̶  Ás vezes dá uma saudade na gente, não é?
     Quem fez essa pergunta foi Marisa, ao me ver no jardim da nossa casa, olhando, absorto, para o pequeno canteiro de rosas brancas onde a Rosana estava podando as que haviam murchado e molhando, com um regador, as que estavam nascendo.
     Levei um susto danado. Rosana levantou o rosto e sorriu para Marisa. Um sorriso amistoso, que eu diria, quase de satisfação, por ver uma velha amiga. Eu é que quase morri do coração. Ele começou a bater com uma arritmia absurda, como se estivesse começando a enfartar. Parecia um surdão de escola de samba, nas mãos de um ritmista que perdeu o tom;
     ̶  Ah! ... Meu Deus! ...Você ... também... está vendo...isso... ?  ̶  balbuciei, com o coração a sair pela boca.
     ̶  Claro  ̶  respondeu Marisa, sem notar a minha preocupação. Ela está linda, disse ela, sorrindo na direção de Rosana e acariciando uma enorme rosa que naquele momento atingira o esplendor do seu desabrochar.
      ̶  Rosana sempre soube cuidar muito bem delas  ̶  disse Marisa, olhando para Rosana, que lhe devolvia o sorriso amistoso.
     ̶   Cartola ̶  disse Marisa, cheirando a rosa.
    ̶    O que?  ̶  perguntei,  meio atoleimado.
    ̶   Cartola. As rosas não falam. As rosas simplesmente exalam o perfume que roubam de ti. Não é que diz a música? 
    ̶   Sim. Mas...
    ̶   O almoço está pronto     ̶    disse Marisa, em me deixar completar o pensamento.    ̶     Você quer comer agora?
       ̶    Tá... Sim...    ̶    respondi, olhando simultaneamente para uma e outra. Nenhuma das duas parecia incomodada. Nenhuma das duas parecia estar fazendo caso do inusitado da situação. Só eu estava desconcertado e completamente tonto com aquilo.
    Marisa entrou em casa. Rosana estava olhando para ela e ainda sorrindo aquele sorriso amistoso.
   ̶   Ela parece estar muito bem    ̶   disse Rosana.   ̶  Já parou com as aulas?
      ̶  Hã? Sim... Mas...
    Eu olhei para Marisa, que já havia sumido de visto. Depois voltei-me Rosana para ver se ela poderia dizer alguma coisa que me tirasse da absurdidade daquele momento. Mas ela havia desaparecido outra vez. No lugar em que ela estava só aquela rosa, imensa, perfumada, inocente, como a olhar para mim, se divertindo com a minha perplexidade.
 (continua)
    Isso me deu o que pensar. Será que Marisa também estava vendo Mariana? Se estava, então não era alucinação minha. Eu entrei na cozinha, onde Marisa estava pegando a comida para por na mesa com a deliberada intenção de perguntar. Mas parei na porta. Algo me fez parar. Eu estava com a pergunta na ponta da língua, mas ela não saiu. O único som que saiu da minha boca foi um “Ah!” acompanhado de um dedo erguido, apontando alguma coisa lá fora.
   ̶  O que foi? Você está pálido. Parece que viu um fantasma    ̶   Marisa disse, sem mostrar nenhuma mensagem no rosto além de uma preocupação com a minha aparência, que devia estar mesmo bastante estranha.
     ̶   Você ...não viu...?   ̶  Balbuciei, apontando o dedo para o jardim.
   ̶  Viu o que, homem?
   ̶  A Rosa...Você não viu?
   ̶  Claro. Ela está linda.
   ̶  Mas...você ... não ficou...
   ̶  Ficou o que?
   ̶  Assustada, surpreendida, com medo, sei lá?
   ̶  Com medo de que, homem de Deus? Do que você está falando?
   ̶  A Rosa...Lá fora...Você não ficou assustada?
   ̶  Porque ficaria?
   ̶  Porque não é normal, ora.
   ̶  Tudo que a natureza faz é normal. A cabeça da gente é que não é. Ela é que faz imagens malucas de coisas que não existem ou são diferentes do que a gente está vendo.