SANGUE DO BODE

Um dia, um sujeito muito esquisito chegou no povoado de Santiago e logo causou uma impressão de desconfiança nos habitantes do lugar. O nome dele, segundo se apurou, era Basilio Valentin, conforme ele mesmo confessou ao único sujeito que podia se dar ao luxo de ter feito amizade com ele. Esse era o Dr. Tiago de Molay, que além de farmacêutico, tinha sido iniciado maçom, o que, por via direta ou obliqua, conforme dizia o Padre Vicente, pároco do lugar, explicava tudo. Pois aquele tal Basilio Valentin era mesmo muito esquisito. Tinha chegado á cidade de Santiago não sabe quando nem vindo de onde. Ostentava um semblante estranho, de pessoa muito velha, na pele de um homem ainda novo, coisa que a gente do lugar não sabia explicar como era, mas sentia, por que todo mundo falava a mesma coisa. Era assim como estar na presença de alguém que viera de outros tempos, por que tudo nele indicava ser alguém que já vivera um século e mais, embora sua fisionomia não lhe desse mais que quarenta ou cinquenta anos. 
Santiago era uma cidadezinha de seus cinco mil habitantes e a gente dali era muito simplória. Povoado nascido em volta da igreja, com suas ruas estreitas, calçadas de pedras, cortadas de forma irregular e assentadas em areia, que escorria toda quando chovia,  para o ribeirão que passava pelo meio do povoado. Os únicos acontecimentos que chamavam a atenção da população local era a quermesse anual da Igreja de São Tiago, o padroeiro da cidade.
As três pessoas mais importantes do lugar eram exatamente o padre Vicente, pároco da Igreja, o farmacêutico Dr. Tiago de Molay, que fora batizado assim por causa exatamente do padroeiro da cidade, e o coronel. Herculano, que além da patente ostentada em razão da sua nomeação para a Guarda Nacional, nomeação essa que já vinha dos tempos da República velha, era também o delegado de polícia da cidade. Por coincidência, o Coronel Herculano também era maçom, o que provocava esgares de asco no Padre Vicente, sempre que via os dois hereges conversando baixinho e coloquialmente, fazendo estranhos sinais um para o outro, como se estivessem tramando alguma maquinação diabólica.
Aliás, foram esses três personagens os que mais se incomodaram com o aparecimento daquele estranho na cidade. Não mais pelo fato de que o sujeito se chamava Basilio Valentin, nome de monge alquimista, como logo o Dr. Tiago apuraria, mas também pelo fato que o sujeito comprara um velho casarão que ficava no alto de uma colina, fora do centro da cidade, e logo a apetrechara com equipamentos estranhos ás usanças locais. Tais equipamentos eram um forno a carvão, equipado com foles e chaminés escalonados, construído especialmente para conservar e evaporar o calor de acordo com as necessidades do utente. Isso quem disse foi o próprio mestre Amarildo, o pedreiro que havia sido chamado para construir o dito forno de aquecimento, coisa muito estranha em uma cidade onde nunca fazia frio.  Foi ele também que historiou aos curiosos membros da aristocracia local que o tal Dr. Valentin tinha, no cômodo em que o forno fora construído, que era no porão da casa, um moderníssimo laboratório de farmacêutico, equipado com pipetas, alambiques de destilação e decantação de líquidos, máquinas manuais de trituração e maceração de sólidos, balanças, cubas, dosadores e misturadores, crisóis, almofarizes, incontáveis vidros com diversas substâncias estranhas, e principalmente muitos livros com bizarras fórmulas cabalísticas e gravuras esotéricas, cujos títulos eram mais estranhos ainda.
Foram essas informações que chamaram a atenção do Dr. Tiago de Molay, pois tudo indicava que o misterioso habitante do casarão era, nada mais, nada menos, que um alquimista. Ele, que era químico-farmacêutico, dono da única farmácia da cidade, e que fazia as vezes também de médico, logo ficou excitado pela possibilidade de conhecer pessoalmente um adepto da antiga arte de Hermes, da qual ele tanto ouvira falar nas aulas da faculdade de farmácia. Ele sabia que esses velhos praticantes da química experimental, não obstante o fato de terem realizado diversas descobertas na área da química e da medicina, sendo que alguns deles foram até cientistas de renome, como Paracelso, Van Helmont,  Alberto Magno, e outros, eram muito misteriosos. No passado haviam sido condenados pela Igreja como bruxos e desprezados pela ciência como charlatães. Afora isso, eles exerciam um estranho fascínio sobre ele, mais não fosse o fato de a alquimia estar profundamente ligada às lides farmacêuticas e umbilicalmente ligada á prática da maçonaria.
Aliás o próprio Basilio Valentin, suposto nome do estranho, também fora um cientista respeitado, conforme ele apurara na Enciclopédia Barsa. Esse fora um monge que viveu no século XVI e era muito conhecido entre os praticantes da Obra. Até deixara um famoso livro ensinando como fazer para obter a pedra filosofal. O livro se chamava As Chaves da Filosofia. Ele baixara o tal livro na Internet, começou a ler mas desistiu depois das três primeiras páginas, pois era muito difícil de entender o que o famoso padre escrevera.
Ele sabia que os alquimistas tinham um objetivo comum, que era o de fabricar ouro realizando transmutações em metais simples como chumbo, estanho, ferro etc. Ele, como químico moderno, tinha consciência de que tais operações eram quiméricas, pois para realizar a mudança de estado de um mineral para outro era preciso uma alteração na estrutura nuclear deles, operação essa impossível de realizar no estado atual em que as ciências químicas e físicas estavam. Mas, segundo algumas pessoas acreditavam, alquimistas como Nicolas Flamel, Fulcanelli, Raimundo Lulio e outros, conseguiram realizar essas transmutações, pois haviam descoberto um composto capaz de penetrar no núcleo atômico dos minerais e alterar suas estruturas químicas. Esse composto era a chamada pedra filosofal, que servia não apenas para transformar metais comuns em ouro, mas atuava também como um elixir capaz de prolongar a vida de uma pessoa por muitos e muitos anos.
Mas a alquimia era coisa do passado. Os alquimistas tinham desaparecido há mais de um século. O último, que segundo os especialistas na matéria, havia merecido esse título, já desaparecera há muito tempo, e ninguém ficou sabendo quem ele era, pois a única prova da sua existência eram os dois livros que escrevera falando do ensinamento que esses adeptos haviam deixado na arquitetura das igrejas e palácios, especialmente na França. E mais que tudo, ele nunca havia ouvido falar de um alquimista trabalhando no Brasil.
Foi isso que o levou a buscar um relacionamento mais próximo com o estranho habitante da velha mansão. Esperava encontrar dificuldade nessa tarefa, pois sabia que, por tradição, se fosse verdade o que se dizia desses antigos magos, eles eram arredios à toda aproximação com estranhos e guardavam a sete chaves os mistérios da sua prática. Dessa forma, viviam vidas solitárias e reclusas, evitando contato com as pessoas e principalmente com estranhos. Aliás, o casarão onde ele se instalara era própria para esse mister, pois ficava longe dos olhares curiosos, e se o seu ocupante buscava a solidão de um eremitério para a prática da sua estranha arte, não podia haver local mais apropriado.
Qual não foi sua surpresa ao verificar que o estranho habitante do casarão da colina, na verdade era um sujeito afável e folgazão, que não só apreciou ter encontrado um colega de profissão na cidade, como também gostava de falar abertamente das suas experiências com a química experimental, que era a sua paixão.
─ Sim, disse ele ─ eu sou alquimista e não tenho nenhum constrangimento de que me chamem assim, embora saiba que a alquimia seja coisa do passado e modernamente seus adeptos são julgados como charlatões que enganavam pessoas de posse, como eram os barões e príncipes do passado, que os contratavam para fabricar ouro para eles. Nessa labuta muitos dos nossos antigos confrades passavam a vida toda vivendo á custa desses ambiciosos tolos. Porém muitos deles eram honestos pesquisadores dos segredos da natureza ─ completou ele.
O estranho, que agora já não era mais estranho para o Dr. Tiago de Molay era, na verdade, um cientista. Acreditava sim, na possibilidade de encontrar, pela manipulação química, o segredo da pedra filosofal, mas sua técnica diferia das antigas práticas dos velhos antecessores seus. Ele seguia todos os cânones da ciência moderna e nada tinha da antiga mística que lançara tantas sombras de charlatanice sobre os colegas do passado.
O agora já amigo do Dr. Molay, se apresentou como sendo o Dr. Basílio Valentin,italiano de nascimento, formado em física e química pela Universidade de Bolonha, e que se mudara para o Brasil para ensinar na Universidade de São Paulo. Mas se cansara da cátedra e passara praticar química experimental.  Trabalhara para alguns laboratórios desenvolvendo algumas essências para sabonetes e perfumes, ganhara bastante dinheiro e resolvera se dedicar a sua grande paixão, que era a alquimia. Por coincidência ele também era iniciado nos mistérios da Arte Real, como se chamava, entre os Irmãos, a maçonaria.
─Ainda vou provar para esses acadêmicos de merda ─disse ele ao Dr. Molay ─  que a alquimia não é um sonho de lunáticos. Por isso viera para Santiago. Na paz de uma cidadezinha do interior, na presença de um clima propício, com as matérias primas adequadas, dizia o Dr. Valentin, “é possível realizar a Grande Obra”.
─ O maior problema da alquimia ─ disse ele ao agora já interessado farmacêutico ─ é a escolha da matéria prima. Nenhum dos tratados escritos pelos nossos filósofos esclarece que tipo de material se deve tomar para fabricar o pó de projeção, nem quais os minerais que respondem melhor á transmutação, e quais os dissolventes e oxidantes que devem ser utilizados no processo de preparação da pedra, mas eu descobri, nas minhas experiências, que tudo isso está presente no próprio organismo humano. São os metais que entram na composição dos ossos, das cartilagens e dos ácidos que existem no corpo humano.
─ Como assim?─ perguntou o Dr. de Molay.
─ Como sabemos, o corpo humano é um composto que apresenta em sua estrutura diversos minerais. Já pensou em como ele faz para transformar todos eles na energia que movimenta nossos músculos, ativa nossas funções e faz trabalhar os nossos nervos e cérebro? ─perguntou o Dr. Valentin.
─ De certo. Temos dentro de nós uma usina que transforma alimentos em energia e a transmite a todas as partes do nosso corpo, mas... ─ respondeu o Dr. de Molay, sem ainda chegar ao âmago do assunto.
─ Pois é ─ disse o Dr. Valentin,  com uma certa excitação nos olhos, pois percebera que o Dr. de Molay mostrara interesse no assunto ─ a coisa é muito simples. Todos os tratados dos mestres antigos dizem que a matéria prima da Obra começa com um minério que contém uma composição de ferro, arsênico e a antimônio. A ele se junta um mínimo de chumbo, prata ou mercúrio para se obter potássio e enxofre. Depois se adiciona um ácido que pode ser tartárico ou cítrico. Essa é a receita inicial da Obra. Onde mais encontrareis todos esses ingredientes, senão não no próprio corpo humano?
─ Entendi ─ murmurou o Dr. de Molay, sem conceber porque a palavra “enxofre” havia ressoado no seu ouvido com maior repercussão do que as demais.  ─ Não sou perito nessas artes ─ disse ele─ afastando da mente a importuna impressão ─mas do que li a respeito, sei que não basta misturar os ingredientes certos para se obter a pedra filosofal. Existe todo um processo a ser cumprido, e pelo que sei, isso pode levar muitos e muitos anos, e mesmo assim, muito se duvida se alguém, um dia conseguiu levá-lo a bom termo ─ completou o Dr. de Molay.
─ É verdade─ respondeu o Dr. Valentin. ─ Mas posso garantir que alguns mestres do passado tiveram sucesso nessa tarefa. E eu também já encontrei o caminho certo ─ completou ele, com uma indisfarçável emoção na voz. ─ Como diziam os antigos mestres, é tudo igual ao trabalho do útero de uma mulher quando gesta um feto, e parece um brinquedo de criança porque ela faz tudo pelo prazer da descoberta. Vem, vou mostrar-lhe─ disse ele com um sorriso meio ambíguo que fez gelar o sangue do Dr. Molay.
Mas a curiosidade era maior do que o medo que ele estava sentindo. Então se deixou guiar pela gélida mão que havia pegado no seu braço e começava a conduzi-lo por um corredor soturno, em direção ao porão da velha casa.
O Dr. Valentin levou o Dr. de Molay ao seu laboratório e mostrou-lhe os resultados do seu trabalho. Fosse o que fosse a revelação que ele lhe fez, ou demonstrações que tenha presenciado, o fato é que ela mudou completamente a sua vida. Pois ele abandonou a farmácia e passou a trabalhar com o Dr. Valentin na sua estranha ocupação. Fora disso, tudo continuou normal. O Dr. Valentin se incorporou á elite da cidade, e embora permanecesse muito arredio, de vez em quando aparecia em alguma solenidade. A estranha amizade que se estabeleceu entre ele e o antigo farmacêutico foi comentada durante algum tempo, mas logo deixou de ser assunto. Afinal, os dois eram da mesma profissão. A única novidade a isso tudo é que a eles se juntara o Coronel. Herculano, e agora os três hereges maçons formavam um trio que causara arrepios no Padre Vicente quando os via juntos.

Cerca de um ano havia se passado desde o dia em que o Dr. Valentin mostrara ao Dr. de Molay os resultados da sua pesquisa. Nesse meio tempo, muita coisa também mudara na pacata cidadezinha de Santiago. Ela sempre fora uma comunidade calma e pacífica, cuja única notícia da sua existência, nos jornais da região, fora uma vez em que dois vaqueiros brigaram na quermesse anual por causa de uma moça, e um deles atirou no outro com uma garrucha.  Mas nos últimos meses a cidade tinha aparecido constantemente nos jornais da região por causa da constante violação de túmulos que o cemitério local andava sofrendo. Nos últimos dois anos nada menos que cinco túmulos foram violados no cemitério da cidade, todos de cadáveres frescos, que haviam sido sepultados no dia anterior aos seus óbitos. Isso configurava uma ação concatenada com alguma intenção oculta, ainda que macabra, pois que os cadáveres eram esviscerados e privados de algumas partes ósseas, principalmente aquelas onde se juntavam tutanos e cartilagens, proporcionando ligações entre nervos e músculos. Havia, sem dúvida, como logo notou o Coronel Herculano, como delegado da cidade, encarregado da apuração desses macabros crimes, uma certa ritualística por trás daqueles fatos. Logo pensou que alguma seita demoníaca estivesse desenvolvendo algum ritual satânico nas redondezas, ou pelo menos,que algum pai de santo estaria usando órgãos e restos mortais para a prática de algum trabalho de magia negra. Foi nessa linha que ele conduziu suas investigações, mas depois de algum tempo desistiu porque não conseguiu encontrar nada que confirmasse suas suposições.
Ainda assim ele se propôs a montar uma estratégia para pegar os vampiros que andavam saqueando o cemitério local. Mas o problema é que Santiago era uma cidade pequena e nem todo dia morria gente. Ademais era uma cidade de bom clima e bons serviços públicos e de saúde, o que retardava a visita da morte por aqueles lados. Por isso, apenas cinco pessoas haviam morrido nos dois últimos anos, exatamente os cinco cadáveres que haviam sido violados.
 A estratégia do Coronel Herculano exigia pelo menos um enterro para que ele pudesse ficar de tocaia no cemitério na noite seguinte ao sepultamento. Cansado de esperar pela ajuda espontânea da negra senhora, ele mesmo resolveu apressar o curso dos acontecimentos, providenciando um motivo para que a morte fizesse uma visita a Santiago para levar uma alma. Em troca, dizia ele, pegaria os sacrílegos que andavam profanando o sagrado sono dos mortos da cidade. E assim ficaria quite com a sua consciência. O escolhido foi o Zé das Pipas, o único morador de rua da cidade, que aliás, era morador de rua porque queria, pois que abrigo o prefeito e até algumas pessoas da cidade já lhe haviam oferecido e ele nunca aceitara. “Tolhe minha liberdade”, dizia ele. Assim continuava a dormir na porta da Igreja, onde o padre Vicente já lhe providenciara até um cobertor e um colchão de capim, que pela manhã ele enrolava e deixava encostado num canto do átrio de entrada da Igreja. Todo mundo já estava acostumado com isso e ninguém mexia nos “pertences” da cama do Zé das Pipas, que por sinal, durante o dia fazia a alegria da molecada, fabricando pipas e ensinando como se empinava as ditas cujas.
Ninguém estranhou nem sentiu mais que o necessário quando o Zé das Pipas foi encontrado morto na porta da igreja naquela manhã. Todo mundo sabia que isso um dia podia acontecer. A questão embaraçante era que o Zé das Pipas tinha sido assassinado por um malvado qualquer que lhe dera uma facada certeira no coração. Quem se propusera a fazer uma maldade dessas a um sujeito que não incomodava ninguém? A igreja se encarregou de enterrá-lo e a prefeitura não se importou em pagar as despesas com o enterro. Afinal, o Zé das Pipas era um folclore da cidade. E como ninguém se importou com o fato, ele logo caiu no esquecimento, na mesma hora em que o infeliz foi entregue á terra.
Mas foi graças á morte dele que o Coronel Herculano chegou finalmente aos vampiros que andavam saqueando o cemitério. Na noite seguinte ao enterro, religiosamente, lá estava ele de tocaia atrás de uma campa, esperando os meliantes, que ele tinha certeza iriam saquear o túmulo do recém-enterrado defunto que ele mesmo fornecera.
O resultado disso tudo é previsível, como o leitor já deve ter presumido. Pois os dois vampiros que o delegado prendeu em pleno delito, eram nada mais, nada menos, que seus Irmãos maçons, os doutores Valentin e de Molay.
─ Seja benvindo ao nosso grupo ─ disse o Dr. Valentin, com um sorriso, quando o delegado saltou de trás da campa onde estava escondido e lhes deu voz de prisão. ─ Você demorou para vir ─ completou ele com um sorriso ambíguo e sarcástico.
─ Obrigado pela ajuda ─ completou o Dr. Molay. ─ Nós já estávamos com dificuldade para encontrar matéria prima para a nossa Obra.
─ Pois é. O Irmão delegado nos prestou um bom serviço. De hoje em diante nós não vamos mais precisar violar túmulos para colher matéria prima para a nossa Obra. O senhor será o nosso provedor─ disse o Dr. Valentin. Em troca, terá, obviamente, a sua recompensa.

O que sucedeu depois daquela noite ninguém sabe. A única coisa que todo mundo percebeu é que as violações de túmulos nunca mais aconteceram na cidade. Mas todo ano, pelo menos um assassinato ocorria em Santiago ou nas cidades vizinhas. E os cadáveres eram encontrados sempre com o mesmo tipo de mutilação. Suas vísceras eram retiradas e os ossos existentes entre as articulações, seccionados e retirados. Isso aconteceu durante uns vinte anos e nunca se descobriu quem cometia esses macabros crimes. Só parou de oocorrer depois que os doutores Valentin e de Molay haviam desaparecido da cidade. O que houve com eles também nunca se apurou, mas ninguém ligou os fatos. Afinal, os dois eram profissionais químicos. Provavelmente receberam propostas muito vantajosas para trabalhar em outra cidade e se mudaram.
Outra coisa que nunca se conseguiu descobrir foi como o Coronel. Herculano enriqueceu tanto em tão pouco tempo. Com corrupção e malandragem não podia ser. Não havia na cidade criminosos suficientes para serem extorquidos. Dizem que ele havia descoberto uma mina de ouro no sitio que comprara ali por perto. Isso também nunca ninguém comprovou porque as duas únicas pessoas que ele deixava entrar no tal sítio eram exatamente os doutores Valentin e de Molay. Só uma coisa intrigou o povo da cidade. Quando ele morreu, seu corpo foi exatamente o último encontrado na região, mutilado daquela maneira. O quadro era o mesmo dos demais crimes. Só que o Coronel. Herculano morrera de enfarto. A única coisa que a perícia médica notou de diferente no corpo do delegado, em relação aos cadáveres anteriores, foram os olhos. A impressão que dava é de a sua alma havia sido arrancada á força por ali. Era um olhar de quem havia contemplado a visão do inferno. Isso, pelo menos, foi o que disse o Padre Vicente, que ao olhar para o corpo se persignou e murmurou que aquilo, sem dúvida era coisa do demonio.
“Isso é o que acontece com quem bebe sangue de bode”, disse ele, referindo-se ao fato de o Coronel Herculano ter sido maçom.