Armas em família

Então o cara que saiu da caserna virou presidente.

E depois disso, o país nunca mais foi o mesmo.

E nem a família do Seu Raimundo.

Pobre Seu Raimundo.

Eu estava lá. Sim, eu estava lá naquele dia.

Vi tudo acontecer.

Era noite de domingo e Dona Ângela havia feito o meu prato favorito: macarrão com sardinha.

Estava a família reunida: Seu Raimundo, o chefe da família, sentava na ponta da mesa, como manda a tradição; Dona Ângela, a sua direita; Pedrinho, o filho que completara 18 anos, sentava-se à esquerda. E tinha a pequena Liz, de 12 anos, que estava sentada ao lado do irmão.

Não sei bem como tudo começou; mas, que eu me lembre, Pedrinho pediu para usar o carro.

— Só depois que você tirar a carteira – disse Seu Raimundo – e não me peça mais isso.

— Pro inferno! – esbravejou Pedrinho.

Com as costas de sua mão esquerda, Seu Raimundo esbofeteou o rosto virgem do filho.

— E agradeça por ainda estar com os dentes!

O filho levantou-se e vi seu olhar de ódio para cima do pai. Não apenas ódio, vi algo mais forte, mais louco, algo mais insano.

Ergueu a camiseta e tirou um revólver da cintura e apontou para a cabeça de Seu Raimundo.

— Vai atirar em seu próprio pai? – perguntou o velho.

— A honra se limpa com sangue – respondeu o rapaz.

Ouvi o gatilho ser puxado; mas, não foi do revólver de Pedrinho – foi do revólver da pequena Liz, que fazia mira na nuca do irmão.

— Se você atirar no papai, você morre, Pedrinho.

Outro revólver foi engatilhado e desta vez foi o de Dona Ângela que apontava para a cabeça da filha.

— Ninguém vai matar um de meus filhos – disse a mulher.

E com isso outro revólver foi engatilhado. Olhei debaixo da mesa e vi que seu Raimundo havia colocado o cano de seu revólver no colo da esposa.

— Não se atreva a ferir a minha princesinha – avisou o velho.

E os quatro familiares ficaram desse jeito – um na mira do outro.

Nos pratos, o macarrão com sardinha esfriava.

Quem iria atirar primeiro? – perguntei-me.

Imaginei-me dentro de um depósito cheio de pólvora onde, a qualquer instante, alguém iria jogar um palito de fósforo aceso.

— Por que não abaixamos as armas? Afinal, somos uma família – ponderou Dona Ângela.

— Só se ele me pedir desculpas – respondeu Pedrinho.

Seu Raimundo abriu um sorriso.

— Deve estar se sentindo um machão com esta arma, não está? Não há pior raça de homem do que um covarde armado. Aposto que você não tem culhões para atirar. Você só tem coragem de me enfrentar porque está com um revólver na mão. Sem este revólver, você não passa de um maricas. Tenho vergonha de você ser o meu filho.

Fechei os olhos e me preparei para as explosões de tiros e miolos se espalhando.

Um, dois, três segundos e... Nada. Abri os olhos. Todos continuavam na mesma posição.

Senti que a qualquer momento, uma voz, ou uma inspiração de sensatez, iria surgir de algum deles e todos acabariam dando risadas dessa ridícula cena. Que Seu Raimundo iria abraçar o filho e que Pedrinho iria pedir desculpas e que todos iriam prometer que nunca mais levantariam armas uns para os outros; pois, todos se amavam naquela família.

Eu estava sentindo que isso iria ocorrer, vi que um deles abriu a boca para apaziguar a situação, quando...

DING-DONG

O toque da campainha assustou o tenso Pedrinho e ele apertou o gatilho. E Seu Raimundo, que estava com o dedo no gatilho, apertou-o como último reflexo de vida; e nesse meio tempo, a cabeça de Pedrinho já tinha ido pelos ares por causa do disparo da irmã; e Dona Ângela, em uma fração de um segundo antes de receber o tiro fatal do marido, não pensou duas vezes antes de matar aquela que matou o seu filho querido.

Quanto a mim?

Bem, a mim só me restou atender a porta.

E você nem adivinha quem veio para jantar.

Batuta Ribeiro
Enviado por Batuta Ribeiro em 11/12/2017
Reeditado em 11/12/2017
Código do texto: T6196500
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