, dizendo que tinha clientes importantes para visitar naquele mesmo dia em outra cidade, viajou, para não ter que dormir naquele quarto.
Mas quando voltou, um mês depois, viu que a estratégia não tinha dado resultado. Orlandina continuava, ao que parecia, ainda saudável. E ele então, repetiu a operação, aumentando a dose do veneno no papel de parede, viajando, em seguida.  
Mas a cada vez que voltava, e era obrigado a dormir com a esposa, verificava que a danada estava cada vez mais saudável. E por conta disso, ele aumentava a dose do veneno no papel de parede. 
Por conta desse seu plano nefasto, Feliciano, já na primeira noite em que dormira com Orlandina, adotara o costume de dispensar todos os empregados da fazenda. E sempre fazia isso quando vinha para casa. Dizia a eles que queria ficar sozinho com Orlandina. Os empregados logo entenderam e quando Feliciano mandava os telegramas dizendo que ia chegar no dia seguinte, toodos os empregados já sabiam que ele queria ficar sozinho com a patroa, e assim, eles não apareciam na fazenda. E assim foi durante dois anos. Porém, a última vez que Feliciano voltou, depois da ausência de mais de um mês, e verificou que Orlandina estava mais guapa do que uma rapariga de vinte anos, então ele sentiu que, desta vez, a estratégia não ia funcionar. 
Só com a esposa no quarto, depois de satisfazê-la na cama, ele esperou ela dormir, e com um pincel começou a retocar as vistosas flores do papel de parede, espalhando uma dose maciça de arsênico nelas. Assim que terminasse, pegaria a sua mala, já arrumada de antemão e partiria para mais uma de suas viagens.  Deixaria um bilhete em cima do criado-mudo, para Orlandina, como sempre fizera. Quando abaixou, silenciosamente, para deixar o bilhete, ele leu a frase que estava escrita numa meia folha de papel sulfite em cima do criado mudo: "Estamos esperando por você, amor." 
Tentou sorriu. Mas o sorriso transformou-se num esgar de dor. Dores insuportáveis no abdome, a par de uma fraqueza terrível nas pernas, que mal o sustinha em pé, o acometeram violentamente. Vieram então as ânsias de vômito, o sangramento das gengivas, as erupções na pele. 
Um empregado o encontrou, pela manhã, ao lado da cama, em estado de coma. Levado ás pressas para o hospital da cidade, nenhum dos médicos conseguiu diagnosticar a tempo a moléstia que o acometera, e ele morreu, duas horas depois,sem ter, pelo menos, a oportunidade de fazer a confissão que poderia salvar a sua vida.
Sua morte foi considerada normal, causada, provavelmente por uma infecção interna que tardou muito a se manifestar externamente. 
Como Feliciano era pouco conhecido na cidade, por ser caixeiro viajante, e só aparecer de vez em quando para visitar a esposa, pouca gente compareceu ao seu enterro. Ele era casado com comunhão de bens com Orlandina. Como ninguém conhecesse seus herdeiros, a municipalidade teve que abrir um inventário para dar uma destinação á polpuda fortuna que o defunto deixara. A única coisa que intrigou os inventariantes foi a razão de o Feliciano não ter mandado abrir inventário por ocasião da morte de Orlandina, ocorrida cerca de um ano antes da morte dele. Pois ele era o único herdeiro da viúva. 
Orlandina morrera cerca de um ano depois do casamento deles e ele, segundo se dizia na comunidade, não gostava muito da companhia dela, pois vivia mais ausente do que presente. Nem quando Orlandina ficou doente, com uma doença semelhante áquela que causara a morte dele, ele mudou o seu costume de aparecer uma vez por mês, passar uma noite em casa e desaparecer no dia seguinte. Orlandina, quando viva, justificava essas ausências alegando que sua profissão de caixeiro viajante assim o exigia. 
Entretanto, por ocasião da morte da esposa, motivada, segundo o médico que assinou a certidão de óbito, por uma infecção intestinal, ele fora localizado para ser cientificado desse fato. E quando vinha para casa, uma vez a cada mês, ficava recluso naquela casa da fazenda, sem falar com ninguém, desaparecendo no dia seguinte. Como os empregados já tinham o costume de ser dispensados quando ele vinha, ninguém pode falar com ele nesse período. 
Por uma disposição expressa de Orlandina, todos os bens dela e de Feliciano foram destinados á Santa Casa local, que os usou para comprar equipamentos próprios para diagnosticar e tratar moléstias infecciosas. Feliciano não era da cidade e poucos dias depois do seu enterro, financiados pelo espólio, ninguém se lembrava mais dele. A única curiosidade que sobrou desse fato foram aquelas seis mulheres, que todo dia de finados, ainda hoje, visitam o túmulo dele. Vestidas de negro, com véus nos rostos, elas aparecem e desaparecem de repente. Não deixam flores nem quaisquer outros objetos na tumba. Mas depois que elas somem, fica um estranho odor no ar. É um leve odor adocicado que alguém, entendido em química, disse que se trata de arsênico. A única prova da existência dessas mulheres, que ninguém sabe onde moram, nem de onde vem, é uma frase que, dizem, elas pronunciam antes de desaparecer. Essa frase, segundo afirma quem a ouviiu é: Finalmente você é nosso"!