Completa insanidade

A guerra levou tudo que eu tinha, a começar pelo meu pai.

Lembro de seu rosto apenas por fotos antigas. Sorridente, jovial - tinha orgulho de ser americano e ser capaz de defender seu país. Morreu rápido em 1918 na primeira grande guerra. Sem glórias teve um enterro apressado e insensível em meio à centenas de homens que morreram com ele. Sofri muito com essa perda, eu não tinha mais que sete anos, mas mal sabia eu que esse era apenas o começo de meu eterno sofrimento. Ainda passaria por coisas muito piores.

Fui mandado para um orfanato militar, onde não tive um tratamento melhor que o de um cão indesejável. Era um lugar cinza e triste, onde as crianças não brincavam. Estudavamos e treinavamos como adultos. Recebíamos também castigos de aldutos.

Poucos anos foram mais do que suficiente para tornar centenas de crianças em homens cheios de ódio e vontade de matar. Muitas novas crianças órfãs eram mandadas para lá e viamos que o ciclo infernal criado pelo governo não seria quebrado tão cedo. Esse é meu país!

Saí do orfanato aos desesseis anos e fui enviado para um campo de treinamento militar. Levei pra lá todo meu ódio e cicatrizes de treino adquirídos no orfanato. Ódio e cicatrizes aumentaram proporcionalmente até me tornar um 'fulizeiro de elite' como me chamavam.

Até então as únicas mulheres que eu havia conhecido eram as prostitutas perto da base militar e as mulheres violentadas durante as poucas batalhas que eu havia participado. Meu único orgulho era ser um bom soldado, ou seja, seguir ordens e matar. Nisso, eu pessoalmente era muito bom.

Passei toda a grande depressão treinando e realizando missões de pouca importância. Até que fui convocado à matar japoneses na segunda guerra mundial.

Os horrores vivídos lá nem mesmo o diabo teria sonhado.

A expectativa de vida de um fuzileiro era de menos de duas semanas. O governo manda vam centenas de jovens sorridentes para morrer em dois dias em nome da pátria. Havia homens despedaçados em todas as partes, meus amigos de infância, aqueles que cresceram comigo no orfanato; vi cada um deles morrendo diante de mim. Vi suas cabeças explodindo, vi muitos deles entrarem em pânicoe fugirem correndo. Matei cada um desses. Desertores malditos.

A culpada de meu pai ter morrido, de eu ter sofrido no orfanato ou na base militar foi sempre da guerra. O governo não me perguntou se era isso que eu queria - apenas agiu. A única coisa que pude fazer foi matar cada japonês que aparecesse como se fosse dele a culpa de eu estar ali. Matei muitos; queria poder matar todos!

Depois veio a tal guerra política, a Guerra Fria, que dividiu o mundo em dois. Essa, sem dúvida foi a época mais escura em minha existência. Nada era capaz de me entreter, nenhum prazer da vida me saciava. Eu queria algo que estava além da compreesão humana; eu queria sangue. Precisava matar.

Minhas noites eram conturbadas. Eu via japoneses em meus sonhos. Neles eu matava novamente cada japonês e esse era o meu único momento de paz.

Noite após noite, japoneses mortos surgiam em meus sonhos. Famílias enteiras às vezes, como as que eu fuzilava nos pequenos vilarejos. Alguns fardados, outros furiosos... eu matava todos.

O problema maior foi quando eles fugiram de meus sonhos e passaram a surgir em minha casa enquanto eu estava acordado! Eu tentei fugir, mudei de casa, mas não adiantou. Não havia lugar que eu fosse e não houvesse ao menos um japones morto olhando para mim. Pela primeira vez em minha vida passei a sentir medo, pois não poderia matar. Eles já estavam mortos.

Se eu contasse isso à alguem, niguém acreditaria. Por isso fui naquele que houve os loucos. Um psiquiatra.

Trataram meu caso como uma psicose grave. Disseram que eu poderia por em risco a vida de inocentes e a minha própria. Eles até que tinham razão, já que tinha o hábito de matar prostitutas e mendigos que não fariam falta a ninguém. Talvez fosse melhor passar uns dias em um sanatório... que erro cometi!

Lá descobir que era possível sofrer mais que na guerra. Séries de torturas e testes eram feitos em mim. Toda sorte de instrumentos pontiagudos foram usados. Eu estava sempre dorgado e mal sabia se estava vivo ou não. Não sabia quantos anos estavam lá e nem quando eu finalmente morreria.

Tudo que sei hoje é que estou aqui, em Tóquio. Pronto para matar japoneses. Como vim parar aqui eu não sei, mas as alucinações com mortos pararam. Vi em uma televisão à cores que o ano é 2007. Faz no mínimo setenta anos que não saio do sanatório, mas sinto que tenho trinta anos. Não sei oque aconteceu, talvez eu esteja morto e o diabo tenha me presenteado com tantos japoneses.

A única coisa que sei é que esse inverno será quente.