ENTERRADO QUASE MORTO

Silêncio...

Finalmente um pouco de paz. Todos aqueles murmúrios e lamentações estavam começando a enlouquecer-me. Quanto desespero, quanto agonia... e a quem celebravam? Por que derrubavam lágrimas neste solo... tão amargas quanto suas vidas. Mas, agora posso ouvir os sinais da noite se aproximando, ouço, ao longe, grilos. Deve estar ventando, uma brisa, mas suficiente para balançar as folhas das árvores. Eu posso sentir! Eu posso sentir na pele o frescor da brisa... Meus instintos estão completamente eloqüentes, sinto-me capaz de tocar os céus sem qualquer esforço, e... se posso tocar os céus, também posso caminhar pelos infernos, conhecer ambas lendas que embalaram nossos pensamentos. Será que realmente existem? Será que são como descrevem? Ou serão como os monstros e demônios do período feudal... criados apenas para nos limitar? Mas, quem sabe um dia poderei encontrar tais respostas.

A escuridão sempre foi um lar para meus olhos cansados. Ela tem um encanto natural, algo que nos envolve e ilumina nossos pensamentos, quantas vezes ao deitarmos não pensamos nas coisas que se passaram naquele dia... Quantos arrependimentos, de coisas que fizemos e que deixamos de fazer... A vida é incerta, como todos os passos que damos para nossa única certeza – a morte – e o final de tudo, o destino irremediável, irreversível e completamente certo. O nascimento é uma certeza que depende de outro acontecimento, no caso, podemos colocar em pauta o amor... O amor. Tão doce, mas ao mesmo tempo tão traiçoeiro, como as ondas do mar, ora tempestuosas, ora calmas.

Antigamente encontrava forças nesta virtude. Enlouquecia por não tê-la, mas contracenando com a solidão, aprendemos coisas que jamais ousaríamos observar, e, é por esta falta de bom senso que acabamos nos esquivando das respostas. O amor fortalece – eu sei, afirmo isso – mas da mesma forma que nos mostra um céu, também nos mostra o Hades, e todos os lamentos, lágrimas e inclusive, nossa auto-estima, se esvai, pelos ralos de nossas fraquezas... desconfiança... medo de perder... ciúmes... se o amor realmente fosse uma espécie de paz, não acarretara tais virtudes consigo. Eu sei, que muitas coisas viajam no vácuo, mas é necessário separar os insetos do arroz para depois comermos.

Hoje, posso compreender certas coisas. Loucura?! Pode até ser, mas não são os loucos que fazem algo pelo seu ambiente? Não são os sonhadores que nos entregam as melhores maravilhas da tecnologia? A loucura é uma dádiva dos céus, algo que compreende não somente nossas almas como também, todo nosso corpo. É uma química altamente forte, que ao misturar-se ao sangue, corre por todo o corpo, invade o coração que bombeia para o cérebro, e em seguida, os olhos se tornam muito mais perceptivos, e acabamos contemplando cenas que jamais voltarão a passar diante deles... e jamais contemplarei outro horizonte.

O silêncio reina, não sinto o amargo da lágrima alcançando os espólios do que um da fui. Agora, já não tenho motivos para chorar, ou para temer algo, estou no olho do furacão, prestes a conhecer o que muitas pessoas adorariam conhecer – o outro lado –, mas... que barulho é esse? Lembra os exércitos que marchavam em nome da glória de seus países – ou para o orgulho de seus lideres ambiciosos? – Posso senti-los... Mas como? Sinto pequenas presas mordiscarem minha carne, mas o que esta acontecendo? Estão subindo pelas minhas pernas, calmamente como se fossem juizes, sinto-os em meu rosto. Seus pés pequeninos, gelados, avançam milímetro por milímetro. – Esperem! – disse a eles – O que pretendem fazer? Estupidez a minha de tentar dialogar com seres tão miseráveis, como se pudesse sentar e negociar uma paz para os restos de uma vida. Eu podia ouvir suas vozes, não eram bem vozes, mas pequenos sons estranhos, tão estranhos que poderia sair correndo, se não estivesse preso naquele sepulcro. Um sentimento estranho invadia os restos de meus pensamentos, aqueles seres viviam sob nossos pés a gerações intermináveis. E eu que caminhava sobre a terra ignorando o que se passava a baixo dela... irônico não? Agora se o que se passa sob ela, não encontrei nenhum inferno, pelo contrário, ainda não pude sentir o prazer de acordar deste pesadelo, estou ciente, talvez seja uma experiência nova, afinal, as pessoas dizem que os espíritos passeiam durante a noite. Não existe razão para se desesperar, calma, apenas tenha calma.

Mas como Ter calma, os pés gelados, o arrastar suave daqueles bichinhos nojentos, sobre meu rosto, enroscando em meu bigode e, como serpentes entrando pelas minhas narinas, vencendo os pêlos que os protegem das bactérias que circulam no ar. Agonia! Se minhas mãos estivessem livres... se elas estivessem... Mas não estavam e tudo que podia fazer era ficar pensando, sentindo os bichinhos, entrando e se banqueteando, devorando minha carne, de dentro para fora. De início eram poucos, mas não paravam de chegar e cada vez mais me sentia repleto destes seres nojentos, velejando pelas veias de meu corpo, em uma excursão pelos meus órgãos, eu podia senti-los próximos de meu coração, caminhando lentamente em minha cabeça... e nada podia fazer, apenas esperar para um novo dia amanhecer e despertar com um sol claro sobre minhas faces... Divirtam-se! Comam como jamais comeram, logo despertarei e este pesadelo, não passará de mais uma noite de embriaguez...

- Não se atormente minha mãe, com a morte do pai – diz a filha tentando consolar a mãe que choramingava – Dizem que quando morremos partimos para um lugar muito melhor... A senhora precisa acreditar, ele pode estar olhando para a senhora neste instante, com imenso desejo de consolá-la. Não chores mãe. Não chores! – A mãe passou as mãos nas faces, tirando algumas lágrimas que ainda escorriam, sorriu sem jeito e murmurou – Eu sei minha querida, mas quando perdemos alguém, tudo que conquistamos perde o sentido – A mãe suspirou e após uma pausa acrescentou – Mas a vida continua e temos os filhos para encontrarmos força, mas tenho muito medo que teu pai ainda esteja entre nós, pois morreu dormindo, e para uma alma Ter paz, é necessária saber que partiu... e sinto que ainda esta entre nós... em algum lugar... em algum lugar que jamais poderemos compreender.

adriano villa
Enviado por adriano villa em 16/08/2007
Código do texto: T609270
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