Doce Infância

A infância é uma beleza. A inocência no olhar, a sede pelo conhecer, a ansiedade do descobrir. Qual gênio não experimentara essas sensações durante a aurora de sua vida?

Para os pais ele é um filho exemplar. Para os professores um aluno modelo. Para os amigos um líder temido. Todos só tinham elogios para ele e ninguém seria capaz de lembrar qualquer atitude reprovável daquela pequena criança.

Uns diziam que ele se tornaria presidente. Outros falavam sem um futuro ganhador do prêmio Nobel. Outros ainda falavam em se tornar um novo Bill Gates! Todavia todos concordavam em uma coisa: um futuro grandioso estava destinado para aquele garoto.

Era um dia ensolarado, e o Dr. Wattson caminhava tranquilamente pela calçada, recém saído da casa dos Wallace, onde tinha acabado de consultar a pequena Amy, a poodle da família. O bom doutor era um veterinário que atendia a algumas famílias daquela vizinhança em domicílio.

Distraído ele caminhava quando subitamente o pequeno menino apareceu a sua frente. “Socorro tio! Tem um cachorrinho morrendo lá atrás!”, ele gritava. O Dr. Wattson reconheceu rapidamente o menino. Ambos nunca antes haviam sido apresentados, porém a fama do pequeno o procedia.

“Vamos meu pequeno amiguinho. Me mostre onde o pobre canino está!”, disse o bom doutor se agachando para falar com a criança.

“Vem tio, rápido!”, disse o menino que em seguida saiu correndo em disparada.

O doutor chegou a pensar em continuar o seu caminho, porém o menino realmente parecia estar preocupado com o animal. Além disso, ele pensara consigo próprio, fora o seu amor aos animais que o fizera escolher a veterinária, com isso, como poderia ele deixar um pobre animal agonizar quando ele próprio poderia ajudar?

Minutos depois ambos ainda corriam. O garoto disparado na frente e o já não tão jovem veterinário atrás. As casas já ficavam para trás, dando lugar a algumas árvores e estoques abandonados.

“Aqui dentro tio! Aqui!”, gritou o menino à porta de um depósito, antes de disparar pela porta para dentro.

O doutor chegou segundos depois, e parou na mesma porta para recuperar o fôlego. “Ei menino, cadê você?” ele gritou, ouvindo logo em seguida a resposta “aqui dentro!”.

O depósito estava abandonado, repleto de máquinas e vigas esquecidas e empoeiradas pelo tempo. Uma meia luz apenas iluminava o local, por isso o doutor caminhava devagar, temendo bater o joelho em alguma coisa. “Garoto? Cadê você?” ele gritava sem obter resposta.

Chegando ao centro do galpão, ele começou a ouvir grunhidos. Um animal, aparentemente. Forçando a visão ele reconheceu um vulto que parecia ser de um cão caído ao chão. Deveria ser aquele animal que o garoto falava! Se aproximando ele se agachou para ver a criatura e quase morreu do coração ao ver a cena.

Era terrível! O cão agonizava com as patas cortadas, as entranhas expostas e as órbitas oculares vazias. O doutor estava em choque, nunca antes ele vira cena tão grotesca em sua vida. Aquele não era um acidente natural! Caído no chão ele tentou se afastar quando sua mão tocou em algo peludo recoberto de algo viscoso que emitiu um grito. Virando-se ele se deparou com outro animal, semi-vivo em um estado lastimável, fruto claro da crueldade de outrem. Olhando bem ao seu redor ele viu que todo o centro do depósito estava repleto de animais de vários tipos, cães, gatos, coelhos, e todos mutilados. Alguns mortos outros agonizando.

Aquilo era demais. O que haveria de estar acontecendo ali? Quem seria o responsável por aquilo? O que poderia ele fazer? Essas e outras mil perguntas passavam pela sua mente, mas nenhuma referente ao misterioso garoto que o chamara para vislumbrar aquele inferno. Quando este apareceu em sua cabeça, o doutor gritou. Um grito agudo e terrível, de quem acabara de ser esfaqueado pelas costas.

“O que diabos...” ele disse, quando o menino veio a sua frente e disse “Sssshh! Silêncio doutor, não vai querer acordar meus bichinhos...”, colocando a mão na boca do médico.

“Seu retardado”, o veterinário gritava enquanto tentava com as mãos alcançar a faca ainda presa em suas costas, “o que pensa que esta fazendo maldito infeliz?”.

“Que palavras feias tio. Só estou fazendo aquilo que a tia o colégio ensinou: experiências. Estou conhecendo o mundo e as coisas.”, disse o menino puxando um velho machado que há anos havia sido guardado naquele depósito para casos de incêndio. “E agora tio, eu quero conhecer o senhor...”

Nos arredores do depósito, fora possível ouvir o grito do doutor. Infelizmente não havia ninguém que pudesse atender ou prestar qualquer socorro aquela pobre alma.

O sol já se punha, quando o menino desceu pela colina. Ele estava feliz. Seus olhos brilhavam e sua alma se excitava com o mundo que a cada dia se descobria mais e mais a sua volta. Afinal, quem poderia reprovar um menino tão puro, inteligente e especial?